sábado, 26 de maio de 2012

Escreves azul sobre o branco ao lado do verde

Observas o voo perfumado do sonho sonhado na cadeira onde estiveste sentado, e cheiras o perfume do sonho, e revês-te sentado a sonhar ao lado das árvores ( distraído ao longo os anos  sem atentares na identidade  da cadeira do sonho, só agora vês como é inócuo, infértil, amputado, embora sublime, o aroma que sobe no céu infinito e deixa confusas as estrelas  debruçadas nas janelas  do etéreo sobre as águas claras dos rios da terra, como que cheias de saudades das raízes, da frescura da terra, das mãos calosas que a trabalham, do cheiro do suor, do salgado da lágrima, da dança do riso, da liberdade festiva da aventura e da transgressão, da quentura dos corpos dos seres e da terra, ausências notadas nos incensos flutuantes evolando dos turíbulos movimentados por tuas mãos inaptas, impreparadas, inúteis ...)...!!

Acariciado pela luz do sol, e empurrado pela brisa, escreves azul em cima do branco do papel, sobre a mesa ao lado do verde das árvores floridas e com frutos...

Não resististe ao impulso conhecido em direcção às nascentes e aos regaços que sentes desde uma idade que não sabes localizar no mistério do tempo, e foste sentar-te ao lado do verde das árvores, e levaste a folha branca do papel, vazia como tu, vazio do verde, mas cheio dos cinzentos reflexos ecos ruídos guerras e conflitos, e imploraste pelo verde, o teu bosque de plenitude, brasonado em ti, mas situado muito para além da margem do teu rio de águas adormecidas, esquecidas, aparentemente abandonadas!...

Sentas-te então ao lado do verde, e começas por escrever: acariciado pela luz do sol, e assim permaneces, e vais mergulhando no colo da tua face não lembrada, até que já não te dás conta de que escreves, não a palavra: acariciado, mas sim inundado pela luz, e que já não escreves  que te sentes empurrado pela brisa e que deixas de falar  em árvores floridas  e em frutos, porque o teu olhar, dissolvido nos rios que vão na corrente dos leitos frescos por dentro dos troncos das árvores e arbustos, é agora fotossíntese emergente nos dedos esguios das gavinhas e nos sorrisos embriagados  das folhas verdes balouçando no mar azul do céu que com um abraço infinito te recebe.

Dás contigo sem palavras que escrever. A caneta suspensa  no sorriso da luz. O corpo aliviado da necessidade de pensar. Bote atrelado ao cais, reencontro dos seres e das fibras e das pedras e dos átomos  do teu corpo com os átomos de todas as estrelas do universo. É o momento em que terminas o poema e olhas com outro olhar, e acaricias com outras mãos, as tuas, mas cheias de amor pleno, a mesa, e a cadeira, onde sentado escreveste um poema sobre o sonho.
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In "Os Caminhos do Silêncio" , Chiado Editora, Outubro de 2011
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Foto Net

sábado, 12 de maio de 2012

Cavalgando as sílabas do silêncio

Preciso do tempo para o meu tempo como se não tivesse (houvesse) tempo. Único espaço onde respiro e me sinto livre.  Nem preciso de espelho para me ver o rosto que tenho e ser a respiração que respiro. Pode existir ruído, mas só o silêncio se ouve. Catedral de espaço ilimitado. Autenticidade cinzelada a sulco de lâmina no  jade mais profundo e puro. Arco luminescente giza o discurso língua vibrante entre o céu e a terra, entre as águas e o fogo, entre a vida e a morte. No céu desta boca de lume me vejo e falo e me atasco leve e me voo semente na terra amada e sulco as águas bote por janelas de vagas onde assomo as corolas ronronantes do mistério.No centro desta boca ventre sou eterna criança não nascida com memórias sem palavras e receios de esquecimentos de um tempo ainda por nascer ! Mas tudo decifro cavalgando as sílabas do silêncio que enche como almas velhas ondulantes o espaço sem tempo da catedral sem nomes, diluídos nos altares do amor pleno.

In " Os Caminhos do Silêncio ", Chiado Editora, Novembro de 2011      

( Foto minha, Costa da Caparica )