sábado, 13 de dezembro de 2014

Mas tudo fica!...

Ouço a canção do mar
perpassar bem fundo
dentro de mim...
passar...passar....
Como tudo, aliás,  passa!...
Mas tudo fica!.....

Dezembro,Praia de Santa Cruz

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Um coração cheio de flores


Uma só silaba.
Rutilante.
Gota de orvalho na alma sedenta.
Uma criança observa
E desenha na terra
Um coração cheio de flores...
 
 
Novembro

sábado, 1 de novembro de 2014

Exaustas das guerras

As almas,no fundo, aceitam e compreendem,
mas estão exaustas das guerras das palavras 
com que atacam e se defendem.


21 de outubro

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Poeta disfarçado de pastor

Quando a tristeza é vazada 
No cálice luminoso do poema 
E a alegria borbulha como espuma sussurrante nas corolas festivas das camélias,
Surge o poeta disfarçado de pastor, assobiando às ovelhas,
Com amor.

20 de outubro


domingo, 12 de outubro de 2014

Recomeço sobre as dunas

De noite reciclo-me mergulhado no mar.
No sol da madrugada purifico-me.
Danço e recomeço sobre as dunas.

Out, 214

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Tudo passa como os sons...


Tudo passa como os sons
Como barcos
Nas águas das nossas células.
Basta apenas atenção à música 
Que o vento vibratório 
Repercute nas velas.
Respiramos amplos e leves 
E localizamos em que parte da nossa embarcação 
Se abriu a ferida do vento.
Com amor acariciamos a ferida
Beijemo-la e havemos de reparar
Que as nuvens se dissiparam
E o céu fica mais claro

Para a dança dos golfinhos!....

fim de set.


quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O antes da nascente!

Não há cedo nem tarde
Não há tempo
Há o estar atento
Sem saber que se está
Quero o antes da nascente
E do sol poente
Acordar dos pássaros
E dormitar dos seus cantos
Noivado dos goiveiros,
Silabas com sonho das palavras,,
Pauta da música entregue à folha do outono que cai,
Quero o puro beijo
Com a saliva mestra de todas as rosas trágicas e festivas,,
Que as palavras fiquem invejosas,
E que os risos vençam a morte,
no amor pleno
Das brisas frescas da madrugada...

30 Setembro

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Tesouro das brisas...

Onde entras e recebes brisa indelével sobre a pele da alma,
pegadas segredos registos de sorrisos e de lágrimas.
Nervuras dos teus passos,
Aroma dos teus percursos.
Sentes-te bem.
As pancadas do coração são harmónicas 
Com os sorrisos dos goiveiros,
Cumplicidade doce dos pássaros
Que sabem 
Que tudo fica guardado no tesouro das brisas....

Setembro

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Sótãos


Eram sótãos.
Há sempre sótãos.
Com coisas escondidas.
Até que as chaves caem aos teus pés

e, se estiveres atento,
com elas abres as portas fechadas
e ficas boquiaberto
ao ver lá dentro
bocados de ti,
esquecidos,
não lembrados,
como que não sabidos,
ali,
abandonados,
não vividos!...
Ficas surpreendido,
e ganhas, de súbito, uma nova consciência,
abraças-te a ti mesmo
no abraço das partes que te abraçam
e que a ti regressam
como filhos resgatados!...


( Foto Net )

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Transmutação

As sombras, com todos os seus nomes,
Lavadas nas águas no fundo da terra,
Transmutadas em pedra sorridente de cristal 
Que sobe
E me invade o coração,
Luminoso poema,
Assim te quero!

28 agosto

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Fios de água

Existe o mar.
Existem os rios.
Eu canto os fios de água! Lx, agosto

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Nudez

A nudez não precisa de palavras.
Simples som e tom e silaba
Já são máscaras.
A nudez é completa.
Ponto dificil de chegada.
Bela e violenta e perfeita.
Rosa
.

Lisboa, agosto

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Árvores à janela

Árvores à janela seria uma coisa normal
Se as pessoas fossem árvores.
Nem todas são.
Eu sou.

Ix, Agosto

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A poesia

A poesia como a vejo e sinto 
Não explica nem gosta de explicações.
Ela é simplesmente.
Insinua.
Dança no arame tenso em cima do abismo
E sorri 
E brinca com a morte
Que respeita mas não teme.
A poesia como a sinto
Não é intelectual.
É apenas água.
Que bebe água das fontes do amor
E a põe a correr nos caminhos
Que vão dar aos corações....
Sem explicações...

