domingo, 27 de março de 2011

Há mais sonhos

Sempre que me curvo sobre o espelho da minha idade
revejo lá longe
como estrela luzindo
sobre as alegrias e as tristezas,
as derrotas e as vitórias
dos anos que passaram,
o rosto do tempo
em que era pequenino,
barco de manhã,
olhos cristalinos,
gotas de orvalho,
proa firme e remos vigorosos
sorrindo aos portos imaginariamente seguros...
Então, digo-lhe:
- Estamos ainda vivos!
Os teus sonhos ainda não se concretizaram,
mas não vamos desistir...
Ou então:
- Olha que nos enganámos nos sonhos,
ou eles nos enganaram!...
Ou alguém nos enganou!..
Mas não faz mal, sabes?!
Há mais sonhos!
Muitos sonhos!
Então...a criança sorri!
Como se fosse o primeiro dia do mundo...
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In, "Os caminhos do silêncio" ( em preparação )
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Foto Net

segunda-feira, 21 de março de 2011

Amanheço

Fome e sede de manhã.
Licor de sol.
Frescura de brisa nos caminhos da alma.
Talvez porque envelheço
e saturei as gorduras da noite,
quero ser erva.
Amanheço.
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Lx, Março 2011

quinta-feira, 17 de março de 2011

Camponês da poesia

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Arado das palavras
Na terra do mistério
Da vida e da morte
Da dor e d'alegria
Em cada dia
Sou camponês.
Da Poesia.
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Lx, Março 2011
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Foto Net

quarta-feira, 16 de março de 2011

Traços

Também as rochas têm traços
que o vento não apaga...
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Lx, Março 2910
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Foto Net

segunda-feira, 14 de março de 2011

As palavras que escrevi

Fui ver o eucalipto da minha infância
e já não vi
as palavras que escrevi
na pele do seu tronco!
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Lx, Março 2010
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Foto Net

quarta-feira, 9 de março de 2011

flor sem memória

Onde e quando o espaço sem espaço
e tempo onde as mágoas não existem,
cada um de nós pétala
da mesma flor
sem memória...
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" Os caminhos do silêncio "
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Lisboa, 9 de Março

terça-feira, 8 de março de 2011

Dia da Mulher

Poema de Herberto Helder - LUGAR
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As mulheres têm uma assombrada roseira
fria espalhada no ventre.
Uma quente roseira às vezes, uma planta
de treva.
Ela sobe dos pés e atravessa
a carne quebrada.
Nasce nos pés, ou da vulva, ou do ânus -
e mistura-se nas águas,
no sonho da cabeça.
As mulheres pensam como uma impensada roseira
que pensa rosas.
Pensam de espinho para espinho,
param de nó em nó.
As mulheres dão folhas, recebem
um orvalho inocente.
Depois sua boca abre-se.
Verão, outono, a onda dolorosa e ardente
das semanas,
passam por cima. As mulheres cantam
na sua alegria terrena.
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Que coisa verdadeira cantam?
Elas cantam.
São broncas e doces, mudam
de cor, anunciam a felicidade no meio da noite,
os dias brilhantes de desgraça.
Com lágrimas, sangue, antigas subtilezas
e uma suavidade amarga -
as mulheres tornam impura e magnífica
nossa límpida, estéril
vida masculina.
Porque as mulheres não pensam: abrem
rosas tenebrosas,
alagam a inteligência do poema
com o fogo podre de um sangue menstrual.
São altas essas roseiras de mulheres,
inclinadas como sinos, como violinos, dentro
do som.
Dentro da sua seiva de cinza brilhante.
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O pão de aveia, as maçãs no cesto,
o vinho frio,
ou a candeia sobre o silêncio.
Ou a minha tarefa sobre o tempo.
Ou o meu espírito sobre Deus.
Digo: minha vida é para as mulheres vazias,
as mulheres dos campos, os seres
fundamentais
que cantam de encontro aos sinistros
muros de Deus.
As mulheres de ofício cantante que a Deus mostram
a boca e o ânus
e a mão vermelha lavrada sobre o sexo.
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Espero que o amor enleve a minha melancolia.
E flores sazonadas estalem e apodreçam
docemente no ar.
E a suavidade e loucura parem em mim,
e depois a europa tenha cidades antigas
que ardam na treva sua inocência lenta
e sangrenta.
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Espero tirar de mim o mais veloz
apaixonamento e a inteligência mais pura.
- Porque as mulheres pensarão folhas e folhas
no campo.
Pensarão na noite molhada.
E no dia luzente cheio de raios.
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Vejo que a morte se inspira na carne
que a luz martela de leve.
Nessas mulheres debruçadas sobre a frescura
veemente da ilusão,
nelas - envoltas pela sua roseira em brasa -
vejo os meses que respiram.
Os meses fortes e pacientes.
Vejo os meses absorvidos pelos meses mais jovens.
Vejo meu pensamento morrendo na escarpada
treva das mulheres.
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E digo: elas cantam a minha vida.
Essas mulheres estranguladas por uma beleza
incomparável.
Cantam a alegria de tudo, minha
alegria
por dentro da grande dor masculina.
Essas mulheres tonam feliz e extensa
a morte da terra.
Elas cantam a eternidade.
Cantam o sangue de uma europa exaltada.
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( Lugar ) - HERBERTO HELDER - 1930
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Foto minha

quarta-feira, 2 de março de 2011

O significado das raízes

Só os cerros recortados contra o céu
Parecem os mesmos da minha infância!
Já as águas do rio, no vale, não são transparentes como eram.
Há peixes que desapareceram
E não sobem nas águas de Março.
Nos postigos fechados da vila antiga,
Alcandorada na encosta íngreme,
Assoma o rosto do silêncio.
O que vejo, mas não conheço,
São os filhos e netos da minha geração de amigos,
Alguns já mortos.
O que significa que o tempo foi correndo,
A poluição conspurcou as águas
E fui envelhecendo.
Hoje, sou um estrangeiro no cenário em que fui como actor
Um sonhador dinâmico,
Mas onde sinto que só as raízes das árvores escutam o meu canto!
Olho para elas com outros olhos
E compreendo melhor o significado das raízes!
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In " As palavras são de água "
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Foto minha