terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Rosto puro e sábio

A máscara do número
E o vestido da palavra
encobrem o rosto puro
e sábio do silêncio...

Lisboa, 21 de Janeiro

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

CENTENÁRIO DE ALBERT CAMUS - Cadernos ( sublinhados de juventude ) - livro de Eduardo Graça






O livro de Eduardo Graça é composto pelos sublinhados de leitura de juventude 
dos Cadernos de Albert Camus, obra que confessa ser, desde a sua juventude, " um livro de cabeceira", que " naturalmente não li todos os dias,  mas que sempre esteve presente na minha vida ", acrescenta; por um resumo biográfico de Alber Camus; e finalmente pelo que designa por Fragmentos de um quase diário improvável ( janeiro / maio 2008), escritos por si,  a partir de inícios de 2008, num caderno que tem  mantido,diz, salvo raras excepções, reservado.


No Intróito o autor do livro escreve: « Dói-me que esta efeméride passe em claro no nosso país, sem que um número razoável de novos trabalhos académicos sejam editados, porventura, sem uma única referência pública com impacto, perdendo-se uma oportunidade de ouro para levar ao conhecimento das novas gerações a obra de um autor que para além de ter sido aureolado com o Nobel da Literatura em 1957 é um acérrimo defensor dos valores da liberdade contra todos os totalitarismos. »


I

Alguns extractos dos Cadernos  de Alberto Camus, sublinhados por Eduardo Graça .

. Caderno nº2  ( 22 de Setembro de 1937 / abril de 1939 )


-"A Argélia, país a um tempo medido e desmedido. Medido nas sua linhas, desmedido na sua luz ".

- " Aquela manhã cheia de sol: as ruas quentes e cheias de mulheres. Vendem-se flores a todas as esquinas das ruas. E esses rostos de raparigas que sorriem."

( Esta imagem da natureza mediterrânica com gente dentro, como outras que constam neste Caderno, e que não sublinhei, manteve-se sempre muito viva. Desperta-me fortes ressonâncias da infância passada no campo algarvio, e na pequena cidade de Faro, na distante província que era o Algarve rural dos anos 50 ).


.Caderno nº5 ( 1948/1951 )


" Que vale o homem? Que é o homem? Depois de tudo o que vi, enquanto eu viver, hei-de ficar sempre com uma desconfiança e uma inquietação fundamental a seu respeito."

" Que é impossível, a respeito de quem quer que seja, dizer que é absolutamente  culpado e, por conseguinte, impossível pronunciar um castigo total."
" Marc condenado à morte na prisão de Loos. Recusa que lhe tirem os ferros durante a Semana Santa  para se parecer mais com o seu Salvador. Antigamente disparava contra os crucifixos nas estradas."
" Cristãos felizes. Guardaram a graça para si próprios e deixaram-nos a caridade."
" O problema mais sério que se põe aos espíritos contemporâneos : o conformismo."

. Caderno nº 6 ( 1948/1951 )


- " Dilaceração por ter aumentado a injustiça julgando-se servir a justiça. Reconhecê-lo pelo menos e descobrir então essa dilaceração maior; reconhecer que a justiça total não existe. Ao cabo da mais terrível revolta, reconhecer que não se é nada, isso é que é trágico."

II

 Fragmentos ( de Eduardo Graça ) de um quase diário improvável ( janeiro/maio 2008 )


. " Já tarde na madrugada de um novo dia reina o silêncio à minha volta. Encontram-se pelo caminho demasiadas pessoas doentes. Mais ainda as descrentes. Da vida dos outros e de si próprios. Uma conversa muito batida. Mas a realidade da vida quotidiana de muita gente é um drama pungente: faltam recursos, escasseia a iniciativa, sobra a vontade de descrer. Um dia as coisas hão-de melhorar, mas como? Sem o trabalho de todos e de cada um, sem a exigência de fazer bem feito, sem um verdadeiro sentido colectivo de organização para a criação da riqueza, sem acreditar no modelo político democrático, nem no modelo do estado social, a classe média em perda e as classes populares à beira da sobrevivência, como sustentar a crença de um mundo mais próspero e mais justo para todos? Difíceis os dias de hoje e, ainda mais certo, difíceis os dias de amanhã." 


. " Há dias em que escrevo dos sentimentos improváveis o cerne do que as palavras representam: dar a todos os que as lêem a capacidade de se apropriarem do renovado sentido delas. É o tempo da alegria. Fechar um círculo próprio e abrir uma janela por onde os outros nos interpretem. Aspirar à arte. Sentir que se criou uma obra por mais pequena e insignificante. Derramar a luz sobre o túnel enegrecido pelo desespero. Dar uma mão a outra mão que nem se adivinha. Tão tarde já no tempo e tão cedo no sentir a presença de todos os que nos amaram. Os que partiram para sempre. Os que ficaram. E nos esperam. Os que abandonamos. Esquecemos. Fazemos desesperar. Os que desejamos. Tudo e nada. Um momento breve que se esvai e morre. "

. " Esperar é deixar o tempo passar,compreender que o tempo não nos espera. Não é o tempo que nos envelhece. O combate da nossa vida não é contra o tempo. É contra nós mesmos. O que somos para os outros e como nos vemos a nós próprios. É como nos sentimos quando nos olhamos ao espelho e nos vemos. Sós. Sem mais ninguém. Ver correr à desfilada as imagens dos que mais amamos. É isso viver. Na fronteira do vazio da vida que não deixa nada para contar. Uma memória apagada no dia da missa do sétimo dia. As vidas comuns. As vidas de milhões dos nossos irmãos de caminhada em levas sucessivas. Vidas com prazo. Finitas. Escreveu Camus: " a imortalidade é uma ideia sem futuro". Observação certeira."


. " Já tarde na noite de um dia angustiado o regresso ao paraíso de palavras, soltas ao sabor do improviso. Como se dedilhasse uma melodia na guitarra que nunca aprendi a dedilhar. Ou olhasse  o céu com o peito desprendido de todas as dúvidas. Ou afagasse a mão do meu menino dando-lhe alento para superar todas as dificuldades da adolescência. O melhor de mim está fora de mim, está nos outros que me olham com ternura. E me alentam mesmo com o silêncio das suas palavras não ditas. Caminho pois sei que é a caminhar que se abrem os trilhos que outros virão a trilhar: Mesmo que nunca se saiba quem os abriu. "


EDUARDO GRAÇA

Em "CENTENÁRIO DE ALBERT CAMUS"

Cadernos ( Sublinhados de Juventude )

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

E foi assim que me fiz árvore!

A princípio era só céu!
E foi por isso que não deu

E zanguei-me com o céu!

Depois passei a ser só terra!
E foi por isso que não deu
E zanguei-me com a terra!

Finalmente, a pouco e pouco, 

céu e terra deram-se as mãos fraternas.

E foi assim que me fiz árvore,
a crescer dentro de mim...
Lx e Mértola, 6 de Janeiro 2014