quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Renascer

Nascemos nus, despojados,
A não ser com que planos pré-fixados?
Renascemos, ao que lemos nos livros velhos,
Quando aqueles podem ser ultrapassados!
Ajudados somos nos caminhos vários
Rumo à Luz onde algumas aves voam leves.
Viagem sem tempo, ao que vamos aprendendo
À medida do decorrer do nosso tempo.
Teremos tempo?
Teias nos prendem na liberdade concedida.
É por socalcos, ou por saltos
Que aprendemos a voar?
As duas coisas.
Em muitas direcções.
Muitos são os sentimentos.
Mas é inesquecível o cheiro de certos perfumes
E a grandiosidade de certos bosques
E a luminosidade de certos momentos
E o encantamento de certos cantares...
É o que nos salva: esta memória na viagem sem tempo...
É difícil perder o grandioso que um dia as mãos de barro tocam
E as lágrimas ajudam a moldar em poema de anjo!
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" Os Caminhos do Silêncio"
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Foto Net

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Carta de Marta para Maria

"Amar a sua inocência foi o meu primeiro pecado "

- Marguerite Yourcenar

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" Há olhos que só olham o sonho e, quando o sonho se dissipa, ficam cegos " - Nuno Júdice - " Um canto na espessura do tempo"

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3 ( terceira carta )
- por Graça Pires

" Fecho os olhos para ancorar as mãos perante as ideias insensatas. Às vezes é preciso ignorar as leis da escrita, falar sem nexo, disfarçar as palavras indefesas. Seria mais fácil escrever-te de longe, se eu pudesse partir sem rumo, sem pensar voltar. Mas eu sabia que nenhuma parte de mim podia regressar à inocência. E a minha vida encheu-se de afazeres diários. « Andas inquieta e perturbada com muitas coisas, mas uma só é necessária», ele mo disse. A censura saindo-lhe dos lábios. Alastrando-me no sangue até doer. Palavras desajustadas ao imenso galope do meu peito. Ninguém me ensinou a fazer a distinção entre o lado mais prático da vida e o lado mais íntimo das emoções. Eu punha o mesmo desvelo no que fazia, no que pensava, no que sentia. Nunca foram tão íntimas as minhas mãos, ocupadas no lento prazer de preparar o fogo. Gostava de cumprir as tarefas de sempre, a rotina caseira, os mesmos hábitos. Gostava, igualmente, de ver os barcos que saíam de madrugada e de os ver voltar, rodeados de gaivotas, voando em círculos. Depois, coleccionava conchas de todos os tamanhos para entender as marés. E gostava de me esconder nos campos de cevada, deixando, por lá, a marca do meu corpo e a imensa deriva dos meus sonhos. Eu não sabia que a noite podia incendiar-se nos meus olhos. "
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11 Cartas de Marta para Maria,
in: "não sabia que a noite podia incendiar-se nos meus olhos" - livro de Graça Pires
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Foto Net

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Porta do amor

Bate à porta do amor, amor,
Que sabes da solidão
Do ventre da terra
E tens o coração
No centro da noite...
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In " As palavras são de água "
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Foto minha, de S. Tomé

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Vi

Vi a velhice
vi a solidão
vi os olhos teus rirem ao encontrarem-se com os meus que de ti nasceram,
vi a decrepitude do corpo,
a nossa decadência,
como se estivessemos todos numa fila
à espera,
vi.
Vi também o carinho dos mais jovens tratando dos velhos
sós
e tristes e muitos já sem lembranças na cabeça
e repetindo as mesmas palavras,
vi.
Vi também que é Fevereiro
e as amendoeiras abriram já seus olhos brancos floridos para o céu.
Vi também as flores brancas raiadas de desenhos castanhos das estevas.
E os brincos floridos brancos dos gaimões.
E vi ao lado da estrada principal as cegonhas
limpando e rearrumando aos pares os seus ninhos.
Vi.
Vi que não tarda a flor da urze e do rosmaninho.
Vi que está chegando a primavera
na mesma terra
à beira do rio
onde a velhice adormece.
Vi nos campos verdes os borregos pastando.
E vi que sempre foi assim.
E vi que não estava contente nem triste.
Estava assim.
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Mértola, 7 de Fevereiro 2011
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Os caminhos do silêncio
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Foto Net

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Pontos tricotados

É como se as palavras chegassem,
não para serem lidas ou faladas:
recados de búzios alados,
pontos tricotados
nos caminhos encruzilhados
do destino,
a serem, no devido tempo,
decifrados...
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" Os caminhos do silêncio "
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Foto Net

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

KUNG HEI FAT CHOI

Feliz Ano Novo do Coelho, que hoje começa.
Lai si
( Oferta de dinheiro em envelope aos jovens solteiros de acordo com a cultura chinesa )

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Rilke ( 3 )

Sobre a linguagem
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Num poema bem-sucedido existe mais realidade do que em qualquer relação ou afeição que eu sinta; no que crio sou verdadeiro, e gostaria de encontrar a força para basear a minha vida totalmente nessa verdade, nessa infinita simplicidade e alegria, que de tempos em tempos me é dada.
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Suponho que na política, tal como na poesia, as intenções puramente humanas, voluntariamente humanas não valham grande coisa. Uma poesia que quisesse consolar ou ajudar ou sustentar não sei que nobre convicção seria uma espécie de fraqueza por vezes tocante...o decisivo não é de modo algum uma intenção caridosa e clemente, mas a obediência a um ditado autoritário que não quer nem o bem nem o mal ( dos quais sabemos tão pouco ), e simplesmente ordena-nos a estabelecer os nossos sentimentos, as nossas ideias, todo o encanto do nosso ser segundo a ordem superior que nos excede de tal forma que jamais poderia tornar-se um objecto da nossa compreensão...A minha censura à " liberdade " é que ela conduz o homem, no melhor dos casos, ao que ele compreende, nunca mais longe. Só a liberdade não basta; mesmo empregada com critério e justiça, ela deixa-nos no meio do caminho, no terreno estreito da nossa razão...
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É assustador pensar em quantas coisas são feitas e desfeitas com as palavras; elas estão tão afastadas de nós, encerradas na eterna imprecisão da sua existência secundária, indiferentes às nossas necessidades extremas; elas recuam no momento em que as agarramos; elas têm a sua vida, e nós, a nossa...
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Ser alguém, como artista, significa: poder dizer-se. Isso não seria tão difícil se a linguagem saísse do indivíduo, se se originasse nele e, a partir desse ponto, aos poucos abrisse caminho até ao ouvido e à compreensão dos outros. Mas não é esse o caso. Pelo contrário, ela é o que é comum a todos, mas não foi feita por ninguém, porque todos a fazem continuamente, a vasta, sussurrante e oscilante sintaxe, para dentro da qual cada um diz o que tem no coração. E então acontece que alguém, interiormente distinto do seu vizinho, perde-se ao exprimir-se tal como a chuva se perde no mar. Portanto, tudo o que é próprio exige, se não quer ficar em silêncio, uma linguagem própria...Dizer o igual com as mesmas palavras não é progresso.
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Rainer Maria Rilke
In, " Da Natureza, Da Arte e Da Linguagem "
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