quinta-feira, 29 de maio de 2008

Viagem de espelhos

Somos espelhos uns dos outros quando vemos - desde que estejamos com atenção - as imagens que reflectimos , a luz que irradiamos e também a que recebemos, o modo como nos vamos reciprocamente "tocando" e influenciando, no processo dinâmico dos nossos relacionamentos.
Por isso se costuma dizer que o nosso crescimento, a nossa evolução, depende da nossa dádiva, do nosso encontro aberto, sem preconceitos, sem medos, com os outros, neste caminho que fazemos no mundo, em conjunto, conscientes da nossa limitada, mas sublime humanidade, e também das nossas espantosas e ilimitadas riquezas: é isto o ser humano, é assim que o vejo, um maravilhoso milagre sobre a terra.
Sendo esta viagem que fazemos um destino comum, cada pessoa tem, no entanto, o seu percurso próprio, a sua solidão inevitável, cabendo a cada um encontrar o seu rosto verdadeiro, a sua verdadeira identidade, aquela que se esconde para além da pessoa, "persona", "máscara" , para que possa realmente crescer e encontrar-se। E quando crescemos é que estamos em condições de naturalmente aceitarmos o diferente que o outro é. E de nos mostrarmos verdadeiramente como somos. Só nesta fase é que já não nos importamos com o que os outros possam pensar de nós. Só quando amadurecemos é que podemos dar o devido valor à vida.
Podemos considerar que este crescimento é fruto de um complexo processo alquímico que é a nossa vida. Nesta viagem de espelhos , que é feito de tempo, de caminhos, de becos, de partidas, de ausências, de regressos, de reconciliações, de tudo um pouco que a vida nos trouxe de surpresas, de alegrias e tristezas, ficaram imagens que são um espelho da realidade do passado que morreu e que nada significam face ao presente ,a não ser que são imagens de um tempo que já morreu. É que nós passámos. Nós é que passamos. O tempo...esse, eterno, não passa, porque não existe. E nós, passando, só uma coisa temos de permanente, uma única coisa que a alquimia das transformações não tocou, não pode tocar, e que se chama o nosso rosto. Que esteve sempre connosco. Que esperou sempre pelo nosso regresso. Sabe Deus com que tristeza! Com que tristeza ficou a "nossa criança" , que abandonámos por questões de educação, "domesticação, vestimenta de máscaras" ...À espera.
Com uma voz imperecível, ficou. Essa voz não muda. Nela podemos reconhecer sempre a alma de alguém. Aquele que é. Que já era. Agora mais forte. Isto é: mais compassivo. Mais amigo. Mais sábio. E, no entanto... só agora começa o verdadeiro crescimento. Mais cedo para uns. Mais tarde para outros. ..
É o que penso.
Eduardo Aleixo

quarta-feira, 28 de maio de 2008

O rosto do vento

Gosto da calma das noites
Após a guerra dos dias
Mas sinto sempre a grande solidão do mundo
Estampada no rosto do vento
Que conhece os segredos
De todos os caminhos...
Eduardo Aleixo

O deserto e o silêncio

O deserto e o silêncio
São ovos
São seios
São ventres
Cheios
De vozes
De sonhos
De pensamentos
De lamentos
De caminhos
De sentimentos
De mensagens.
Aí é que as almas se encontram
E comunicam
Debaixo das estrelas.
O vento é que se encarrega
De dar as notícias
Deste amor imenso
Universal
Intenso
Que toca os corações atentos...
Eduardo Aleixo

