sexta-feira, 29 de maio de 2009

Convidado do mês: José Manuel Mendes

" Ai as desgraças humanas destas paisagens iguais! " - Manuel da Fonseca
1. Fonte
tu vives na saudade de uma tarde
que eu vi morrer tombando sobre o mar
és ainda o mesmo sol que doira e arde
com o mesmo fim de dia no olhar
-
porque quiseste morar na ausência
e não rompeste as sandálias
pelo caminho
que te dei?
-
magoa-me a viagem da memória
e uma fome de laranjas
que não sei
( In " Salgema ", 1963 - 1969 )
2.
" mi palabra crece
y crece:
viene de aquel silencio com raíces
de los dias del trigo "
( Pablo Neruda )
para que serve um nome, leve giz?
nesta noite só o silêncio importa.
o teu olhar em flor de branco anis,
asa breve batendo à minha porta.
-
para que serve um nome quando tens
entre as mãos as estrelas da ternura?
e os seios no meu peito, dois reféns,
a mais cálida boca e a mais pura?
-
para quê se aqui te aperto
e subo contigo os degraus da fome?
agita as algas do teu corpo aberto:
o silêncio virá dizer-te o nome.
3
estes homens
abrem as portas
do sol nascente
-
conhecem os íntimos latejos
da cal as soltas águas
os fermentos as uvas
os cílios discretos do pão
-
amam as urzes e as fontes
o suor dos fenos
a febre moira de um corpo
de mulher
-
estes homens
partem a pedra
com martelos de solidão
( os olhos abismados
nos goivos
da lonjura )
-
erguem as paredes
as janelas crepusculares
as esfaimadas antenas das cidades:
céu de cimento; baba remota
do cansaço
-
estes homens
tamisam as cores; viajam nos navios
pescam no cisco as pérolas
do vidro
são garimpeiros
de uma esponja
de coral
-
moldam nas forjas
as sílabas secretas
do ferro
afeiçoam os seixos e o linho
o bafo marítimo
das palavras
-
estes homens
dizem casa com dezembro
nas veias
ternura com a sede de uma seara
grávida
assobiam comovidos contra as sombras
trazem na algibeira
o trevo rugoso das cantigas
-
estes homens
guadadores de cabras
e de mágoas
de espantos e revoltas
seres emigrantes
contrabandistas
soldados andarilhos do mar
carabineiros da má sorte
trepadores das sete colinas
operários
azeitoneiros
ratinhos
levantam por maio
os cantis do lume: voz de musgo
concha entreaberta
-
estes homens
( pátria viva; horizonte
de prata
à flor da bruma)
modelam nos andaimes
do tempo
o oiro ( medular ) da
liberdade
( In " Os dias do trigo " - 1977 - 1980 )
José Manuel Mendes

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Belas e úteis

Que as palavras sejam belas
Mas que sejam úteis!
Que os passos que dê
Sejam como arados
Na terra grata,
De grãos pesados.
Que diga casa,
Com mãos quentes
De amor
E de suor.
Que diga amada,
E o vento trema de emoção,
E o sol fique cheio de inveja!...
( Lx, 2008 ) - reedição

domingo, 24 de maio de 2009

São estas as águas

São estas as águas do rio
Que le(a)vam as letras do meu nome.
Águas limpas águas claras águas sempre em movimento.
Nelas desliza o bote do meu destino.
O meu corpo fala a linguagem dos peixes
Que sabem ser este o espaço
Da minha liberdade.
Aqui o cântico do sol e da bruma
Brota do ritmo harmonioso do meu coração
Identificado com a terra, com o céu e com a água.
O verde das margens é o verde dos meus olhos.
É este o rio certo.
O barco certo.
O ritmo certo.
( Lx, 2008 )
Fotos de Lucília Ramos - http://lucy-natureza.blogspot.com - a quem agradeço. Agradeço também a - http://porosidade-eterea.blogspot.com - o ter publicado este poema.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Relato da Semana São Tomé

