domingo, 31 de janeiro de 2010

Na construção das asas

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( Foto cegonhas Mértola, autoria do blogue )
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As palavras, em poetas como Rilke,
ascendem às estrelas,
ao diáfano sem nome,
ao perfume
dentro de nós
as palavras nos sa(n)gram como deuses
que somos
mãos de terra
com que semeamos
celebramos
o casamento com o céu.
No colo sublime da criação (poética)
se recebe o menino Deus Homem
que no tempo infinito
se vai elevando
na construção das asas...
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Eduardo Aleixo
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( Os caminhos do silêncio )

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Pequenos textos

( Concha da ilha de S.Tomé, apanhada na praia das "sete ondas"- foto blogue À Beira de Água )
As pedras
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Muitas vezes, ao passear à beira-mar, tenho deparado com magníficos exemplares do mundo mineral. Alguns tornam-se mesmo difíceis de classificar, de distinguir a que reino pertencem, se são inanimados ou seres vivos que, recentemente, encetaram um processo de petrificação. A contemplação das pedras remete-nos frequentemente para reflexões sobre os limites. Da vida, da morte, do tempo e do espaço.

Uma pedra encerra em si segredos que ultrapassam a avaliação humana da sua grandeza ou interesse. Por exemplo, qualquer pedra é uma montanha potencial. Na realidade, só não o é para os olhos distraídos, imperfeitos e unicamente preocupados com tudo avaliar à sua medida e imagem. Acredito que existem pedras tão complexas como uma montanha ou, talvez, muitíssimo mais especiais.
Na China, durante a dinastia Song, as pedras eram altamente apreciadas. Alguém que encontrasse um exemplar especialmente agradável ao olhar ou com significados mágicos podia, pura e simplesmente, assiná-lo com o seu nome e apresentá-lo como obra de arte. Acreditava-se que ninguém encontra certa pedra por acaso e eu também gosto de acreditar nisto. Ainda hoje deparamos, aqui e ali, com resquícios deste antigo culto. Tratava-se, bem entendido, de uma das épocas mais avançadas da civilização chinesa.
Em certas pedras estão desenhadas, pela mão da Natureza, figuras humanas, animais e paisagens. Se quisermos dar largas à imaginação, poderemos admitir que, em remotíssimos tempos, algum acidente incrustou esses traços na predisposta superfície da pedra. Muitas vezes encontrei pedras onde estão nitidamente gravados seres humanos. Eles aí permanecerão até aos finais dos tempos. Talvez ao sabor dos elementos que, gradualmente, a vão erodindo. Para depois se dissiparem em pequenos grãos que formarão montanhas.
Experimentem agora olhar uma pedra macerada pelos elementos e pelo tempo.Cada uma das suas fissuras, cada requebro, cada veia de minério dissemelhante da substância essencial que a constitui. Imaginem-se, então, muito pequenos, como se a pedra que seguram fosse, de facto, uma montanha. Olhem-na fixamente até entrar nela e nela serem um ser estranho e autónomo. Aí começa uma viagem inesquecível por mundos insuspeitos.
É uma viagem fascinante percorrer-lhe os vales, as grutas, desfiladeiros e caminhos secretos. Poucos se aventuraram a tão temerária expedição. Talvez seja um mundo do qual não vale a pena voltar. Um universo de inexcedível beleza. Nalgumas, hão-de encontrar os seres bizarros, que há muito viajam convosco, mas que permanecem amordaçados num local secreto que a ninguém, nem a vós próprios, tendes a veleidade de revelar. Noutras, a calma tranquila dos grandes espaços, as cidades que se adivinham ao longe, o bulício de gente ocupada a erguer civilizações.