Douro internacional

São 2 horas nas águas do Douro a partir de Miranda do Douro. Ao longo do percurso se percebe melhor a exigência por parte dos organizadores, mal nos sentamos no barco, de haver silêncio: uma questão de respeito pela Natureza, onde as cegonhas negras, as águias reais, os abutres do Egipto, os falcões peregrinos, os bufos reais - algumas destas espécies em vias de extinção - e toda a variedade de pássaros estão habituados ao silêncio. Escarpas de granito. Com árvores velhíssimas, como azinheiras, milagrosamente despontando através das gretas nas arribas de pedras cinzentas. Cheiro agradável a flores silvestres. Nem sempre é possível ver as cegonhas negras. Nós vimos. Tivemos sorte. Quase impossível é topar com as lontras, que raramente se vislumbram. Tomo consciência de como a civilização que construimos está tão longe e tão divorciada deste cenário sumptuoso de silêncio e de serenidade, destes aromas fortes que brotam das margens selvagens, deste ar tão puro que sentimos fluir leve por dentro do nosso corpo. Parece inacreditável como tão poucas vezes temos a oportunidade de voltar a estes lugares que ainda existem. É incrível como permitimos e nos habituámos a viver separados e esquecidos destes paraísos na terra...

A que urge, no entanto, sem deixarmos de ser civilizados, voltar...

Eduardo Aleixo

terça-feira, 27 de maio de 2008

José Gomes Ferreira

Perguntaram-me se a crítica alguma vez me orientou. Respondi: -Até hoje creio que cumpri apenas o dever de todos os artistas verdadeiros: desorientei-a... ( José Gomes Ferreira, em " Imitação dos Dias ") Nota: gosto muito da terna ironia deste escritor. Na página inicial do livro, de que retirei este texto, releio o que escrevi, à laia de recordação, com a data de Junho de 1968: " Feira do Livro. José Gomes Ferreira ouvindo, ar docemente irónico, humildemente alheio ao que um senhor gaguejante dizia sobre ele. Tive vontade de perguntar-lhe se não estava cheteado daquilo..." Era assim, com aquele ar aparentemente ausente, que ele via o mundo, penetrantemente, das estrelas ao pó dos caminhos, ... Não achas, Zé Gomes? Eduardo Aleixo

Lembrando Mário Viegas

Contigo a poesia passou a ser " dita". Antes de ti, era " declamada ", por João Vilaret, e ao seu estilo. A tua intenção foi aproximar a poesia das pessoas, libertando-a da pose e da liturgia. Foi dizer que a poesia era coisa simples, como a vida, feita e dita simplesmente , com palavras simples, as mesmas que as pessoas usavam no seu dia-a-dia. O teu propósito foi afastar a poesia do espírito dos salões, onde vivia afastada, num cenário de " belle- époque", de plateia passiva e às vezes palaciana, pretensamente elitista, onde se pagava para ver e ouvir uma coisa que estava " no outro lado", e que era do mundo "estranho" dos poetas... Lembro-te, amigo, não só como divulgador de poesia, mas também como actor de enorme talento. A tua mímica era portentosa. Os teus olhos eram dois faróis enormes. As tuas mãos e o teu corpo falavam com uma expressividade clara e poderosa. A tua voz era aquilo que querias que ela fosse, mas sempre limpa, forte e bem colocada: umas vezes irónica, outras vezes doce, outras vezes de escárnio, outras, patética. Eras autêntico, no palco da vida.Isto é, no palco da vida agias naturalmente como actor. Respiravas nele como se fosses o próprio ar que respiravas. Dou comigo a lembrar-me de ti ...naquele mês de Março de 1974... Estávamos no Quartel . De prevenção rigorosa. Tinha " soado " que um " golpe " estava em preparação! Mas que era proveniente das Caldas da Rainha!. O capitão do quartel nada sabia. Ou nada nos queria dizer. Estávamos preocupados. Tu. O Vítor Ramalho. O Eduardo Graça. O Valter Guerreiro. Perguntávamos: que vamos dizer aos soldados se tivermos de sair e juntarmo-nos aos militares que vêm das Caldas sem sabermos se são do MFA ou das forças contra-revolucionárias?. Tínhamos de tonar uma decisão. Não estávamos dispostos a alinhar com forças que não fossem as do Movimento das Forças Armadas. Foram momentos difíceis. Acabámos por saber que o golpe tinha fracassado, através das notícias da BBC... Naquela noite, já cansados de tantos dias de isolamento, em prevenção rigorosa, o teu talento, a tua criatividade, foram um escape e um bálsamo. Saltaste para cima da mesa redonda do bar. De boina pendente sobre a testa, puseste-te a dançar languidamente, girando o corpo, os braços abertos, a língua de fora, os olhos esbugalhados... Eras um boneco desarticulado. .. Até que o capitão, o comandante, ... surgiu, imponente, a cabeça grande, o pescoço grosso como um tronco de carvalho, os olhos inexpressivos, redondos, em frente de nós todos, que aplaudíamos a tua belíssima representação. Olhou, perplexo, para ti e para nós. Para nós e para ti. Estava pálido. A boca seca. Que iria ele dizer? Ou fazer? Mas tu não lhe deste tempo para ripostar. Puseste-te, num salto rápido, de pé, sobre a mesa , na posição de sentido e anunciaste, voz solene, grave e contida: - Aí vem ela, a Revolução, meu capitão... Noite louca!... Quando ele, o capitão, não se lembrou de qualquer resposta, que estivesse prevista para uma situação destas, no RDM - Regulamento e Disciplina Militar - saiu bruscamente do bar, como se tivesse visto um fantasma, sentimos que mais do que espectadores, estávamos a ser figurantes de uma peça de teatro verdadeira, daquelas que marcam a História de um país, de um povo e de uma geração, a nossa ... Mário Viegas, como foi possível teres chegado a oficial do exército e nunca teres aprendido as coisas elementares para conduzires um pelotão de soldados, tu, que eras responsável por 40 homens? Como era possível?! Claro que foi possível. Com a nossa ajuda - diga-se em abono da verdade - , mas também com o teu talento, que teve a sorte de encontrar o " teatro de operações " - usando a linguagem militar - num estado de profunda e favorável decadência... Eduardo Aleixo