Ontem deparei-me no café da manhã com um grupo de turistas fresquinhos. Terra pequena, damos sempre por eles e nunca deixam de me incomodar. No final um senhor mais velho veio contente meter conversa comigo para saber se era portuguesa e professora. Aqui há muitos professores cooperantes, mas não, eu sou portuguesa mas não sou professora. Ahh... "E está aqui há muito tempo?" - perguntaram rodeando-me na rua. "Sim, há um ano" - respondi. As suas caras surpresas de admiração diziam tudo - como conseguia?? Piorou quando disse que ficava mais um ano. "Isto é tão pobrezinho" - disse-me uma das senhoras. "E gostou da viagem? - perguntei-lhe. "Ah..gostei! Mas uma semana aqui chegou-me...E não vai a Portugal?"; ao que respondi que ia sim, mas de férias...E eles acharam piada e riram-se. Despedi-me deles e fui-me embora a pensar no quão "alien" me tinha sentido. É que às tantas aprendemos a viver com adversidades maiores, como não ter energia diariamente e já ser normal, faltar água e por isso ter os garrafões preparados para isso, gerir as baterias do portátil e telemovel, comprar velas periodicamente, não para embelezar a casa, mas porque é mesmo necessário... E agora comprei hoje um candeeiro a petrólio para experimentar, e que me fez lembrar o tempo dos meus avós...e curiosamente, lido com isso como factos já comuns do dia-a-dia. Na realidade saí da loja toda contente. Para mim não já não é nada de extraordinário. Penso sempre em países onde as adversidades, essas sim, são bem mais duras - onde caiem bombas todos os dias e as pessoas morrem aos milhares em conflitos, secas e cheias... Um beijo a todos e bom fim-de-semana Rita

quarta-feira, 20 de maio de 2009

A respiração das pedras

( Conchas de S. Tomé - praia das sete ondas )
- Poema dedicado à minha filha, Rita Aleixo
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Há o momento
De rasgão aberto
Na saia do tempo
Em que disponíveis
Sem o sabermos
Sentimos a respiração das pedras
E as carícias do vento!...
São as musas?
Eu diria:
Não sei o que aconteceu!
Só sei que as velhas palavras
Cantam de um modo diferente
Como se dissessem
Coisas novas!...
( Maio de 2008 ) - reedição

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Ser livre

Ser livre
é ficar deslumbrado com o teu sorriso
e não o molestar.
É deixá-lo voar como a um pássaro
e vê-lo partir
com mágoa
de sabê-lo na viagem
que é a tua,
alegre,
no mundo onde beijei a tua boca.
( Lx, 12/5/08 )

domingo, 17 de maio de 2009

É um recanto, aqui!

É um recanto, aqui!
Podia ser noutro lugar!
Não importa!
O importante é que seja um recanto.
Onde a alma diga:
Aqui, é o meu canto...
Poeminha inspirado na foto-recanto- capela situada na serra da Estrela- enviada por Maria Pedrógão - http://casademaio.blogspot.com - cuja amizade agradeço.
Lx, 11/5/09
Eduardo Aleixo

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Os únicos adultos sábios

Há homens e mulheres
Que bebem a eternidade dos momentos.
Têm os olhos abertos
E atentos.
Vivem encantados,
Sorriem e choram com a mesma facilidade.
Eternamente crianças,
São os únicos adultos sábios.
( Lx, 13/5/08 )
- Foto do autor, Brejenjas, 10/5/09 )

quarta-feira, 13 de maio de 2009

CRONICA Os meus dias no fim do mundo...