Recentemente, aprendi com as pedras uma outra lição. Como normalmente faço ao passear à beira-mar, deixo os olhos correr pela areia e sou surpreendido pela beleza de alguns exemplares que as ondas depositaram na praia. Alguns são tão belos que imediatamente me despertam a ânsia de os possuir, de os aconchegar em minha casa, onde os posso contemplar à mercê dos meus caprichos. Erro fatal. Passado pouco tempo de os roubar ao mar, empalidece o seu brilho e torna-se-lhe baça a superfície. Tornam-se objectos vazios, sem interesse e sem poder. De nada me servem então. O melhor será devolvê-los ao mar, onde resplandecem em toda a sua magnífica beleza.
Foi com prazer infantil que as devolvi ao mar. Para, pouco depois, deixar de as ver, embaladas pelo vaivém contínuo das ondas. O melhor de tudo isto é pensar que, um dia, talvez um pedaço de mim chegue a uma praia distante, alguém me há-de colher, mirar e devolver ao mar, o peito jubilante de um pequeno prazer infantil.
- Carlos Morais José, in " A COLUNA DA SAUDADE " - Edição do Autor, Macau, 1993

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Alentejo

em carne viva

( Livro de José Manuel Silva ) -

CONTOS BREVES
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Cavalo de lançamento
Jacinto Afonso da Palma, Jacintinho para os ganhões e velhas criadas que o viram nascer e a quem dera pontapés nas canelas, era o morgado do Monte Branco.
O senhor seu pai bem quisera fazer dele doutor veterinário, mas nem os mestres vindos de Beja duas vezes por semana para o ensinarem em sua própria casa o haviam conseguido.
Um grande marau é que ele era !
Os amigos que, amiúde, convidava para as valentes caçadas que organizava nas coutadas do pai, deveras maravilhados ficavam com as habilidades dos galgos que treinara a correr atrás das lebres naquelas chadas e naqueles imensos restolhos.

( Foto do blogue À Beira de Água )

Jacintinho era também, sem dúvida, o melhor freguês do casino de Monte Gordo, onde esbanjava as herdades que o pai lhe deixara. Não raras vezes, era vê-lo, relaxado e bêbado que nem um cacho, a exigir a continência do porteiro impecavelmente trajado, e a atear lume aos cigarros que ia enrolando não com mortalhas "zig-zag" mas com notas de mil que sacava de dentro das botas caneleiras.

" Que leve o diab'alma", dizia.

Da apeiragem, das munilhas (1) e gorpelhas (2), e dos moios de trigo que lhe acarretavam os ceifeiros que, todos os anos, se arrimavam à portela do monte a pedir trabalho ou a falca, trazendo apenas consigo uma saca vazia de guano com dois tirantes e o corte da foice enrolado em trapos, mais os canudos e as dedeiras, não queria ele saber!

Muito menos, quase nada , se importava com as sopas de almece, as açordas cegas e a meia dúzia de figos e boletas com que ele e o pai sempre trataram os ganhões que do nascer ao pôr mourejavam naqueles córregos, ou nas barreiras esconsas do Vascão.

" Tem avondo"(3), disse, vá lá, uma vez,quando, a mando do pai, o sargento da Guarda chicoteava duas crianças que a uma das suas herdades tinham id0 buscar um feixe de lenha para se aquecerem e um taleigo de bolotas para matarem a fome.

Sim, porque, entendia o Palma velho, já bastava os bandos de pombos bravos para partilharem as bolotas com as varas de bácoros que nos montados se faziam valentes "sovões" (4).

Isaura era filha de um seareiro que fazia uma courela de terra delgada, que só lhe trazia codilhos, tal era a maquia que todos os anos tinha de pagar.

Jacinto não sabia ao certo quantos anos ela tinha. Rosto de criança e corpo, já espigado, de mulher, trajando de chita, ainda não teria treze anos.

Conhecido, como era, por cavalo de lançamento, que fazia inveja ao da Herdadinha, porque era useiro e vezeiro em fazer pouco das filhas de cada um, a quem chamava poldras novas, tratou, aleivoso, de fazer-lhe a corte.

Isaura, coitadinha, que, dizia a mãe, já começara a andar com as ventas cheias de esterco, " envaída" (5), ficou logo presa pelos beiços, e acabou por cair na esparrela num dia em que saíu por aqueles barrancos a apanhar saramagos para o burro que lavrava " de carramate" (6), mais um braçado de leitugas para o bácoro, ainda sem arganel, que esperavam matar por altura do Natal.

E só quando o seu rosto trigueiro, que dir-se-ia modelado a cinzel, começou a ficar com pano, é que Felisbela deu conta de que a filha estava enganada.

