domingo, 31 de janeiro de 2010
Na construção das asas
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
Pequenos textos
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
Alentejo
em carne viva
( Livro de José Manuel Silva ) -
( Foto do blogue À Beira de Água )
Jacintinho era também, sem dúvida, o melhor freguês do casino de Monte Gordo, onde esbanjava as herdades que o pai lhe deixara. Não raras vezes, era vê-lo, relaxado e bêbado que nem um cacho, a exigir a continência do porteiro impecavelmente trajado, e a atear lume aos cigarros que ia enrolando não com mortalhas "zig-zag" mas com notas de mil que sacava de dentro das botas caneleiras.
" Que leve o diab'alma", dizia.
Muito menos, quase nada , se importava com as sopas de almece, as açordas cegas e a meia dúzia de figos e boletas com que ele e o pai sempre trataram os ganhões que do nascer ao pôr mourejavam naqueles córregos, ou nas barreiras esconsas do Vascão.
" Tem avondo"(3), disse, vá lá, uma vez,quando, a mando do pai, o sargento da Guarda chicoteava duas crianças que a uma das suas herdades tinham id0 buscar um feixe de lenha para se aquecerem e um taleigo de bolotas para matarem a fome.
Isaura era filha de um seareiro que fazia uma courela de terra delgada, que só lhe trazia codilhos, tal era a maquia que todos os anos tinha de pagar.
Jacinto não sabia ao certo quantos anos ela tinha. Rosto de criança e corpo, já espigado, de mulher, trajando de chita, ainda não teria treze anos.
Conhecido, como era, por cavalo de lançamento, que fazia inveja ao da Herdadinha, porque era useiro e vezeiro em fazer pouco das filhas de cada um, a quem chamava poldras novas, tratou, aleivoso, de fazer-lhe a corte.
E só quando o seu rosto trigueiro, que dir-se-ia modelado a cinzel, começou a ficar com pano, é que Felisbela deu conta de que a filha estava enganada.
Isaura, num balho (7) de Entrudo, cantou:
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" Eu hei-de morrer em nova/ Que é para mais pena deixar... / Já que o meu bem não faz caso/ Ponha outra em meu lugar..." /
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In "Alentejo,
em carne viva- Contos breves-"
de José Manuel Silva