São Tomé, cidade capital, deve ter sido uma cidade lindíssima na época colonial, com uma grande baía, uma arquitectura bem definida e espaçosa, sinais de que em tempos se sentiu aqui uma brisa de prosperidade. Hoje, a cidade continua bonita mas decadente, cheia de lixo e com as casas a ruir. A cada dia, lembro-me que o Hospital do país não tem água. Conheço-o por dentro e já vi de perto como se prestam (ou tentam prestar) os cuidados de saúde, e pergunto-me como podemos nós querer exigir mais se não existe à priori a bem essencial - água. Curiosamente, um bairro de luxo cresce mesmo ao lado, onde, dizem, nunca falta nada. Também se ouve por aí que essas casas têm canalizações que vão tirar água à canalização central feita para o Hospital. A verdade é que lá, só de madrugada se enchem os baldes de reserva de água para o dia seguinte. E outra verdade também, é que provavelmente as pessoas que vivem no bairro ao lado vão a Portugal quando ficam doentes. Eu também iria. Cada vez mais penso que andamos todos a brincar ao "desenvolvimento"! (Aventuras da semana: tive uma matacanha, bicho tipo larva que cresce dentro do pé que teve que ser retirada deixando uma cratera :) ) Boa semana a todos, bjs Rita

terça-feira, 12 de maio de 2009

Re-nascer...

( Foto do autor, Brejenjas, Maio de 2oo9 )
Poema dedicado ao Paulo ( http://paulo-intemporal.blogspot.com )
Nascemos nus, despojados,
A não ser de que planos pré-fixados?
Re-nascemos, ao que lemos nos livros sábios,
Quando aqueles podem ser ultrapassados!
Ajudados somos nos caminhos vários
Rumo à Luz onde algumas aves voam leves.
Viagem sem tempo, ao que vamos aprendendo
À medida do decorrer do nosso tempo.
Teremos tempo?
Teias nos prendem na liberdade concedida.
É por socalcos, ou por saltos
Que aprendemos a voar?
As duas coisas.
Em muitas direcções.
Muitos são os sentimentos.
Mas é inesquecível o cheiro de certos perfumes
E a grandiosidade de certos bosques
E a luminosidade de certos momentos
E o encantamento de certos cantares...
É o que nos salva: esta memória na viagem sem tempo...
É difícil perder o grandioso que um dia as mãos de barro tocam
E as lágrimas ajudam a moldar em poema de anjo!
Eduardo Aleixo
( Comentário feito ao poema " re-nascer ", de Paulo, no http://paulo-intemporal. blogspot.com )

sábado, 9 de maio de 2009

Os bosques secretos

( Foto de Lucília Ramos, a quem agradeço a colaboração amiga - http://lucy-natureza.blogspot.com)
Os bosques secretos são essenciais para mim, porque são espaços de autenticidade, de intimidade, de plenitude... Onde os riachos correm com águas sempre claras. Onde o mar se faz ouvir e não há outra música mais poderosa sobre a terra. Onde as estrelas brilham no silêncio das noites. Onde se ouvem os pássaros, o vento, as rãs, os grilos, as cigarras, ou apenas o roçagar do silêncio, ou o farfalhar das folhinhas das árvores, ou, sem vento, quase veneramos as suas figuras hieráticas, plácidas, serenas, que simplesmente esperam. Onde não existe o medo, mas só o Amor.
Os bosques secretos, existindo na terra, são também céu e mar.
São templos.
Aí entro e me recolho e nem preciso de rezar ao Deus que lá mora e que tem muitos nomes. Mas é um Deus de bondade, de harmonia, de serenidade e de Amor.
Os bosques secretos são por isso o meu lar.
Eduardo Aleixo
( 5/2008 )

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Bate à porta do Amor, amor

Bate à porta do Amor, amor,
Que sabes da solidão
Do ventre da terra
E tens o coração
No centro da noite...
Eduardo Aleixo

quarta-feira, 6 de maio de 2009

De mãos dadas...

De mãos dadas com a vida e a morte,
Casado com o vento,
Sou rio,
E percebo a serenidade das cegonhas
Com as asas abertas,
Protegendo-me as margens...
Eduardo Aleixo
6 de Maio

terça-feira, 5 de maio de 2009

Parabéns, À Beira De Água! Fazes 1 aninho!