Isaura, num balho (7) de Entrudo, cantou:

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" Eu hei-de morrer em nova/ Que é para mais pena deixar... / Já que o meu bem não faz caso/ Ponha outra em meu lugar..." /

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Na manhã seguinte, na " arramada" (8), porque Jacintinho não fez caso dela, pôs um baraço ao pescoço, ainda a filha não tinha dois anos. E o pai, que jurou em público estraçalhar à navalhada o velhaco do Jacintinho, foi, no dia seguinte, ainda o sol não tinha nascido, quando estava prestes a abalar para o Pego Escuro, preso por duas praças da Guarda. -
(1) Aparelho colocado sobre o pescoço das bestas (2)Aparelho para carga colocado sobre o dorso das bestas (3) Basta! (4) Porcos gordos. (5) Seduzida (6) Lavrar só com uma besta (7) Baile (8) Cavalariça -

In "Alentejo,

em carne viva- Contos breves-"

de José Manuel Silva

domingo, 24 de janeiro de 2010

Amendoeiras em flor

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( Fotos tiradas em Mértola )
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As amendoeiras em flor: tudo o que nós
aqui podemos conseguir é reconhecer-
mo-nos integralmente na aparição ter-
restre.
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INFINITAMNTE vos contemplo em espanto, ó bem-
-aventuradas, e o vosso agir,
ao usardes o adorno de vertigem em sentido eterno.
Ah, quem soubesse florir: o nosso coração transporia
todos os fracos perigos e acharia paz no grande.
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Rainer Maria Rilke, in POEMAS II
- ( Ronda, Dez. de 1912 - Janeiro de 1913 ) -

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

CANÇÃO

Não te fies do tempo nem da eternidade,
que as nuvens me puxam pelos vestidos,
que os ventos me arrastam contra o meu desejo!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te vejo!
-
Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
ó lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amahã eu morro,
que amanhã morro e não te escuto!
-
Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anémona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo...
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te digo...
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Cecília Meireles,
In " Antologia Poética ",

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Parabéns

Fazes hoje anos, companheira, amiga, amante, mãe,
rocha, prado,
regaço, gruta, mãos,
porto, baía,
tantas palavras poderia acrescentar,
mas sei que preferes o silêncio,
o olhar sereno,
a postura calma,
foi assim que me cativaste,
e no teu colo apaziguei as minhas dores e as minhas inquietações,
calada, acho que sempre brilhaste,
e foste estrela segura e firme no firmamento
onde me recebeste
e hoje te canto
e te agradeço
e faço por merecer-te
o tanto que me tens dado
e tanto acompanhado
em tantos momentos solitários e difíceis.
É isso que te quero dizer
neste dia em que fazes anos,
meu amor.
-
Ealeixo

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

AS DORES

Fustigam o corpo.
Baralham o cérebro.
Abanam o espírito.
Questionam os caminhos da vida.
Fazem perguntas à alma!...
-
EAleixo, Janeiro de 2010

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

É manhã

Gosto da nudez das montanhas,
da sua placidez,
do cantar dos galos,
do pipilar das aves...
É manhã.
Há claridade em mim!
-
Ealeixo

sábado, 16 de janeiro de 2010

TAO

O homem nasce gentil e fraco;
torna-se insensível e rígido quando morre.
Todas as coisas, incluindo a erva e as folhas,
são delicadas e flexíveis em vida,
secas e frágeis na morte.
-
A rigidez é, assim, uma companheira da morte;
a flexibilidade é uma companheira da vida.
Um exército que não cede
será derrotado.
Uma árvore que não se vergue
quebrará sob o vento.
-
O severo e rígido será quebrado;
o suave e complacente prevalecerá.
-
Versículo 76
TAO, Te Ching Lao-Tzu

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Inquietações

O que temos em nós de assente, de verdadeiro,/ Quando passa uma rajada de vento,/ Um turbilhão de sentimento,/ Um vazio que assola todo o ser por inteiro? /
Pode ser que reste algo de permanente,/ De eterno presente / No sorriso, no olhar, / Ou não… /
A luz no olhar será a mesma? / O sorriso em criança será o mesmo que em velho? / A vontade? A esperança? A tristeza? / Todo o sentimento que passa? / Será passageiro? /
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Rita

