domingo, 31 de outubro de 2010

Chuva, antiga ...

Foto Net
Chove e gosto; e sinto, sempre, que o som da chuva é muito antigo; e que chove sobre a terra , sobre mim e sobre o mundo, e eu sou a terra, o mundo, o tempo, a chuva e o som da chuva. Há, no som da chuva, que cai sobre mim, ao ouvir a chuva, o tempo da chuva e o tempo do mundo e o tempo do tempo e o tempo de mim!...
É como se eu fosse da idade da chuva, da idade da terra, da idade do mundo, da idade do tempo, e por isso não me basta dizer: chove, e é bom ouvir a chuva, etc...Porque algo me faz lembrar o inlembrável e ao dizer isto sei que não é construção da mente para efeitos estilísticos...Não!...É sentimento. Antigo. Como a chuva. E o tempo...
Desde quando choves, chuva, e sobre mim roças lembranças que não desvendas?!...
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" Os Caminhos do Silêncio " - Lx, 30/10/10

sábado, 30 de outubro de 2010

RILKE (2)

Sobre a Natureza
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"Brincamos com forças obscuras que não podem ser capturadas com os nomes que lhes damos, como crianças brincando com o fogo, e por um momento é como se toda a energia tivesse permanecido dormente na totalidade dos objectos até agora, e eis que chegamos para aplicá-la na nossa vida fugaz e nas suas exigências. Mas, repetidas vezes ao longo de milénios, essas forças livram-se dos seus nomes e erguem-se como uma classe oprimida contra os seus pequenos senhores, ou nem mesmo contra eles - elas simplesmente erguem-se, e as diversas culturas deslizam dos ombros da Terra, que se torna novamente grande, vasta e sozinha com os seus oceanos, árvores e estrelas.
O que significa o facto de transformarmos a superfície mais externa da Terra, embelezarmos as florestas e os prados e extrairmos carvão e minerais da sua crosta, de recebermos os frutos das árvores como se fossem destinados a nós, se nos lembrarmos pelo menos de uma única hora em que a natureza agiu além de nós, além das nossas esperanças, além da nossa vida, com essa sublime nobreza e indiferença que preenchem todos os seus gestos? Ela não sabe nada de nós. E, não importa o que os seres humanos tenham realizado, não há um deles que haja alcançado tamanha grandeza a ponto de a natureza dividir com ele a sua dor ou unir-se a ele no seu júbilo. Por vezes, a natureza acompanhou momentos grandiosos e eternos da história com a sua música potente, ensurdecedora, ou os ventos pareceram parar na iminência de uma decisão, toda a natureza quieta, com a respiração em suspenso, ou ela rodeava um instante de felicidade social inofensiva com florações ondulantes, borboletas voando de um lado ao outro, ventos saltitantes - mas apenas para se desviar no momento seguinte e abandonar aquele com que, há pouco, tudo parecia compartilhar."
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"O mais extremo e profundo de que as grandes coisas da arte são feitas reside em toda a natureza; ele cresce com todos os campos, todas as cotovias sabem disso, e nada senão ele faz as árvores florescerem. Mas ele está oculto ( enquanto nos objectos de arte é erguido em silêncio absoluto - como um ostensório ), está disseminado e quase perdido ( enquanto as coisas de arte o contêm: reunido, reencontrado, para sempre preservado ). E o caminho do nosso desenvolvimento, um caminho difícil, árduo, obstruído por centenas de circunstâncias, é também reconhecer o grande, o espiritualmente necessário, o infinito, enfim, onde o mais extremo e profundo não pode ser capturado por um olhar, onde é quase impossível agarrá-lo, a não ser por um trabalho de gata borralheira. A vida é severa e madrasta como a rainha má do conto de fadas; mas ao mesmo tempo não lhe faltam as forças amáveis diligentes que acabam por realizar - para quem é bom e paciente- o trabalho de fazer sozinho."
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"O que captamos como primavera , Deus o vê como um sorriso fugidio,pequeno, que passa sobre a Terra. A Terra parece lembrar-se de alguma coisa, que no verão ela conta a toda a gente, até que se torna mais sábia no grande silêncio outonal com que faz confidências aos solitários. Todas as primaveras que ambos já vivemos, reunidas, ainda não bastam para encher um segundo de Deus. A primavera que Deus assinala não deve ficar apenas nas árvores e nos prados, mas precisa, de alguma maneira, tornar-se poderosa nas pessoas, pois então ela ocorre, por assim dizer, não no tempo, mas na eternidade e na presença de Deus."
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" É difícil viver neste mundo porque há pouco amor entre a Natureza e o Homem e entre o Homem e Deus. O Homem não precisa de amar nem a natureza nem Deus - mas deve comportar-se em relação a Ele do mesmo modo que a natureza o faz. "
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Rainer Maria Rilke
In, " Da Natureza, Da Arte e Da Linguagem"
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Fotos de À Beira de Água tiradas na Ilha de S. Tome
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REEDIÇÂO - dedicado à Rita que regressou definitivamente de S. Tomé

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Rainer Maria Rilke (1 )

