" Ai as desgraças humanas destas paisagens iguais! " - Manuel da Fonseca
1. Fonte
tu vives na saudade de uma tarde
que eu vi morrer tombando sobre o mar
és ainda o mesmo sol que doira e arde
com o mesmo fim de dia no olhar
-
porque quiseste morar na ausência
e não rompeste as sandálias
pelo caminho
que te dei?
-
magoa-me a viagem da memória
e uma fome de laranjas
que não sei
( In " Salgema ", 1963 - 1969 )
2.
" mi palabra crece
y crece:
viene de aquel silencio com raíces
de los dias del trigo "
( Pablo Neruda )
para que serve um nome, leve giz?
nesta noite só o silêncio importa.
o teu olhar em flor de branco anis,
asa breve batendo à minha porta.
-
para que serve um nome quando tens
entre as mãos as estrelas da ternura?
e os seios no meu peito, dois reféns,
a mais cálida boca e a mais pura?
-
para quê se aqui te aperto
e subo contigo os degraus da fome?
agita as algas do teu corpo aberto:
o silêncio virá dizer-te o nome.
3
estes homens
abrem as portas
do sol nascente
-
conhecem os íntimos latejos
da cal as soltas águas
os fermentos as uvas
os cílios discretos do pão
-
amam as urzes e as fontes
o suor dos fenos
a febre moira de um corpo
de mulher
-
estes homens
partem a pedra
com martelos de solidão
( os olhos abismados
nos goivos
da lonjura )
-
erguem as paredes
as janelas crepusculares
as esfaimadas antenas das cidades:
céu de cimento; baba remota
do cansaço
-
estes homens
tamisam as cores; viajam nos navios
pescam no cisco as pérolas
do vidro
são garimpeiros
de uma esponja
de coral
-
moldam nas forjas
as sílabas secretas
do ferro
afeiçoam os seixos e o linho
o bafo marítimo
das palavras
-
estes homens
dizem casa com dezembro
nas veias
ternura com a sede de uma seara
grávida
assobiam comovidos contra as sombras
trazem na algibeira
o trevo rugoso das cantigas
-
estes homens
guadadores de cabras
e de mágoas
de espantos e revoltas
seres emigrantes
contrabandistas
soldados andarilhos do mar
carabineiros da má sorte
trepadores das sete colinas
operários
azeitoneiros
ratinhos
levantam por maio
os cantis do lume: voz de musgo
concha entreaberta
-
estes homens
( pátria viva; horizonte
de prata
à flor da bruma)
modelam nos andaimes
do tempo
o oiro ( medular ) da
liberdade
( In " Os dias do trigo " - 1977 - 1980 )
José Manuel Mendes
11 comentários:
QUERIDO EDUARDO, BELÍSSIMOS POEMAS... GRATA PELA PARTILHA AMIGO!!!
VOTOS DE BOM FIM DE SEMANA... ABRAÇOS DE AMIZADE,
FERNANDINHA
Excelente convidado para o mês de Maio...
Obrigada pela partilha de tão boa poesia.
Um beijo
Gostei imenso dos poemas escolhidos,é sempre bom partilhar.
Beijinho bfs
Ora aqui temos um homem do norte! Conheço-o pessoalmente. Também tenho um CD com a sua voz de poeta.
Gostei de reler os seus poemas.
Um abraço para outro poeta, tu Eduardo Aleixo.
Ando para aqui toda virosa e o computador está para arranjar. Este é da filha - só nas horas vagas é que tenho vez.
Lucy
OLá Eduardo... ai as tuas escolhas poéticas e a tua sensibilidade..
habitar em ti....
...
"asa breve batendo á minha porta"....
O TEU TALENTO NA ESCOLHA...
a imensa sensibilidade... sem horizontes...
como imenso o beijinho
um poeta convidado com palavras tão bonitas a poemar o fim de semana!
obrigada
beijinhos
Fantástica partilha, Eduardo! Obrigada...li de um só fôlego, bebendo ávida estas palavras belíssimas! Muitos beijos.
Olá Eduardo,
Leve o pó branco que se desfaz na lousa…silencioso ao olhar do cinza…
flor pensativa…. Quando bate a porta como quem atira o braço longe……
…
E o nome ecoa no céu e comove estrelas…
A flor cai em solo miste®ioso e brota SOL e pa l a v r a s … POES I A… musicada aqui… NO TEU ®IO de água na boca…
Pureza quase secreta …
ALGAS DE ÁGUA DOCE…
….
Imenso beijinho
Olá estou visitando e quero registrar minha satisfação ao passar aqui. Fica minha gratidão por sua amizade e atenção. Tudo isto nos fortalece e aproxima. Saiba que gostei muito deste trabalho. Realizado com muita Inteligência e excelente qualidade, parabéns pelo post publicado, belissimo poema, ótimo, gostei, meu reconhecimento e votos de muito sucesso e brilho. Honrado por sua amizade, espero por sua visita.
Quero compartilhar com você o poema abaixo do nosso imortal Vinícius de Moraes:
“Certas palavras podem dizer muitas coisas;
Certos olhares podem valer mais do que mil palavras;
Certos momentos nos fazem esquecer que existe um mundo lá fora;
Certos gestos, parecem sinais guiando-nos pelo caminho;
Certos toques parecem estremecer todo nosso coração;
Certos detalhes nos dão certeza de que existem pessoas especiais,
Assim como você que deixarão belas lembranças para todo o sempre. Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.”
Desejo um fim de semana repleto de alegrias extensivo aos familiares. Forte abraço, paz, luz, saúde, prosperidade e muitas bênçãos. Fique com Deus. Felicidades.
Valdemir Reis
olá Eduardo
boa escolha que aqui tens e que li com agrado.
beij
Excelente o convidado do mês. Aprecio imenso a escrita do José Manuel Mendes. E estes poemas são muito bons. Obrigada. Beijos.
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