segunda-feira, 26 de maio de 2008

( De S. Tomé e Príncipe ) Por aqui, muitos desejam ir para a Europa, estudar, trabalhar ou simplesmente visitar os familiares. Conheço pessoas que já tentaram várias vezes obter um visto, sem sucesso, jovens com bolsas de estudo para estudar, outros que vêem Portugal como um escape da pobreza, mas que não conseguem sair pois o visto é sempre recusado. Vejo-os como numa pequena prisão - linda - mas uma prisão. Quando personalizamos os casos que vamos conhecendo e estes deixam de ser meros números, as coisas mudam de figura... Lá (ou seja, aí) podemos ser e fazer tudo o que quisermos ou nos esforçarmos para ser, ter e fazer. Aqui, bem, mesmo com muito esforço, os limites para a acção são brutais. As pessoas podem não passar fome, mas as necessidades mais básicas são o esforço diário da maioria da população. Tenho pena de algumas pessoas, a quem é negada a possibilidade de estudar lá fora, pois tenho a certeza de que conseguiriam chegar muito além do que este país lhes pode oferecer. Não que sejam mais felizes - não é essa a questão. Beijos de África para a Europa :)

SEM ABRIGO

Cai a chuva na incerteza do dia
Tempo imenso de fantasmas irreais
Mas que contam
E dizem
O itinerário de uma vida...
O tempo, é como um sonho recordado.
O presente, é um palhaço que ri por distracção.
A chuva, cai na cidade sem expressão.
E um homem sem abrigo soletra coisas simples
Como mulher,
Mãe,
Casa,
Pão,
Flor,
Beijo,
Amor,
Mão...
E, ao fazê-lo...
O que deseja, é só
O equilíbrio
Com o sonho da esperança.
O que quer é, no seu corpo,
A certeza de um futuro
Sem braços
De naufrágio...
Eduardo Aleixo

