segunda-feira, 1 de março de 2010

Pequenos textos

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( Foto de Frutuosa Santos )
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" Fizemos um longo silêncio. O calor terno e suave daquela tarde de Inverno acariciava-nos o rosto através da brisa que o transportava até nós num afago de mãe. A paz tocava-nos de forma profunda, ligando os nossos corpos com a Alma e esta com o Espírito. Havia um corredor vertical de contacto com toda a expressão do nosso ser, silenciando a mente, apaziguando as emoções e tranquilizando o corpo físico. Olhei depois para ele, sorrindo.

- Sabes qual é a sensação que tenho quando olho bem fundo em teus olhos? - ele fixou-me, anuindo - É como se fossemos um casal de dois velhinhos com cem anos de idade, que já viveram tudo um com o outro, que sabem tudo um do outro, e aqui, olhando este lago, apenas fica esta paz e esta tranquilidade de quem não tem mais nada para dizer, para construir, para experimentar no mundo, entregando a vida nas mãos do mais alto.
Ele sorriu, contendo as lágrimas num olhar humedecido.
- Sinto o mesmo. É como se soubesse tudo de ti; como se já tivesse vivido tudo contigo muitas vezes. E isso traz realmente uma grande paz. Posso mesmo afirmar que sinto por ti um amor sereno, tranquilo, que não pede nada para si que não seja o simples acto de amar.

Ele desviou o olhar. Apesar de sentir o mesmo que eu, percebia nele alguma resistência.

-É muito bonito o que disseste, mas sinto em ti medo de viver esse amor. Porquê, João? - perguntei.

- Prefiro guardar para mim, Vera, mas estás certa. Existe realmente algo em mim que resiste em viver esse amor.

E nada mais disse ficando em silêncio, de olhar no sol que se punha e que ali estava como testemunha de uma história que ainda ignorava. Percebia nele uma fuga àquela realidade que despertava em nós um sentimento profundo e antigo, temendo que partisse.
- Tenho que ir, Vera - e o meu temor confirmava-se. - Irá escurecer em breve e depois não darei com o caminho. - Ainda temos algum tempo - disse eu no desejo de não o ver partir. - Porque não ficas mais um pouco. - É melhor não - ele fixou-me com um olhar húmido. - É que ficar seria começar uma história que irá inevitavelmente terminar em muita dor. - Como assim! - o que o perturbava tanto, afinal?
Ele não disse nada, beijando-me suavemente nos lábios. E logo partiu, descendo o monte pelo carreiro que o trouxera até junto de mim. Quando desapareceu por entre os arbustos da serra, aproximei-me do quadro já pronto, pegando no pincel que molhei na tinta ainda húmida. Sem resistência alguma, como se a mão tivesse sido tomada por alguém, concluí o quadro, pintando o seu rosto no espaço que sempre ficara em branco. E ali, num sorriso escorrido em lágrimas que não pude nem quis conter, era-me confirmado que ele era mesmo a pessoa que sempre procurara. "
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In " Murmúrios de um Tempo Anunciado " , de Pedro Elias

10 comentários:

franciete disse...

Venho agradecer a sua visita, e dizer-lhe que a pena, são aquelas que vamos deixando cair ao longo da nossa caminhada, e que jamais se renovam como as das aves.
São as penas que ao longo de tantos anos, vamos mostrando ao mundo que nos rodeia.
Obrigado pela sua amizade, e prometo voltar para comentar os seus textos, que o pouco a li achei maravilhoso.
Beijinho de luz em seu coração

Rafael Castellar das Neves disse...

Que descrição!!! Sensacional...

[]sss

Baila sem peso disse...

Na serenidade de um lago verde
surgem murmúrios de um tempo...
abaixo li sobre o Amor e o silêncio
e a nossa mente se perde
em lindas palavras que bebe...
no som em afago de azul
deixei-me cair na suavidade
de branco véu de tule...

Obrigada pelos momentos
afagam nossos lamentos :)

Meu beijo

Agulheta disse...

Eduardo. Na pintura do tempo,e do amor que partiu,se fez o mais lindo quadro que nem a tinta consegui tirar o sorriso.Gostei do texto ,muito lindo.
Beijinho e boa semana Lisa

Fá menor disse...

Lindo texto! Uma estória de sol poente, nostálgica, bela!

Boa semana!
Beijos.

franciete disse...

Adorei o texto, muito sublime e com muita ternura, são momentos passados que nos vão deixando a pensar, nos que vão partindo e vai ficando em nós a saudade desses momentos vividos.
Beijinho de luz em seu coração.
PS: a música é lindíssima

Paula Raposo disse...

Muito bonito! Obrigada pela partilha. Abraço.

gota de vidro disse...

Por vezes percorre-se uma vida na procura e nem sempre se encontra o trilho...

bela descrição

bjito da gota

Unknown disse...

Que grande texto... pelo conteúdo... pela envolvência...

Gostei muito

abraço

Lucília Benvinda disse...

Estou em terras espanholas,mas sem deixar de passar pelos nossos cantinhos bem portugueses.

Li este livro há algum tempo... encontros e desencontros, tal como no teu poema de "O Amor e os caminhos do silêncio".

Uma história de descobertas e revelaçoes... que a seu tempo surgirao.

Já li a continuaçao deste livro, que o Pedro ainda irá disponibilizar.

Um romance a nao perder por tudo o que se adivinhará num futuro próximo.

Bem, vou andando, estou na universidade de Valencia, onde, em Erasmus, estuda a minha filha.

Um abraço,
(vou conhcer um pouco da cidade)

Lucy