Poemas Manuscritos - livro de Eduardo Graça

Eduardo Graça dedicou este seu livro a Jorge de Sena.
É um livro composto « por três conjuntos de poemas que foram manuscritos, a lápis, nas páginas de três livros de poesia lidos com paixão, sendo a sua publicação, em suporte de papel, uma homenagem a Jorge de Sena que é, desde sempre, a minha referência cimeira como poeta.» , lê-se na sua Nota Introdutória.
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Publico gostosamente alguns poemas do livro, agradecendo ao Eduardo Graça a amizade manifestada na oferta do mesmo.
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CIDADE VELHA
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A cidade velha imóvel ostenta
sua antiga grandeza arruinada
A revolução passou por aqui
e morreu jovem do povo separada
A cidade velha mostra seu ventre
de outros cobiçado e o heroi assassinado
se vende em moedas posters e canções
dedilhadas que suplicam liberdade
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ESTAS PRAIAS
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Estas praias e suas águas verdes
transparentes, areias de marfim,
perderam o povo que as não vê.
Estas praias e o mar que as beija
de águas tépidas, beleza sem fim,
foram vendidas, entendo porquê.
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(« ..., poemas, manuscritos a lápis, entre 23 e 27 de Julho de 2007, nas páginas do livro " Poesia III ", de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba. ....» )
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O ROSTO (II)
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" Sobre a poeira dos abraços
construo meu rosto "
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Na poeira vinda
de longe
o rosto se expõe
admirável arte
de encantar
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Construo meu rosto
a admirar
o teu rosto
sobre a poeira
dos abraços
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O ROSTO (III)
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Sinto-o como um frémito
a impossível arte
de apagar o teu rosto,
alimento o diálogo
de longe,
não o quero morto
-
Me constranjo como antes,
vejo
o lugar vazio silente,
o futuro
ausente,
não o quero morto
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Sinto desprezo por errar
sentimento
do que sinto,
não te digo
mas o teu rosto,
não o quero morto
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A TUA BOCA
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A tua boca são muitas bocas
desenhadas qual perfeito desejo
de beijar a tua boca de beijos
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A tua boca é a minha boca
toco-a ao olhar todas as bocas
e ao beijá-la a todas beijo
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( «... poemas manuscritos, a lápis, entre Novembro de 2007 e Março de 2008, nas páginas do livro " Toda a poesia ", de Ferreira Gullar.José Olímpio Editora. Epígrafes: Ferreira Gullar, em itálico.....»
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QUE MAIS DESEJAR DO MUNDO?
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Se os dentes cravo no fruto
E o sabor se entranha sinto
Do prazer os primórdios
E já é ficar a saber muito
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Se o corpo enterro no mar
E sinto o frio se entranhar nele
Já sei do prazer o suficiente
Para o mar desejar sempre
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Se o mar se espraia ardente
Nas areias finas que gerou
E me abraça assim quente
Que mais desejar do mundo?
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( Poema manuscrito a lápis, «pelas férias de Agosto de 2008, em Faro, nas páginas do livro " Arte Pobre ", de Casimiro de Brito», conterrâneo do autor, acrescento eu ).
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« O presente livro assume, como os dois que o antecederam,uma natureza marginal ( à margem do sistema editorial tradicional ), mantendo fidelidade a uma postura de rejeição a qualquer interferência de outrem», pode ler-se na Nota Introdutória. A única excepção, diz o autor, é para Isabel Espinheira que « amavelmente aceita acompanhar-me como autora gráfica ». Os meus parabéns aos dois. E um abraço de amizade.
(In "Poemas Manuscritos ", de Eduardo Graça. Desgn: Isabel Espinheira)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

SELO COMPARTILHAR

Recebi da amiga Lumenamena, do blogue http://amoralya.blogspot.com/, a quem agradeço a lembrança simpática.
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Ofereço o selo aos seguintes blogues:
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Este selo tem algumas regras:
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1. Copiar o selo para o teu blogue
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2 Deixar um comentário no blogue da pessoa amiga que te indicou
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3. Linkar o blogue amigo que te indicou
-
4. Enviar o selo para 5 blogues que tu aches que vão partilhar
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5. Deixar uma mensagem explicando o que é COMPARTILHAR
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COMPARTILHAR é dar-me aos outros com alegria, amor e esperança.
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EAleixo