sábado, 24 de maio de 2008

Eugénio de Andrade

Carícias na cintura
Deixa a mão
Caminhar
Perder o alento
Até onde se não respira.
Deixa a mão
Errar
Sobre a cintura
Apenas conivente
Com o nácar da língua.
Só um grito desde o chão
Pode fulminá-la.
A morte
Não é um segredo
Não é em nós jardim de areia.
Eugénio de Andrade
( In " Vêspera da Água " )

sexta-feira, 23 de maio de 2008

A respiração das pedras

Há o momento
De rasgão aberto
Na saia do tempo
Em que disponíveis
Sem o sabermos
Sentimos a respiração das pedras
E as carícias do vento... São as musas?! Eu diria:
Não sei o que aconteceu! Só sei que as velhas palavras
Cantam de um modo diferente
Que é como se dissessem
Coisas novas...
Eduardo Aleixo

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Constrói a paz

Constrói a paz
Pra que tenham sentido
As flores
E se diga
Aos que nascem
A razão das dores.
Eduardo Aleixo

O socialismo moderno

Já em fins de 2006, Nuno Rogeiro dava a seguinte explicação para o elevado nível de popularidade do governo Sócrates a despeito da crispação social que as sua políticas de confrontação tinham criado: « Por que é que o governo, assolado pela contestação social, se mantém alto nas sondagens?! Estão estas manipuladas, ou o que se encontra no poder é, para além do PS, parte do PSD e do CDS/PP..., desejosos das mesmas medidas e reformas, ou mais?». ( in Revista Sábado ). Creio que a sua análise estava e continua a estar correcta. A mesma ideia subjacente, a da ocupação do espaço da Direita pelo PS, pode encontrar-se no editorial de José António Saraiva, em " O Sol ", de 1 de Dezembro daquele ano, com o título: " A Esquerda ainda existe? ". Outro artigo, muito interessante, da autoria de Henrique Monteiro, publicado num " Expresso" do mesmo mês, avança, à laia de tese, com a ideia de que a crise não é da Direita, mas sim da Esquerda, e isto pela razão simples de que a Esquerda está a governar com ideias e práticas de Direita, perguntando-se com que ideias ficará a Esquerda um dia mais tarde, quando estiver na Oposição!... Passado mais de um ano continuo a achar estas abordagens não só interessantes, mas também como um rastreio de toda a situação artificial, em termos ideológicos, a que se chegou 30 anos depois do 25 dse Abril. A verdade é que... para o PS... as ideias não contam há já muito tempo... O processo de desonestidade intelectual - chamemos-lhe assim - começou há muito. Começou com o encerramento do " socialismo na gaveta " e a exibição do " socialismo democrático", uma maneira eufemística de se diferenciar da social-democracia do PSD. Claro que a desonestidade não foi o " camarada" Mário ter posto o socialismo na gaveta. Não. Foi não ter dito a verdade: isto vai para a gaveta, porque é coisa que já não há. Ao que devia ter acrescentado: e esta expressão de socialismo democrático, vocês entendem, é uma maneira de " soarmos" diferentes do PSD... ( Claro que isto só poderia acontecer se houvese verdade na Política!...)... Agora, e para encurtar a prosa e as razões, estamos perante a última desonestidade: não se trata de crise da esquerda, não senhor. Não se trata de governar à direita, não senhor. Não se trata de uma política liberal, podia lá ser!...: então andámos todos estes anos a estigmatizar os liberais de "reaças" e fascistas, e agora... Não, do que se trata, " camaradas", é de uma nova teoria, difícil de explicar, complexa,ainda não sistematizada, difícil de sistematizar, cuja sistematização ao nível da ciência política vai levar algum tempo, talvez algumas décadas...Não, não é a Terceira Via do Blair e do Clinton!..., claro que não podia ser, porque ele, Blair, como sabem, concordou com a invasão do Iraque...Talvez seja uma quarta via, enfim, é uma abordagem nova, " camaradas", que se pode chamar de ...Socialismo Moderno... Eduardo Aleixo