Há doze meses, as tuas primeiras palavras foram:
« Não é um afastamento do mundo. É escrever sobre o Mundo, no espaço que mais amo, à beira de água, ouvindo a voz da corrente, esperando o canto do silêncio. É um recanto. É um regresso permanente, como sempre foi a minha vida. Regresso à cada vez mais indispensável serenidade. Será bem vindo aqui a este espaço sem tempo quem vier de coração aberto. Se continuar a ser criança. Se não a tiver perdido na selva do mundo. Se gostar de aqui estar. Não é preciso falar. O essencial é que se sinta bem. Como eu. Debaixo das estrelas. Aqui se vai escrevendo o que a alma vai dizendo. À Beira de Água é um sítio de alma. Com alma. »
Releio o que escrevi, e não tenho nada a alterar. Como poderia ter, se as palavras são da minha alma, e ela sabe o que quer ? Sei que não me vou afastar dos seus desejos. Seria deixar de ser eu.
Muita coisa se aprende, e se confirma.
Se aprende: na abertura aos outros, diferentes de nós, mas irmãos na jornada infinita.
Se confirma: somos um só, mesmo diferentes.
A unidade chama-se Amor.
Amor, mesmo para aqueles que eu sei que não estão na minha sintonia.
Aos que involuntariamente ofendi, peço desculpa.
Não sou pessoa de estatísticas, mas sei que, em média, todos os dias postei. Mas o mais importante é a qualidade dos posts. A sua autenticidade.
Vou aprofundar/melhorar esta questão. O tempo é de balanço.
Mas hoje... não.
Hoje... é dia de aniversário.
1 aninho. De Á Beira de Água.
Obrigado a todos.
Eduardo Aleixo e Rita Margarida

segunda-feira, 4 de maio de 2009

A Crónica (de São Tomé)

Caros leitores, deixo-vos breves passagens das minhas últimas duas semanas, difíceis e extraordinárias…
Fiquei sem "visto" e como a lei mudou, já não podiam prolongar "vistos" a não ser que, à partida, já sejam "de trabalho", o que não era o meu caso. Assim sendo, estive à beira de ser expulsa do país, o que não era de facto problemático se não tivesse que permanecer em Portugal por 2 meses para voltar ter o famoso visto. Começou então uma corrida contra o tempo que não tinha fim à vista pois o "leve leve" nacional... impera. A única forma que tinha para ficar era ser feito um pedido através do Ministério de S.Tomé, nosso parceiro, para que, por razões excepcionais, pudesse receber o visto no país. Andei dias e dias atrás das pessoas do Ministério, juntei papéis, fiz esperas à porta do Ministério, enfim, o possível e imaginário para avançar com o processo. Só o consegui na última semana, com o visto a terminar dia 1 de Maio e com duas reservas de viagem para Portugal…e com outros apoios e pressões de fora, com o meu processo a andar de Ministério para Ministério e ninguém saber onde andava. Mesmo assim, vários entraves foram postos nos serviços de Migração e Fronteiras, por desconhecimento e sei lá, como o de verem o meu contrato de trabalho (isto na véspera de ficar sem visto) e acharem que tinha que ir ao Ministério do Trabalho, ao que expliquei que o meu contrato é português e não tem nada a ver com os serviços nacionais…Depois olharam para o registo criminal e acharam que por não vir “colorido” era uma cópia…enfim! Um desespero! Por necessitar do apoio do Ministério, nosso parceiro, andei em reuniões para a revisão de um Plano Estratégico do País, que dariam para vários sketch do Gato Fedorento e fizeram-me recordar alguns trabalhos de Faculdade. Eu, num Grupo de Trabalho, com o Plano Estratégico de outro país à frente, a ler em voz alta aos membros do grupo e a repensar numa forma de colocar exactamente a mesma coisa, mas de forma diferente. Ao que me respondiam: “Isso mesmo, Drª!! Diga outra vez! E onde vamos buscar dados para isso? Não temos....”. "E esse relatório que o Dr X está a ler?". “Não podemos usar porque não tem capa…não sabemos do que é…”.
E uma tarde se passava só na descrição geográfica, sócio-económica, eu sei lá! Só sei que cada dia foi um obstáculo e uma dificuldade. Viva o 1 de Maio, para descansar! Beijos a todos, Rita

sábado, 2 de maio de 2009

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Somos...

Somos barcos que choram
Portos que gritam
Gaivotas que pocuram

Eduardo Aleixo