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Poema

Tantas certezas!
Tantas palavras fáceis!
Mas tudo tão frágil
Quando chegam
Os tempos difíceis!
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Jan.2010. Ealeixo

sábado, 9 de janeiro de 2010

Convidado de Janeiro: Jorge de Sena

1. Diáfana
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No que existe e não existe,
no que é alegre e é triste,
em tudo aquilo que passa
há um perfume de graça...
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E haverá na realidade
essa vaga idealidade?
Ou somos nós que a sentimos
e, por não vermos, a vimos?
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Que importa que não exista,
que nos engane ou não a vista?
Ou que exista e seja assim?
-
Se lhe basta irradiar
para nos fazer sonhar
outro fim além do fim!...
26/5/1938
Caderno preto, pág.4
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2. Véu interior
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É bem certo
que temos
ante os olhos d'alma
um véu
de cor
que muda com o nosso estado.
Ora coberto,
ora azul de céu,
ora atormentado,
ora todo calma,
nós vemos
o mundo
através dele
conforme é sublime amor,
ódio profundo,
enorme desalento,
melancólica tristeza
envolvendo a nossa natureza
o que temos
cá no fundo
do alento.
Como desejaria conhecer
o segredo
de o fixar
num só tom
claro e luminoso,
simples e gracioso
para sem medo
olhar
através dele
e ver
o mundo sossegado,
tranquilo,
inefavelmente dourado
e poder
gostar
de tudo aquilo
que ele encerra
- seja sonho enganador
vertigem que erra...
seja o que for!
31/5 e 1/6/1938
Obras - Volume 2, págs 56-57
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3. Imortalidade
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O meu tempo começou quando nasci
mas não há-de acabar quando eu morrer.
Eu não sei terminar nada,
gosto de não saber
e tudo fica assim, no ar, indefinido...
-
A minha morte talvez seja incompleta.
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Morrer é ocupar no espaço
uma posição que não depende da vontade.
Mas quem a ocupa é o corpo.
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O corpo deixa então
de existir no tempo.
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Só o espaço ficará connosco?
Que direitos tem o espaço a mais do tempo?
Do nós que na verdade somos
não haverá um resto acorrentado ao tempo?
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Se o espaço sem tempo não é vida,
talvez o tempo sem espaço o possa ser.
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E eu fique assim
vivendo sem matéria...
-
E o meu tempo,
sendo então eu mesmo,
não há-de acabar quando eu morrer.
25/9/1938
Obras - Vol. 7º, págs. 5-6
-
Jorge de Sena
POST-SCRIPTUM II - 1º VOLUME

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Antes da invenção das palavras!

Entrega-me o teu corpo de mistério luminoso
Que desvendo como peregrino
Nos caminhos solitários do mundo!
Com minhas mãos cheias de estrelas floridas de amor,
Que a todos reune
No Templo dos deuses sem nome,
Te amo,
E não firo convenções - que não tenho -:
Sou poeta, camponês, citadino, viajante, marinheiro,
Míscaro,
Nascido do espérmen das estrelas.
Semente do céu,
Filho da Terra,
Escola sem livros,
Criança com o poder do Amor,
Dança livre de rosmano festivo,
Cobrindo os corpos juntos,
Sinfonia harmoniosa dos gestos,
As mãos entrelaçadas
No tempo sem tempo,
Antes da invenção das palavras!...
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Eduardo Aleixo
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" Os caminhos do silêncio "
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Foto da Paula Raposo, a quem agradeço ( http://porumaobjectiva.blogspot.com/ )

sábado, 2 de janeiro de 2010

Sede de palavras com sede...

Sede de palavras com sede
De água fresca e pura
Manhã
De luz tão luminosa como a Luz,
Deixa-me entreabrir no Sonho das Cortinas
As cortinas do meu Sonho:
( ai as saudades das coisas que nunca vi! ),
Deixa-me sorrir para a Nascente do Sorriso,
Deixa-me ser o Ser para que nasci...
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Eduardo Aleixo
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Lx, 27/7/2oo9