terça-feira, 20 de maio de 2008

Sê bem vinda ao teu blogue

Sê bem vinda. Ao teu blogue. Ao nosso blogue. És de uma nova geração. As novas gerações têm uma nova visão do mundo. Este blogue gosta de ar fresco. De águas limpas. Novas. Em movimento. És minha filha, sim, mas para efeitos de blogue, o que importa é que gostas de escrever, escreves bem, tens uma alma própria, que é a tua; não é importante que possamos discordar, é até saudável; fico feliz por ver-te participar; podes trazer mais amigos, se desejares; traz outro amigo também, como dizia o Zeca Afonso, de que tu e os da tua geração felizmente gostam... Em suma: neste blogue há as águas do pensamento que correm, há a liberdade de sermos, a liberdade de pensar e de sentir e de expressar tudo isso: esta é a grande herança, a grande riqueza, por que se bateram, e muitos morreram ( e muitos hoje ainda morrem) , durante gerações, homens e mulheres... Não tenho dúvidas de que a tua colaboração vem enriquecer muito este espaço. Brindemos a isso, meu amor... Eduardo Aleixo

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Novas de São Tomé

Olá olá! aqui vai a minha primeira contribuição para o blog do meu pai, que está muito bonito (com alma!). Daqui de São Tomé vou entrar para partilhar das experiências e emoções intensas que se vivem, quando vimos de lugares e culturas tão diferentes... num lugar onde a falta de água e energia é uma constante, ou seja dia sim, dia sim, tudo o resto se torna um pouco secundário. num lugar onde ir ao supermercado é um pivilégio dos brancos e ricos, onde um simples produto pode custar mais do que o salário de uma pessoa, o consumismo deixa de ser um prazer, para ser uma vergonha. num país onde andar de carro é como andar de limusine, pois todos andam horas pelas estradas a pé para ir para a escola, trabalho, lavar a roupa ao rio ou apanhar lenha, deixa qualquer um a pensar. É isto, e tanto mais, que é dificil passar para as palavras o que sentimos quando chocamos realmente com a pobreza e falta de recursos. e mesmo assim, penso que é um privilégio podermos chocar com ela para repensarmos a nossa maneira de viver e a forma como lidamos com os nossos pequenos problemas diários. Porque chegar a casa e acender a luz, ter um frigorífico ligado, TV, maquina de lavar e água na torneira não é normal nestes países. e para nós, é um bem adquirido! É bom reflectirmos nisto, na abundância de poucos e na pobreza de muitos. Beijos e saudades! Rita

Em memória de Charlot

POEMA

Quando sorria

Não sorria

Feria...

Quando dançava

O seu corpo

Estrebuchava...

Quando falava

Sonhava

Não parava de sonhar...

O sorriso de Charlot

Era uma faca

Era uma farsa

Era sem definição

Talvez rosa de piedade

Como uma criança

Sem ódio

A dizer Não...

Quando dançava

O corpo dele

Crescia

Crescia

Renascia

Não cabia

No smoking da convenção

E fugia

Fugia

Para o país da ganga simples

Onde tinha o coração...