1. Sobre a Arte -
" Veja: não quero separar com um rasgo a vida e a arte: sei que em algum momento e lugar elas estão de comum acordo. Mas sou um desajeitado na vida, e, por tal razão, quando a vida se estreita ao meu redor, isso com frequência é uma estagnação para mim, um retardamento que me faz perder muitas coisas tal como às vezes num sonho quando não se consegue acabar de se vestir e, por causa de dois botões teimosos no sapato, falta-se a um evento importante e único. E também é verdade que a vida se move e realmente não deixa tempo para faltas e muitas perdas, especialmente para quem deseja desfrutar da arte. Pois a arte é uma coisa muito grande e muito difícil e muito longa para uma vida, e aqueles que têm idade bem avançada são apenas iniciantes nela. " Foi aos 73 anos que mais ou menos compreendi a forma e a natureza verdadeira dos pássaros, dos peixes e das plantas" - escreveu Hokusai, e Rodin sentiu o mesmo, e também se pode pensar em Leonardo, que ficou bastante idoso. E eles sempre viveram na sua arte e, reunidos em volta dela apenas, deixaram tudo o mais ser coberto pela vegetação. Mas como não deveria ter medo alguém que raramente vai ao seu santuário, porque cai nas armadilhas exteriores da avida agitada e se choca insensivelmente em todos os obstáculos? É por isso que quero encontrar o trabalho, começar o dia útil de forma tão ardente e impaciente , porque a vida só se pode tornar arte quando primeiro se torna trabalho. Sei que não posso cortar a minha vida dos destinos com que se emaranhou, mas tenho de encontrar a força para erguer a vida totalmente, tal como ela é, com tudo, para dentro de uma quietude , de uma solidão, do silêncio de profundos dias de trabalho. "
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" Segurança além daquela que se encontra na poesia, na pintura, na equação, no edifício e na música talvez possa ser alcançada apenas pelo preço da mais definida delimitação. E uma pessoa estabeleceria tal segurança cercando-se e contentando-se num segmento escolhido do mundo, fruto de reflexão ou experiência , num ambiente de familiaridade e significação, em que um imediato uso de si mesma se tornasse necessário e possível. Mas como poderíamos desejar isso? A nossa segurança deve , de alguma maneira, tornar-se uma relação com o todo , com uma plenitude; ser seguro significa para nós tornar-se consciente da injustiça e admitir a realidade do fenómeno do sofrimento; significa rejeitar nomes para reverenciar por trás deles as criações e as conexões únicas do destino, como convidados; significa permanecer imperturbável em relação ao alimento e à privação, até ao fundo da esfera espiritual, tal como com relação ao pão e à pedra; significa não suspeitar de nada, não expulsar nada, não considerar nada para o outro; Significa viver, para além de todo o conceito de propriedade, em apropriações ( não proprietárias, mas alegóricas ). E, por fim, embora isto não se aplique ao âmbito burguês, fazer-se entender a respeito desta segurança ousada: ela é, afinal, o último ponto em comum, da fundação das nossas ascensões e declínios. Conceber a insegurança nos maiores termos - numa insegurança infinita, a segurança também se torna infinita..."
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" Realmente há uma diferença entre a arte como um modo de viver ou apenas como uma ocupação. A primeira é, no entanto, tão imensa, tão lenta e talvez alcançável só na velhice que não vejo razão alguma para se colocar entre as pessoas que usam esse estranho nome. Só os realmente grandes são artistas nesse estrito, mas exclusivamente verdadeiro sentido de que a arte se lhes tornou um modo de vida - todos os outros, todos nós, que apenas ainda nos ocupamos com a arte, deparamos uns com os outros no mesmo vasto caminho e saudamo-nos com a mesma silenciosa esperança e ansiamos pela mesma remota mestria..."
Rainer Maria Rilke In " Da Natureza, Da Arte e Da Linguagem " - Reedição -
As aguarelas são da autoria de Joseph Edmund Pedro, cujo nome artístico é: JOED, ( DeBary - Florida, USA), a quem mando um forte abraço extensivo à sua esposa, Karen.
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O " Bold " é da responsabilidade do autor do blog

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Parabéns

Mas que bela surpresa!

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Cavalgando as sílabas do silêncio

(Foto de Maria Augusta Aleixo)
Preciso do tempo para o meu tempo como se não tivesse ( houvesse ) tempo. Único espaço onde respiro e me sinto livre. Nem preciso de espelho para me ver o rosto que tenho e ser a respiração que respiro. Pode existir ruído, mas só o silêncio se ouve. Catedral de espaço ilimitado. Autenticidade cinzelada a sulco de lâmina no jade mais profundo e puro. Arco luminescente giza o discurso língua vibrante entre o céu e a terra, entre as águas e o fogo, entre a vida e a morte. No céu desta boca de lume me vejo e falo e me atasco leve e me voo semente na terra amada e sulco as águas bote por janelas de vagas onde assomo as corolas ronronantes do mistério. No centro desta boca ventre sou eterna criança não nascida com memórias sem palavras e receios de esquecimentos de um tempo ainda por nascer! Mas tudo decifro cavalgando as sílabas do silêncio que enche como almas velhas ondulantes o espaço sem tempo da catedral sem nomes, diluídos nos altares do amor pleno.
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" Os caminhos do silêncio"