Eduardo Aleixo 
 24 de Julho

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Simples

Cada vez gosto mais do que é simples.
Por exemplo, esta cana.
É uma flauta.
Dá música.
Que se espalha pelos campos.
E é respeitada pelos pássaros. 

Lx, Agosto.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Nostalgicamente

Sempre gostei
das gares e dos portos.

Nostalgicamente.

Sou barco triste.
 
Que canta!

Mértola 

24 de Julho

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Ser poeta


O que fica no ar
Registo em meus poemas
Ser poeta
É ter antenas
Captar sorrisos
E também penas
E coisas mais fundas
Que nem te lembras!

Lx, 13 Julho

sábado, 19 de julho de 2014

Sonhos muito antigos...

Até os sonhos que tens
Te dizem 
Que os teus sonhos
São muito antigos!....
E ainda dizes 
Que o tempo não existe!


Julho 2014

segunda-feira, 7 de julho de 2014

A tua Criança !
















A tua Criança 
( dentro de ti )
sorri
ao ver-te a escrever ! 

Fica feliz !

Sempre foi isso
o que ela quis.... 

Lisboa, 20 de Junho de 2014

Foto Net

domingo, 29 de junho de 2014

Dois poemas

1.
Só o tempo nos ensina 
a aprender.



2. 
Nas margens do rio
Que olhos vislumbram
A luminosidade intensa
Das águas claras e profundas?


( Escritos insight )
Junho 2014

terça-feira, 24 de junho de 2014

Como se viesses de longe! ...

Acho que subi um degrau ! ...


Porque olho para ti
Mais de perto... 


Como se viesses de longe !....


Lisboa, 18/ 6

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Os seres que se amam

E talvez aconteça 
que longe longe 
Os seres que se amam
E não contactam
Se saibam juntos
Nos momentos mágicos
Em que estradas
Se iluminam
E se mostram
Como pontes...

Lx, Maio

sábado, 7 de junho de 2014

Cálice sublime do amor.


Rufar do tambor na pureza do ar entre as pedras ancestrais
Languidez intemporal da voz do búzio no acordar dos campos e do mar
Cordas musicais do cosmos
despertando os neurónios adormecidos

no coração dos homens
Eira de trigo
onde repouso o meu rosto
sedento de paz
e de palavras sábias
Mãe-Terra, alimenta-me as raízes
e faz com que o sangue quente do meu corpo
suba
e seja recebido em festa
pela cálice sublime do Amor ! 

Março, celebração do equinócio da Primavera,
Cromeleque dos Almendres - Alentejo

sábado, 31 de maio de 2014

Aos anjos, deslumbrados !



















Coração da rosa, berço dos sentidos,
Pérola, irrupção do fogo inicial, brasa imorredoira perdida nos tempos sem fim,
Imutável, esquecida, não lembrada, ou não sabida,
Fonte do que é imaculado,
Semente da quentura, do pão e da ternura,
Espir
al do amor,
Procura essencial do que é essencial,
Flor de lótus, cardo, pentagrama,
O corpo todo enrodilhado no casulo da vida,
Limitado, mas sublime campo
Dos alimentos e das vestes,
Dos desertos e das águas,
Dos corpos e das almas,
Das montanhas, dos ventos e do xisto,
Onde labutamos, moramos e sonhamos,
Nas aldeias do contingente,
Desbravando os trilhos das espigas,
Irmãs gémeas consteladas das estrelas,
Dádiva de amor aos anjos deslumbrados!… 


 Maio, Lisboa 

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Páginas porventura por escrever ainda...

Os momentos em que os seres se retiram 
Quantas vezes são 
Os de mais intensa comunhão 
Clarividência
Leitura luminosa das páginas 
Porventura por escrever ainda
Calendários desenhados 
Nos caminhos
Traçados
Nas águas profundas 

Que só nos sonhos se revelam...

Lx, Maio

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Aqui te escutas

É o silêncio a trabalhar em cada ser
No mais profundo de si
Onde o rosto impera
Com a humildade da alma
Sabedoria sem palavras 
Aqui te escutas
E te observas
E sabes sobre tudo
O que as palavras não descrevem

Eduardo Aleixo

Mértola- Maio.

domingo, 18 de maio de 2014

Da criança que nunca morre...