Eduardo Aleixo

domingo, 18 de maio de 2008

Le cirque du soleil

Como posso ficar calado depois de ver este espectáculo maravilhoso, com o nome de Quidam? Quidam, pode ler-se num folheto distribuído pelo Cirque du Soleil, « ...é a história do " eu" dentro de todos nós, que grita, canta e sonha». Direi algumas palavras apenas: Infância e Amor. Cenários com figuras, gestos e movimentos de sonho. Magia. O mundo do trapésio, das alturas, dos acrobatas, a beleza dos corpos, da música, do som, das imagens, do "suspense", do risco, da vitória da criatividade e da fantasia sobre a rotina, o desumano anonimato, a uniformidade cinzenta, as convenções inúteis e a morte. Balões. Fitas coloridas, ondulantes, de pano. Bicicletas. Argolas dançando em volta dos corpos esguios. Os jogos dos " saltos à corda " que joguei na infância com as raparigas da escola e da minha rua. As bolas deslisando magicamente dos ombros, rolando ao longo dos braços até às mãos e depois voando para o chapéu aberto pousado ao contrário sobre a cabeça do artista . Os palhaços... - A feira não presta se não vier o circo - era assim que dizíamos, tristes e preocupados, quando éramos crianças, nas vêsperas da feira de Agosto, quando já tinha vindo o carroucel, mas o circo, não... Mas no dia seguinte, assim que deparávamos com o circo a ser "armado" no largo térreo da feira, voltava a alegria: chegaram os palhaços... Fiz uma viagem até à infância ao ver este fascinante espectáculo levado a cabo por um circo moderno, de excelência. Com artistas de um talento enorme. Com trapesistas que me fizeram silenciar o coração. Com palhaços que fizeram brotar do meu peito risadas sem fim. Mas, no fundo, sempre o mesmo circo. Onde o sol brilhou. Intenso. Em Lisboa. No Grand Chapiteau. No passeio marítimo de Algés. Inesquecível. Eduardo Aleixo

sábado, 17 de maio de 2008

Manuel Bandeira

IRENE NO CÉU Irene preta

Irene boa

Irene sempre de bom humor. Imagino Irene entrando no céu: - Licença, meu branco! E S. Pedro, bonachão: - Entra, Irene. Você não precisa pedir licença. MADRIGAL TÃO ENGRAÇADINHO Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje na minha vida Inclusivé o porquinho-da-índia que me deram quando eu tinha seis anos. Manuel Bandeira

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Mistério

POEMA
Sei que posso entrar por aquela porta
Sei que posso abrir aquela janela...
Haverá códigos
Transmitidos pelo coração
Música dedilhada
Pelos seres
Nos encontros
Sem tempo
E sem palavras
Que desce
Das estrelas
E que alerta
O que em nós
Se chama
Alma?
Eduardo Aleixo

Postal ilustrado para S. Tomé e Príncipe

Olá, Rita।
Obrigado pelas lindas fotos que nos mandaste de S.Tomé.
Tantas saudades tuas...
Mas o principal é sabermos que estás bem.
Embora com imenso trabalho, fazes aquilo de que gostas, de que sempre gostaste: seres útil aos outros, contribuindo, neste caso através de uma ONG, para o desenvolvimento humano e social dos menos favorecidos.
Tu sabes que, infelizmente, a maioria das pessoas não exerce uma profissão, ou actividade, que estejam em harmonia com as suas características pessoais. Não é o teu caso. Por isso tens motivos para te sentires contente a despeito dos inúmeros obstáculos e falta de condições materiais que são apanágio das terras pobres como é aquela onde te encontras. Nós também estamos felizes por te saber contente, embora longe. Mas, repito: o essencial é viveres de acordo com o que sentes ser a tua missão neste mundo.
S. Tomé e Príncipe - já nos tinham dito - é lindo. As tuas fotos confirmam-no. A paisagem fez-nos recordar o verde de Goa e da Malásia, naquela viagem que fizemos desde Singapura, atravessando os coqueirais, até Malaca...
Em Junho iremos ver-te. E também a esses estranhos caranguejos que se passeiam pelas areias das praias! E a essas belas árvores ( coqueiros, bananeiras, mangueiras... ). E a essas lindas crianças, com olhos redondos e brilhantes. E a esse povo que dizes ser tão amigo dos portugueses.
Obrigado pelas conchas. Confesso que nunca tinha visto conchas tão finas e tão delicadas.
Vai ser bom rever-te.
Queres que te leve o livro de Haruki Murakami, " A rapariga que inventou um sonho? ". Eu já o li. É um livro de contos. Mas, como os outros livros do autor, imaginativo e mágico. Uma maravilha. Beijos.
Eduardo Aleixo

quinta-feira, 15 de maio de 2008

A vida e o sonho

POEMA
A vida é um sonho acordado?
Não sei.
Sei que só acordado
Vivo o sonho da vida.
Eduardo Aleixo

terça-feira, 13 de maio de 2008

Eternamente sábios

POEMA

Há homens e mulheres que bebem a eternidade dos momentos

Têm os olhos abertos E atentos Vivem encantados Sorriem E choram Com a mesma facilidade. Eternamente crianças, São os únicos adultos sábios. Eduardo Aleixo

