sexta-feira, 23 de setembro de 2011

NUDEZ

Terra nua com luz intensa e fresca ao longo dos revezes da lonjura. Regaço ilimitado, sem refúgios, esconderijos, encontros secretos, recolhimentos de oração. Nudez plena. Plana. Rasa. Deserto. Com poços de água fresca e pura. Meu bosque de brancura. Com todas as cores. E sombras. E portas. E janelas. Abertas. Laranja inexpugnável.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Outono, chegaste...

Já o sabia ! : as árvores já mo tinham dito, e o vento, lembrado! Já o sabia pelo escorregar dolente do sangue nas ânsias do meu corpo, pelo roçar lasso e ronronante com que as palavras se deleitavam no colo quente do poema, pela vontade silenciosa de imitar as árvores, ficando como elas languidamente recolhido, mesmo face ao desejo: um torpor, um adormecimento, uma aceitação de placidez, uma preferência suave e leitosa pela criança em detrimento do ser amante, fogoso...
Vem, Outono! Preciso de outras cores que tu trazes, e me acalmam, e me harmonizam com o universo. Dá-me o teu castanho claro, o teu amarelo torrado, o teu laranja de sol macio. Dá-me a suavidade que se respira nas tardes breves, a moderação e a sapiência que fornecem a energia às árvores para as tempestades do inverno, a maturação da uva que fica à espera da hora adequada para o vinho ser bebido em copos merecidos...
Preciso da tua concha, Outono! Não é hibernação, não! É o ritual adequado ao ritmo d0 meu corpo humanamente grandioso, como se fosse - e é - divinamente consagrado...É o regresso anual às nascentes do ser, ao tempo da criatividade maior, em que mais novo sou, seja qual for a idade que tiver, porque me aproximo do momento em que nasci, em que vou rever a minha estrela, encher-me da seiva do universo de onde vim: esperma de amor, baba de orvalho, carícias de átomos e de tudo o que é germinação latente no ventre da terra.
Assim me fazes renascer, Outono, e me preparas para o inverno, para todos os Invernos, violentos, sim, mas belos, e eu fico munido então, com as armas do amor pleno...
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In, "Os caminhos do silêncio" - Foto Net

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Como não sorrir sequioso...

No fim sem fim dos caminhos fatigados
Surpresa e dolorosamente renascidos
Nos interstícios das rochas
Nos becos labirínticos das grutas
Nos recantos espinhosos dos conflitos
Brisas subterrâneas sibilinas
Pétalas de esperança, beijos, carícias, aromas
Para além das curvas sombrias dos túneis
Tão longo o caminhar em direcção à sinfonia das ondas!
Como não sorrir sequioso
Para o sorriso materno da manhã
Ou deitar-me no colo das areias despidas
Mas tão cheias à beira do mar?
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In "Os caminhos do silêncio "
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Foto minha

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

MAR

1. É preciso imaginar o que dizem os búzios.
É preciso imaginar o que dizem os búzios. Que conhecem os segredos do mar. Que o mar não deixa contar. Fica apenas um cantar soturno. Um lamento cavo e difuso. O estrondo prolongado do choque violento das vagas contra as tábuas dos barcos que submergem e com os barcos as mãos que acenam e imploram e dizem adeus. Os lábios que se beijam. Os corpos que se enlaçam. Os olhos que se fecham. Os choros e os gritos estrangulados na garganta das águas inclementes. Os sonhos acabados de nascer e sepultados no fundo do mar para sempre...
Eis o que dizem os búzios. Ou imagino que diriam. Se pudessem falar... -

2.

Já sei porque gosto do mar. Sou como ele, violento e calmo e solitário e acompanhado por todos os segredos, mistérios e sentimentos do mundo.

3.

De novo junto do mar, e sempre...já não apanho conchas, as raras, as mais lindas, como costumava dizer.

Limito-me a olhá-las, a acariciá-las,com amor e respeito e penso: não são minhas, são do mar que eu amo.

E sei que isto é assim, porque cresci e envelheci.

E acho que está bem a doçura do que sinto.

4.

Afinal, apanhei mais uma concha

Não fui eu que a escolhi

Foi ela que me escolheu

Vá-se lá saber porquê...

5.

Olhos de camelo vassourando a lonjura do deserto

Assim a gaivota grande de papo branco baloiça sobre as águas azuis e rasas e calmas do mar

Solitária esbelta e livre

Levanta voo brioso

E segue o parceiro que a chama

No voo alucinante sobre as águas...

Foto Net