quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Outono, chegaste...


Já o sabia!:  as árvores já mo tinham dito, e o vento, lembrado! Já o sabia pelo escorregar dolente do sangue nas ânsias do meu corpo, pelo roçar lasso e ronronante com que as palavras se deleitavam no colo quente do poema, pela vontade silenciosa de imitar as árvores, ficando como elas languidamente recolhido, mesmo face ao desejo: um torpor, um adormecimento, uma aceitação de placidez, uma preferência suave e leitosa pela criança em detrimento do ser amante, fogoso…
Vem, Outono! Preciso de outras cores que tu trazes, e me acalmam, e me harmonizam com o universo. Dá-me o teu castanho claro, o teu amarelo  torrado, o teu laranja de sol macio. Dá-me a suavidade. que  se respira nas tardes breves, a moderação e a sapiência que fornecem a energia às árvores para as tempestades do Inverno, a maturação  da uva que fica à espera da hora adequada para o vinho ser bebido em copos merecidos…
Preciso da tua concha, Outono! Não é hibernação, não! É o ritual adequado ao ritmo do meu corpo humanamente grandioso, como se fosse, ( e é ),  divinamente consagrado. É o regresso anual às fontes do ser, ao tempo da criatividade maior, em que mais novo sou, seja qual for a idade que tiver, porque me aproximo do momento em que nasci, em que vou rever a minha estrela, encher-me da seiva do universo de onde vim: esperma de amor, baba de orvalho, carícias de átomos e de tudo o que é germinação latente no ventre da terra.
Assim me fazes renascer, Outono, e me preparas para o Inverno, para todos os Invernos, violentos, sim,  mas belos, e eu fico munido então, com as armas do amor pleno…

Texto do meu livro:, Os Caminhos do Silêncio - Chiado Editora

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