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Ser livre

POEMA

Ser livre

É ficar deslumbrado com o teu sorriso

E não o molestar

É deixá-lo voar como a um pássaro

E vê-lo partir

Com mágoa de sabê-lo na viagem

Que é a tua

Alegre

No mundo onde beijei a tua boca

Eduardo Aleixo

domingo, 11 de maio de 2008

Luminosas pombas

POEMA
Quero as palavras certas e calmas
Que não enganem.
Ou então...o rio tumultuoso das palavras
Que vão ao encontro das estrelas.
Soberbas palavras.
Luminosas pombas.
Que farão vergar as espadas do ódio.
Eduardo Aleixo

sábado, 10 de maio de 2008

AMIZADE

Agradeço a Deus ter amigos verdadeiros. Há dias felizes. Como aquele que passámos - minha mulher e eu - juntos de um casal amigo, de Macau. Uma vez por ano temos a alegria de estarmos juntos. Como acontece desde há alguns anos, eles vão em serviço a África e depois passam por aqui. É um regalo ouvi-los falar sobre aquele continente, que só conheço por ouvir falar, e que por ouvir falar tanto aprendi a amar.
Assim, conheço África pela boca dos que lá estiveram. Conheço nuitos. Encontrei-os em Macau para onde foram, após o regresso a Portugal , onde não se adaptaram. Todos eles falam de África com amor. Melhor, com paixão. Com uma paixão que mais de 30 anos não desalojaram dos seus corações.
Têm saudades dos grandes horizontes, da atmosfera cálida, das águas quentes do mar, da quantidade infinita de peixes que com toda a facilidade do mundo se deixavam apanhar, quase que sem isco, da cor violenta e forte do pôr do sol sobre a terra castanha escura, têm saudades dos cheiros, da vida livre que levavam, das festas que tinham, das vestes leves que usavam...
Nas noites quentes e húmidas, nas esplanadas sentados, à beira do rio das Pérolas, em Macau, ou na ilha de Coloane, eu gostava de os ouvir e, como alentejano que sou, conhecedor dos poentes vermelhos que há na planície e também da aridez da paisagem e das noites em que o céu é um manto claríssimo de estrelas, senti que isso era suficiente para entendê-los, mas não, não era o bastante! ...
Porque, como em tudo na vida, é indispensável ter vivido as situações. Seria preciso ter cheirado aqueles cheiros. Ter olhado para aqueles poentes. Ter andado por aquelas "picadas" .Ter sentido o que eles tinham sentido...
Conheci muitos portugueses na Ásia... com a África nos olhos e no coração...
Conheci por essas terras... o que significa a Diáspora, coisa difícil de descrever.
Só longe, afinal, é que se pode dar o valor ao que se deixou. Só longe é que se pode ter consciência do que ficou longe e está verdadeiramente perto, seja a amada, a Pátria, a família, o amigo, ou o que quiserem.
Do mesmo modo, só quando regressamos é que olhamos, pela primeira vez, para a beleza de Lisboa, para a sua luz, para as suas casas, para as suas ruas, para os seus telhados, para as suas mulheres...
Eduardo Aleixo

