domingo, 29 de janeiro de 2012

Farias hoje anos, pai...

Onde estarás?
Só depois de partires
É que melhor te conheci
E mais te amei.
Estás algures longe-perto.
Será que um dia nos vamos encontrar
Quando eu partir para esse lugar?
Amo-te.
Já partiste.
Tanto te amei.
Devia ter-te amado mais.
Mas há coisas que só vemos depois !
Tu sabes quais são! 
Tens escutado a minha voz.
E o meu pensamento.
Estás longe-perto !
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In " Os caminhos do silêncio " - com ligeira adaptação.
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Foto Google



terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Postagem dedicada a António Ramos Rosa



CAMPO E CORPO
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Não houve antes nem haverá depois.
Quando inicia, se sopra a sombra, é uma
absoluta rosa que principia sempre.
À mesa de trabalho, a página é vazia.
A lua banha a brancura e um campo emerge  ténue.
O sangue tumultua, respira o mar suave.
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Um corpo, quem o sabe, onde começa o sangue?
Um corpo está no campo, corpo e campo se envolvem
na paz mútua que nasce, de dentro e fora, una.
Troncos, membros, olhar circundam campo e corpo.
O campo que se alarga e que respira é corpo.
O corpo que ondula e se prolonga é campo.
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O olhar alarga o campo, o campo estende o corpo.
Pernas, braços, tronco estendem-se à extensa terra.
Um corpo intenso cresce em campo vivo ao sol.
Nudez de campo e corpo. Um ar só comunica
sem dentro e fora. Uma cadência solta
percorre uma área una. O sangue está no campo.
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As árvores banham-se na limpidez do corpo.
Os animais saltam lúcidos e delicados
entre as ervas do sangue. Pastam os sonhos
entre pedras. Nudez de corpo e campo.
A língua pousa no prado. O sexo penetra a terra.
Campo e corpo uno. A mão pousa no monte.
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 Respiro e danço com todo o corpo e campo.
Lanço-me com todo o corpo em pleno campo
e danço tranquilamente a absoluta rosa única
que formo pétala a pétala, rodando no seu centro.
O campo que desdobro e rodopio é um corpo
que do meu corpo nasce, que do meu campo solto.
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In " A construção do corpo " - António Ramos Rosa
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Conta-corrente 1 - Vergilio Ferreira:
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" 1969. 26 - Fevereiro ( quarta ). Conversa pós-prandial com o Ramos Rosa num café. Que personagem curiosa este grande poeta. Claude Roy disse dele, salvo erro, que lembrava um Quixote surrado. Enganou-se de mundo, anda aqui por se ter distraído.  Porque ele nasceu para viver noutro lado onde não haja regras de trânsito, de disciplina, de subsistência. De modo que faz um esforço enorme para se acomodar. Um grande achado para ele foram as práticas do ioga ou coisa que o valha. O mundo em que circula desarranja-lhe os mecanismos interiores. E toda a sua preocupação é consertá-los. Mas ele a compor  e a realidade a estragar. Quando julga que venceu, fica radiante. Dias depois volta à oficina com o psíquico esmurrado. Não chegará nunca a tirar carta de condução no mundo.Hoje trazia outra descoberta: mastigar interminavelmente  um pedaço de alimento até sentir vómitos. Isso lhe afinaria o sabor para recuperar um paladar originário.E ria. Estava feliz. Nós alimentamo-nos tão estupidamente, com um paladar tão encortiçado. Ele quer restaurar cá, o sabor que deve haver talvez do lado de lá.  Encantado com a descoberta. E eu com o encantamento dele. Adorável poeta. Extraordinário poeta. "
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Foto Google



sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O canto triste e doce da terra amada

O transcendente fascina-me.
Toca-me.
Equilibra-me.
Harmoniza-me.
Completa-me.
Mas falo do transcendente que recebe e bebe as lágrimas do meu rosto,
as críticas da minha inteligência,
as dúvidas e fraquezas do meu espírito,
as forças vulcânicas e suaves e doces do meu coração.
Simbiose,
casamento
da terra sagrada,
conhecida,
amada,
cheirosa,
com o céu almejado do sonho dourado.
Céu feliz.
Terra agradecida.
Amor mais pleno não há.
O perfume tem um sentido,
aceite pela lonjura infinita
que escuta com olhos maternais
o canto  triste e  doce da terra amada.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Acho que é a voz da alma


A vida é feita de muitos caminhos.
Mas há um caminho que nos chama em segredo.
É uma voz de silêncio.
Acho que é a voz da alma.
Não sei se os outros sentem o mesmo.
Pobre alma cuja voz não é ouvida!
A minha, quando o é, 
Dá-me a sensação de plenitude.
É como se visse o meu rosto
Nas águas tremulamente iluminadas pelas chamas de uma fogueira.
Será real o que escrevo?
Não sei.
Mas o que sinto, é.
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12/1/2012
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Foto Google

sábado, 7 de janeiro de 2012

A diferença entre a vida e a morte !

Gosto das águas correntes contentes saltitantes refrescantes deslizantes...
Vede  como correm simplesmente livres na corrente bailando como se não houvesse tempo...
Vede como no mar tempestuoso não se lembram já de que foram rio...
Vede como as estrelas do céu nelas se reflectem, os peixes saltam felizes, quando o sol vence a bruma e a névoa se dissipa no ar limpo deixando perpassar a sinfonia doce da manhã...
Vede a diferença entre o movimento livre e cantarolante das águas e a placidez morna, morta, pachorrenta, saposa, dos charcos, dos pântanos, das barragens sujas, da monotonia dos dias, cenário de seres vivos desencantados, sem horizontes para além das margens, limites sem pontes...


Vede a diferença entre a vida e a morte...


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In o meu último livro,  " Os caminhos do silêncio "