segunda-feira, 17 de maio de 2010

Poeta convidado: Gastão Cruz

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1. GLENN GOULD
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Depois de sete anos recolheu-se
à comedida sombra dos estúdios;
não queria exceder o som exacto
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que devia criar, o seu volume:
só assim pronunciaria
convictamente, sobre o que saía
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das teclas percutidas,
como se já cantasse, soltas sílabas;
exemplo para poetas poderia
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ser o deste pianista ao recusar-se
a forçar o seu som até que enchesse
enormes salas ( ele próprio o disse):
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os grandes artesãos sempre algo ensinam
ao verso como outrora manolete
a joão cabral de melo neto
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2. ALGUNS PIANISTAS
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Emil Gilels tocava
como se detivesse fogo ou água:
em torno dele a luz formava um laço
de ouro líquido jorrando do teclado
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A cabeça potente assemelhava-se
à do autor do som que se expandia
como de ouro fundido um
largo rio
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Sviatoslav Richter imitava
o rigor da poesia ou da leitura
que dela fazem os que lêem nela
do universo a explosão futura:
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em cada nota morre o universo
tal como em cada sílaba
da poesia, por isso ele tocava
em sala escura
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e uma pequena luz mostrava a pauta
somente, para que não se perdesse
nenhum quinto de som, sua vogal,
e, ele e o público, nada os distraísse
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Arturo Benedetti Michelangeli
vinha segundo a lenda acompanhado
de dois pianos e não agradecia
aplausos: só a música
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e os autores dela deveriam
merecer o aplauso que era a escuta
apenas, uma arte tão difícil
e rara de que tanto necessita
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também a poesia; a perfeição
parecia o limite inatingível,
por vezes atingível mito fixo
num céu longínquo como a arqutípica
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imagem do pianista, este ou outro
dos que cantei ou já cantara quando
os vira como exemplos do domínio
dos braços e da mente sobre o rio,
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em vertigem,
do som feito sentido,
assim sobre o teclado as evidentes
mãos de Horowitz
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3. OFÍCIO
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Os poemas que não fiz não os fiz porque estava
dando ao meu corpo aquela espécie de alma
que não pôde a poesia nunca dar-lhe
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Os poemas que fiz só os fiz porque estava
pedindo ao corpo aquela espécie de alma
que somente a poesia pode dar-lhe
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Assim devolve o corpo a poesia que se confunde com o duro sopro
de quem está vivo e às vezes não respira
-
Gastão Cruz
In, " ESCARPAS"

8 comentários:

Baila sem peso disse...

hoje levo só o azul, a música
levo a tranquilidade que necessito
nas teclas das palavras em que ressuscito...

logo que me for possivel
visitarei com mais assiduidade
teu cantito!

um beijito!

CamilaSB disse...

Bela é a música, a poesia e a amizade...e grandiosos os corações que as apreciam! BJS

Maria P. disse...

Que excelente convidado!

Beijinhos*

Maria P. disse...

Que excelente convidado!

Beijinhos*

Unknown disse...

Olá Eduardo,

Bonita a escrita deste convidado...

Lindos os seus poemas...


abraço

Graça Pires disse...

Este é um convidado tabém do meu agrado. Gastão Cruz tem vindo a fazer uma carreira poética muito equilibrada e de qualidade. Obrigada por o trazeres aqui.
Um beijo Eduardo.

Laurita disse...

De quem está vivo e ás vezes não respira... É uma grande verdade. Por vezes respiram-se águas turvas, mas quando as palavras são de água, só pode ser de água límpida envoltas em marés de silêncio, que tudo dizem. Obrigado pela visita e pelo comentário sempre carinhoso. Beijos querido amigo

candida disse...

muito bonito.