Observas o voo perfumado do sonho sonhado na cadeira onde estiveste sentado, e cheiras o perfume do sonho, e revês-te sentado a sonhar ao lado das árvores ( distraído ao longo os anos sem atentares na identidade da cadeira do sonho, só agora vês como é inócuo, infértil, amputado, embora sublime, o aroma que sobe no céu infinito e deixa confusas as estrelas debruçadas nas janelas do etéreo sobre as águas claras dos rios da terra, como que cheias de saudades das raízes, da frescura da terra, das mãos calosas que a trabalham, do cheiro do suor, do salgado da lágrima, da dança do riso, da liberdade festiva da aventura e da transgressão, da quentura dos corpos dos seres e da terra, ausências notadas nos incensos flutuantes evolando dos turíbulos movimentados por tuas mãos inaptas, impreparadas, inúteis ...)...!!
Acariciado pela luz do sol, e empurrado pela brisa, escreves azul em cima do branco do papel, sobre a mesa ao lado do verde das árvores floridas e com frutos...
Não resististe ao impulso conhecido em direcção às nascentes e aos regaços que sentes desde uma idade que não sabes localizar no mistério do tempo, e foste sentar-te ao lado do verde das árvores, e levaste a folha branca do papel, vazia como tu, vazio do verde, mas cheio dos cinzentos reflexos ecos ruídos guerras e conflitos, e imploraste pelo verde, o teu bosque de plenitude, brasonado em ti, mas situado muito para além da margem do teu rio de águas adormecidas, esquecidas, aparentemente abandonadas!...
Sentas-te então ao lado do verde, e começas por escrever: acariciado pela luz do sol, e assim permaneces, e vais mergulhando no colo da tua face não lembrada, até que já não te dás conta de que escreves, não a palavra: acariciado, mas sim inundado pela luz, e que já não escreves que te sentes empurrado pela brisa e que deixas de falar em árvores floridas e em frutos, porque o teu olhar, dissolvido nos rios que vão na corrente dos leitos frescos por dentro dos troncos das árvores e arbustos, é agora fotossíntese emergente nos dedos esguios das gavinhas e nos sorrisos embriagados das folhas verdes balouçando no mar azul do céu que com um abraço infinito te recebe.
Dás contigo sem palavras que escrever. A caneta suspensa no sorriso da luz. O corpo aliviado da necessidade de pensar. Bote atrelado ao cais, reencontro dos seres e das fibras e das pedras e dos átomos do teu corpo com os átomos de todas as estrelas do universo. É o momento em que terminas o poema e olhas com outro olhar, e acaricias com outras mãos, as tuas, mas cheias de amor pleno, a mesa, e a cadeira, onde sentado escreveste um poema sobre o sonho.
-In "Os Caminhos do Silêncio" , Chiado Editora, Outubro de 2011
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