Espaço onde existe a luz
Apelo de barco
Ou palco de dança
Espaço onde o tempo é outro
Lago de águas límpidas
Com sol nos olhos
Vestido de brisa
Tudo de bom e de contente

Está para chegar
A cama de cambraia pronta
Para o noivado das mansas rolas
É das clareiras com sol e brisa nos bosques doces
Que falo
Da criança que nunca morre
Mesmo velho de barbas brancas
É pássaro leve
É correnteza de riacho
Eis o rosto do poema
A pátria da poesia
Que me habita

Eduardo Aleixo 

sábado, 17 de maio de 2014

Flores

As flores.
À beira dos esgotos. 
Estranhamente belas.
Sem culpa.

sábado, 10 de maio de 2014

Gostarei sempre

Gostarei sempre das pessoas que fazen crochet porque me lembro das mãos de fada da minha avó Artemisa com dedos que viam microscopicamente as janelas das linhas das rendas que deixou, sublines palacetes brancos....

Sem título.

Saramago tem toda a razão quando diz que morrer é deixar de estar.
Ainda ontem deixei de estar durante algum tempo e quando acordei
achei que afinal morrer é fácil.
Difícil e chato é a espera, a preparação, a ansiedade, que antecedem a anestesia.
Vendo bem o pior não é morrer.
É viver com medo de morrer.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

A morte

A morte...fiquemos tristes,
mas porquê revoltados ?
Tem a sua hora
Planeada
Prevista
Desenhada
nas mãos
nos nomes
nos números
nos olhos
nos pés com que caminhamos
nos sussurros e carícias do vento !


6 de Abril



Sílabas de orvalho


Finos fios de água doirada corrente
voz fresca
olhar limpo
sílabas de orvalho
saudades da Nascente
ânsia da minha alma
neste mundo morrente…


Lx, 3/4/2014


quinta-feira, 24 de abril de 2014

Ervas-estrelas...

( Foto Net )
Palavras asas com raízes nas patas
Aromas de flores e frutos nos bicos cantantes
Ervas e estrelas são amantes.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Tanta falta fazem !


Na noite escura
só as luzes dos candeeiros derramadas sobre as ruas desertas
abandonadas
solitárias
silenciosas
as casas fechadas sem luzes nas portas e janelas

Apenas os cães ladram...

- Tanta falta fazem o brilho das estrelas cintilando no céu
e os sinais da presença dos homens sobre a terra!.....

5 de abril

Foto Net

terça-feira, 8 de abril de 2014

O pescador e o mar


O pescador junto do mar
Nunca está só...

Ouvindo o mar...
Falando com o mar...


Sente -se feliz...
Mesmo sem pescar...

Eduardo Aleixo
6 de Abril

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Marinheiro



 (Foto Net )

- Poema de RITA ALEIXO

( escrito no dia do Pai e da Poesia )

Psiu !
Marinheiro !
Que sabes tu?

O caminho que percorres
segue solto por aí
- cheio de agulhas e buracos
névoas e fracassos -
e nem eu, nem tu, dominamos o mar,nem eu, nem tu somos uma bússola que
sabe as estrelas nortear…


Psiu !
Marinheiro !
Olha o horizonte lá longe,
uma linha plana sem fim…
Como havemos de lá chegar?
se nem eu, nem tu,
sabemos navegar !


De olhar atento perscrutas

o azul infinito dos sonhos,
Os teus braços são como
os mastros do navio

e as tuas mãos agarram
firmes o leme,
fortes na sua vulnerabilidade.
E soltas a âncora,
não sem hesitações.

E é assim que partimos
Eu e tu

E a brisa do vento
E as ondas e o calor do sol
enquanto canções…
Vamos! Dizes tu,
Havemos de lá chegar !

A rota é um mistério por descobrir
E o mar
Todo ele um universo de vida e de morte
cheio de búzios, peixes e areia,
água, por vezes traiçoeira,
e sim, tribulações…

Mas ainda assim, dizes tu,

Havemos de lá chegar !



RITA ALEIXO

 19/3/2014



quinta-feira, 27 de março de 2014

O rosto do vento

Gosto da calma das noites
Após a guerra dos dias
Mas sinto sempre a grande solidão do mundo
Estampada no rosto do vento
Que conhece os segredos 
De todos os caminhos...