sexta-feira, 9 de maio de 2008

NOTAS

Alguns poemas e textos que vão ler já foram "postados"antes, em outro blogue. Só que nesse outro blogue - a minha primeira experiência na blogosfera - eu era um mero colaborador. Neste, não. Assim, considero que ao "postar" os meus trabalhos no actual blogue, eles passam a pertencer a uma casa que é a deles. Complementando o que escrevi no primeiro texto do " À beira de Àgua ", desejo que saibam que a minha pretensão é apenas continuar a ser aquele que sempre fui - o que escreveu e disse e falou, ao longo de muitos anos, aos poucos amigos, mas bons, que sempre tive, e tenho, os meus sentimentos e sonhos - apenas com a diferença de que o suporte agora é digital, existe a experiência da vida e escrevo para a blogosfera. Tenho uma consolação - que sempre foi uma garantia, aliás -: a de que haverá sempre no mundo, tão vasto , um coração que vibre com a mesma intensidade do que o meu. Quanto a0 pensamento e às opiniões : as vossas serão sempre bem vindas. Estejam à vontade para me comentar, embora não goste da palavra. Digam, no entanto, o que quiserem. Com o respeito,claro,que todos nos devemos uns aos outros. Podem crer que sou um peixe que vive perfeitamente em contacto com a infinita diversidade dos peixes. Sempre assim fui. Adoro a diversidade. Respiro, no entanto, mais com a diversidade dos peixes, do que com a doença das águas. Não tolero a poluição. Bater-me-ei pela limpeza das águas. Gosto das águas transparentes. Gosto dos que escrevem simplesmente. Dos que me olham nos olhos quando falam conigo. Dos que sabem e gostam de perdoar. Prefiro as pessoas bondosas às pessoas inteligentes. Não gosto dos que mentem e traem. Se não gostasse da transparência... como me sentiria feliz, À Beira De Água? Eduardo Aleixo

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Velhice

POEMA
A horta que plantaste
Toda a vida
Como o sonho
Da tua vida
Olhas para ela
Agora
Velho
Sentado
Inválido:
Como podes evitar as lágrimas? ( Quintela de Azurara, 16/02/1999 )
Eduardo Aleixo

Sei o caminho que trilhas

POEMA
Sei o caminho
Que trilhas
Solitário
Como o rastro
De um navio...
Eduardo Aleixo

quarta-feira, 7 de maio de 2008

SOMOS

POEMA
Somos barcos que choram Portos que gritam Gaivotas que procuram Eduardo Aleixo

terça-feira, 6 de maio de 2008

O que me seduz

POEMA

O que me seduz Não é aquilo que não tenho

Mas aquilo que não vejo Mas vislumbro Às vezes São momentos de leveza Em que as respostas surgem E os encontros acontecem No mesmo chão Onde sofro Canto E amo... Mas em que o corpo respira Com outro enlevo e som... Eduardo Aleixo

As águas do meu rio

POEMA
São estas as águas do rio
Que le(a)vam as letras do meu nome.
Águas limpas águas claras águas sempre em movimento.
Nelas deslisa o bote do meu destino.
O meu corpo fala a linguagem dos peixes
Que sabem ser este o espaço
Da minha liberdade.
Aqui, o cântico do sol e da bruma
Brota do ritmo harmonioso do meu coração
Identificado com a terra , com o céu e com a água.
O verde das margens é o verde dos meus olhos.
É este o rio certo.
O barco certo.
O ritmo certo.
Eduardo Aleixo

segunda-feira, 5 de maio de 2008

À beira de água

Não é um afastamento do mundo. É escrever sobre o Mundo no espaço que mais amo, à beira de água, ouvindo a voz da corrente, esperando o canto do silêncio. É um recanto. É um regresso permanente, como sempre foi a minha vida. Regresso à cada vez mais indispensável serenidade. Será bem vindo aqui a este espaço sem tempo quem vier de coração aberto. Se continuar a ser criança. Se não a tiver perdido na selva do mundo. Se gostar de aqui estar. Não é preciso falar. O essencial é que se sinta bem. Como eu. Debaixo das estrelas. Aqui se vai escrevendo o que a alma vai dizendo.
À beira de água é um sítio de alma. Com alma.
Eduardo Aleixo