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A ÁGUA NO MUNDO

Na minha infância, ia sempre, com o meu pai, todas as semanas, buscar água aos poços e às fontes, que havia nas aldeias do concelho da minha terra, em Mértola, no Alentejo. Quanto às águas do rio, o Guadiana, que banha Mértola, corriam limpas e eram transparentes. Os peixes, abundavam, e gostava de vê-los vencendo a força das cataratas em direcção à nascente, procurando os fundos de seixos ideais para a desova. Durante o inverno o rio galgava as encostas íngremes e formava cheias de cor acastanhada, espectaculares, e era assim que, de acordo com as leis da natureza, as águas fertilizavam os solos e, baixando depois, recuperavam os tons claros e leitosos, dando a sensação de rio com cara mais lavada. Quando eu era pequeno havia muita miséria e desequilíbrios sociais profundos, mas existia o equilíbrio e a aproximação entre os homens e a natureza. Não havia falta de água ! Hoje... As fontes ainda existem, mas contaminadas. As águas do Guadiana já não são as mesmas, têm sinais de poluição, e é habitual em certos períodos não ser recomendável comer-se o peixe mais popular e resistente, que é a "tainha", e que, na minha terra, se chama, "muge". Há muitas espécies de peixes que já não sobem o rio para a desova, com a frequência e a quantidade de antigamente, como é o caso do " sável". E por vezes surgem peixes mortos boiando à tona da água. A poluição é, como sabemos, fruto da ganância dos homens, que preferem o crescimento económico desenfreado ao desenvolvimento harmonioso da economia. As águas do rio já não galgam as encostas, já não existem as cheias que regulavam todos os anos a actividade do seu caudal e as águas são de uma cor esverdeada...
Com o êxodo rural e o crescimento das cidades as necessidades humanas cresceram e o egoísmo também. Hoje é sabido que os gastos em água são exorbitantes nos países desenvolvidos, mas a água é cada vez mais um bem escasso. Estudos recentes indiciam que a água será um problema social e político grave dentro de pouco tempo.

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Lembro-me de Exupéry que, nos seus livros, falando no deserto, enaltece o valor milagroso de uma laranja !...
Uma laranja no deserto, repartida, saboreada, sugada milimetricamente...
O valor da laranja para quem, com sede, sozinho, se encontra no deserto...
Isto faz-me pensar que, com a escassez da água, no deserto pobre material e espiritualmente falando do mundo próximo-futuro, uma gota de água é como a laranja disputada de Exupéry....
Bem pior!
Porque uma gota de água... como se parte, como se divide?
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Muito há a fazer para que a água não diminua e não se transforme numa gota...
Para isso há que despertar a consciência dos homens...
É o que se pretende neste dia.

Recebam a minha humilde contribuição para esse propósito.

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Eduardo Aleixo

sábado, 9 de outubro de 2010

Casa com orelhas grandes

Como gosto da minha casa
Pequena,
Com orelhas grandes,
Para escutar
A sinfonia
Do mar!...
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In " As palavras são de água "
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Foto minha

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Só nos sonhos vens

Só nos sonhos vens
tu que não vejo e com quem não falo
há tanto tempo
Surges de vez em quando nos sonhos que tenho
sempre calma e não sei se falamos
mas acho que sim
não sei
sei que és uma presença serena
sinto no sonho a perfeição
a harmonia
se falamos ou não
não sei
mas não me lembro de palavras
lembro sim de gestos
mas tudo suave
a encher o coração
que pelos vistos não dorme
será a alma?!
não sei
sei que assim devia ser no mundo chamado do real
sei que o mundo chamado do real é a nascente do sonho
mas também sei que é esta oposição que dá valor ao sonho
mas também penso
que as nossas almas se encontram
e já decidiram
- será?!
que é melhor assim
a gente encontrar-se no sonho
e acordarmos com a sensação doce e suave e feliz
de que mais vale o encontro nos sonhos
do que na vida
onde se nos encontrássemos
nenhuma palavra já nos traria a paz
porque já não sabemos usar as palavras.
Então
bem melhor será que nos encontremos nos sonhos...
Será que... se me leres... as palavras que digo se transformam em verdadeiras?
Isto é: será que também sentes que te encontras comigo nos sonhos?
Ah!!
Se me leres e nada sentires, o que escrevo é indubitavelmente delírio
ou expressão de desejos inconscientes!
Se sentires o que digo, ficas a saber que não vale a pena
trocar o mundo dos sonhos por qualquer encontro em qualquer local
do mundo onde habitamos.
E se nos encontrarmos, poucas palavras devemos proferir, apenas as
indispensáveis. Aliás, como disse, já nem sabemos usar as palavras!
Se nada sentires, deixa-me dizer que os encontros nesta vida
deveriam ser como aqueles que tenho contigo nos sonhos !
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" Os caminhos do silêncio "
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Foto Net