1. Interrogação
Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.
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Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.
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Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.
-
Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.
-
Eu não sei se é amor. Será talvez começo...
Eu não sei que mudança a minha alma pressente...
Amor não sei o que é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.
2. Crepuscular
Há no ambiente um murmúrio de queixume,
De desejos de amor, d'ais comprimidos...
Uma ternura esparsa de balidos,
Sente-se esmorecer como um perfume.
-
As madressilvas murcham nos silvados
E o aroma que exalam pelo espaço
Tem delíquios de gozo e de cansaço,
Nervosos, femininos, delicados.
-
Sentem-se espasmos, agonias d'ave,
Inapreensíveis, mínimas, serenas...
- Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas,
O meu olhar no teu olhar suave.
-
As tuas mãos tão brancas d'anemia...
Os teus olhos tão meigos de tristeza...
- É este enlanguescer da natureza,
Este vago sofrer do fim do dia.
3. Poema
Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,
Onde esperei morrer - meus tão castos lençóis?
Do meu jardim exíguo os altos girassóis
Quem foi que os arrancou e lançou no caminho?
-
Quem quebrou ( que furor cruel e simiesco! )
A mesa de eu cear - tábua tosca de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
- Da minha vinha o vinho acidulado e fresco...
-
Ó minha pobre mãe! Não te ergas mais da cova.
Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova...
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.
-
Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais.
Alma da minha mãe...Não andes mais à neve,
De noite a mendigar à porta os casais.
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CLÉPSIRA e outros poemas, de Camilo Pessanha
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14 comentários:
Uma xcelente escolha, Eduardo, um magnífico momento de Poesia.
Muito obrigada pela partilha!
Beijinhos,
Clo
Clo
Um grane poeta, de uma sensibilidade muitíssimo grande, esquecido, como muitos, tantos! Eu sei. Sabemos. Tu e eu, pelo menos. Por isso criei esta lembrança, digamos assim, de mensalmente, lembrá-los. Se eu pudesse dizer que eles ficam contentes! Não posso.Mas já fico satisfeito ao imaginar que sim. Boa noite, amiga.
obrigada, eduardo!
gostei muito de ler.
abraços
luísa
É um convidado secular, cujas relíquias poéticas vale sempre a pena ler e reler...
abraço
Eu gosto imenso da Clepsidra de Camilo Pessanha. Os poemas escolhidos são excelentes meu amigo. O 1º poema é dos mais bonitos poemas de amor que conheço "Amor não sei o que é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente."
um beijo.
Luisa
è um os nossos maiores, embora esquecido.
Sónia
ler e reler...
Graça
Concordo contigo: o 1º poema é um lindo poema de amor.
e tu, sempre tão atenta! e sensível...
É bom sempre lembrar os grandes poetas e que estão um pouco esquecidos.Gosto de Camilo Pessanha.A Câmara Municipal aqui de S.Roque este ano editou uma segunda edição de Almeida Firminio.Só depois de morto se descobriu sua obra e há tantos outros assim.Obrigada pela força.Palavras de amor, gosto e de vivê-lo muito mais.Por aqui está bem presente.Abraço amigo
Salomé
O amor tudo vence, não é? Beijos meus à tua ilha.
Um dos grandes poetas!...
Rendo-me à escolha do convidado e dos poemas...
Um abraço
mariabesuga
Gostei do seu blogue
Há muito tempo que não lia Camilo Pessanha, passei por aqui e surpreendi-me com uma agradável surpresa...
Abraço
Chris
Chris
Grande, mas muito esquecido..É bom a gente reler os que ficam contentes ao serem lembrados ( imagino eu! )
Não gosto. Obrigada pela partilha. Beijos.
Passei por aqui e foi com grande prazer que vi Camilo Pessanha escolhido para este mês.
Um grande poeta, poemas escolhidos com muito bom gosto.
Parabéns
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