In meu livro, " As palavras são de água " - 2009 - Chiado Editora

domingo, 2 de março de 2014

Não há lágrimas mais puras

Tudo fica em mim
Pedra me edifica
Flor
Nervura de folha
Desenhos gravados nas conchas
Músicas legadas aos corações dos búzios
Dores, mágoas, promessas não cumpridas,
Desejos não satisfeitos,
Encruzilhadas, becos,
Bosques inventados em caleidoscópios de magia,
Mas que o sol cru de uma manhã
Ou o vento agreste de uma noite
Ou as circunstâncias que a poesia não descreve
Bolinhas de sabão embatem contra as rochas...
Mas tudo fica no coração do poema
Atordoado
Sublimado
Sublime,
Doce amado poema
Do amor mais puro que há
Perfume que as almas cheiram
Em cálices de suavidade sorridente
Bálsamo de perdão
Não verbalizado:
Não há culpas
Face aos enigmas poderosos
Que atravessam as nossas vidas!
Perante elas me inclino enternecido
No labirinto
Dos versos
Gravados nas paredes das grutas
Por onde passo alado
E digo:
- Não há lágrimas mais puras
Mesmo com resíduos de mágoas
Nem sorrisos mais cristalinos
Nem silêncios mais carinhosos
Do que estes que ouço
À medida que vou escrevendo o meu poema....

Eduardo Aleixo 

No seu livro, " Os Caminhos do Silêncio"


quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Tremoços

Tantas vezes come-se,
não tremoços,
mas o tempo
que nos come....

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Primeira água

Eco, não!
Voz, som, primeira água,
Fonte pequena que seja
É estrela  pura 
Que nasce!

Lx, 16 de Fevereiro 2014

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Como vejo a poesia

A poesia é uma linha muito fina que liga o visível ao invisível.
Assim eu a vejo.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

A outra face do mar



É preciso imaginar o que dizem os búzios! Que conhecem os segredos do mar! Que o mar não deixa contar! Fica apenas um cantar soturno. Um lamento cavo e difuso. O estrondo infindo do choque violento das vagas contra as tábuas dos barcos que submergem e com os barcos as mãos que acenam e imploram e dizem adeus. Os lábios que se beijam. Os corpos que se enlaçam. Os olhos que se fecham. Os choros e os gritos estrangulados na garganta das águas inclementes. Os sonhos acabados de nascer e sepultados no fundo do mar para sempre. Eis o que dizem os búzios. Ou imagino que diriam. Se pudessem falar.

Eduardo Aleixo 


Foto Net

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Rosto puro e sábio

A máscara do número
E o vestido da palavra
encobrem o rosto puro
e sábio do silêncio...

Lisboa, 21 de Janeiro

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

CENTENÁRIO DE ALBERT CAMUS - Cadernos ( sublinhados de juventude ) - livro de Eduardo Graça






O livro de Eduardo Graça é composto pelos sublinhados de leitura de juventude 
dos Cadernos de Albert Camus, obra que confessa ser, desde a sua juventude, " um livro de cabeceira", que " naturalmente não li todos os dias,  mas que sempre esteve presente na minha vida ", acrescenta; por um resumo biográfico de Alber Camus; e finalmente pelo que designa por Fragmentos de um quase diário improvável ( janeiro / maio 2008), escritos por si,  a partir de inícios de 2008, num caderno que tem  mantido,diz, salvo raras excepções, reservado.


No Intróito o autor do livro escreve: « Dói-me que esta efeméride passe em claro no nosso país, sem que um número razoável de novos trabalhos académicos sejam editados, porventura, sem uma única referência pública com impacto, perdendo-se uma oportunidade de ouro para levar ao conhecimento das novas gerações a obra de um autor que para além de ter sido aureolado com o Nobel da Literatura em 1957 é um acérrimo defensor dos valores da liberdade contra todos os totalitarismos. »


I

Alguns extractos dos Cadernos  de Alberto Camus, sublinhados por Eduardo Graça .

. Caderno nº2  ( 22 de Setembro de 1937 / abril de 1939 )


-"A Argélia, país a um tempo medido e desmedido. Medido nas sua linhas, desmedido na sua luz ".

- " Aquela manhã cheia de sol: as ruas quentes e cheias de mulheres. Vendem-se flores a todas as esquinas das ruas. E esses rostos de raparigas que sorriem."

( Esta imagem da natureza mediterrânica com gente dentro, como outras que constam neste Caderno, e que não sublinhei, manteve-se sempre muito viva. Desperta-me fortes ressonâncias da infância passada no campo algarvio, e na pequena cidade de Faro, na distante província que era o Algarve rural dos anos 50 ).


.Caderno nº5 ( 1948/1951 )


" Que vale o homem? Que é o homem? Depois de tudo o que vi, enquanto eu viver, hei-de ficar sempre com uma desconfiança e uma inquietação fundamental a seu respeito."

" Que é impossível, a respeito de quem quer que seja, dizer que é absolutamente  culpado e, por conseguinte, impossível pronunciar um castigo total."
" Marc condenado à morte na prisão de Loos. Recusa que lhe tirem os ferros durante a Semana Santa  para se parecer mais com o seu Salvador. Antigamente disparava contra os crucifixos nas estradas."
" Cristãos felizes. Guardaram a graça para si próprios e deixaram-nos a caridade."
" O problema mais sério que se põe aos espíritos contemporâneos : o conformismo."

. Caderno nº 6 ( 1948/1951 )


- " Dilaceração por ter aumentado a injustiça julgando-se servir a justiça. Reconhecê-lo pelo menos e descobrir então essa dilaceração maior; reconhecer que a justiça total não existe. Ao cabo da mais terrível revolta, reconhecer que não se é nada, isso é que é trágico."

II

 Fragmentos ( de Eduardo Graça ) de um quase diário improvável ( janeiro/maio 2008 )


. " Já tarde na madrugada de um novo dia reina o silêncio à minha volta. Encontram-se pelo caminho demasiadas pessoas doentes. Mais ainda as descrentes. Da vida dos outros e de si próprios. Uma conversa muito batida. Mas a realidade da vida quotidiana de muita gente é um drama pungente: faltam recursos, escasseia a iniciativa, sobra a vontade de descrer. Um dia as coisas hão-de melhorar, mas como? Sem o trabalho de todos e de cada um, sem a exigência de fazer bem feito, sem um verdadeiro sentido colectivo de organização para a criação da riqueza, sem acreditar no modelo político democrático, nem no modelo do estado social, a classe média em perda e as classes populares à beira da sobrevivência, como sustentar a crença de um mundo mais próspero e mais justo para todos? Difíceis os dias de hoje e, ainda mais certo, difíceis os dias de amanhã." 


. " Há dias em que escrevo dos sentimentos improváveis o cerne do que as palavras representam: dar a todos os que as lêem a capacidade de se apropriarem do renovado sentido delas. É o tempo da alegria. Fechar um círculo próprio e abrir uma janela por onde os outros nos interpretem. Aspirar à arte. Sentir que se criou uma obra por mais pequena e insignificante. Derramar a luz sobre o túnel enegrecido pelo desespero. Dar uma mão a outra mão que nem se adivinha. Tão tarde já no tempo e tão cedo no sentir a presença de todos os que nos amaram. Os que partiram para sempre. Os que ficaram. E nos esperam. Os que abandonamos. Esquecemos. Fazemos desesperar. Os que desejamos. Tudo e nada. Um momento breve que se esvai e morre. "

. " Esperar é deixar o tempo passar,compreender que o tempo não nos espera. Não é o tempo que nos envelhece. O combate da nossa vida não é contra o tempo. É contra nós mesmos. O que somos para os outros e como nos vemos a nós próprios. É como nos sentimos quando nos olhamos ao espelho e nos vemos. Sós. Sem mais ninguém. Ver correr à desfilada as imagens dos que mais amamos. É isso viver. Na fronteira do vazio da vida que não deixa nada para contar. Uma memória apagada no dia da missa do sétimo dia. As vidas comuns. As vidas de milhões dos nossos irmãos de caminhada em levas sucessivas. Vidas com prazo. Finitas. Escreveu Camus: " a imortalidade é uma ideia sem futuro". Observação certeira."


. " Já tarde na noite de um dia angustiado o regresso ao paraíso de palavras, soltas ao sabor do improviso. Como se dedilhasse uma melodia na guitarra que nunca aprendi a dedilhar. Ou olhasse  o céu com o peito desprendido de todas as dúvidas. Ou afagasse a mão do meu menino dando-lhe alento para superar todas as dificuldades da adolescência. O melhor de mim está fora de mim, está nos outros que me olham com ternura. E me alentam mesmo com o silêncio das suas palavras não ditas. Caminho pois sei que é a caminhar que se abrem os trilhos que outros virão a trilhar: Mesmo que nunca se saiba quem os abriu. "


EDUARDO GRAÇA

Em "CENTENÁRIO DE ALBERT CAMUS"

Cadernos ( Sublinhados de Juventude )

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

E foi assim que me fiz árvore!

A princípio era só céu!
E foi por isso que não deu

E zanguei-me com o céu!

Depois passei a ser só terra!
E foi por isso que não deu
E zanguei-me com a terra!

Finalmente, a pouco e pouco, 

céu e terra deram-se as mãos fraternas.

E foi assim que me fiz árvore,
a crescer dentro de mim...
Lx e Mértola, 6 de Janeiro 2014