Já o sabia: as árvores já mo tinham dito, e o vento, lembrado. Já o sabia antes pelo escorregar dolente do sangue nas estradas ansiosas do meu corpo, pelo roçar lasso e ronronante com que as palavras se deitavam no colo do poema, pela ânsia de imitar as árvores ficando como elas languidamente recolhido, mesmo face ao desejo: um torpor, um adormecimento, uma aceitação de placidez, uma preferência suave e leitosa pela criança em detrimento do ser amante fogoso... Vem, Outono, preciso das outras cores que tu trazes, e que me acalmam, me equilibram com o universo, dá-me o teu castanho claro, o teu amarelo torrado, o teu laranja de sol macio, dá-me a suavidade que se respira nas tardes breves, a moderação e a sapiência que dão a força às árvores para as tempestades do inverno, a maturação da uva que fica à espera da hora adequada para o vinho ser bebido em copos merecidos... Preciso da tua concha, Outono! Não é hibernação, não! É o ritual adequado ao ritmo d0 meu corpo humanamente grandioso, como se fosse ( e é ) divinamente consagrado... É o regresso anual às nascentes do ser, ao tempo da criatividade maior, em que mais novo sou, seja qual for a idade que tiver, tempo em que me aproximo do momento em que nasci, em que vou rever a minha estrela, encher-me da seiva do universo de onde vim, esperma de amor, baba de orvalho, carícias de átomos e de tudo o que é germinação latente no ventre da terra. Assim me fazes renascer, Outono, e me preparas para o inverno, para todos os Invernos, violentos, sim, mas belos, e eu fico munido então com as armas do amor pleno... Eduardo Aleixo
( In Prosas Poéticas )
13 comentários:
Toca, Vivaldi,
Enquanto me lembro,
Sem esforço em me lembrar,
Quantas vezes comecei a minha vida,
Olhando para o mar...
Um abraço
PM
Fiquei sem palavras de maravilhada!! Adorei a beleza da tua prosa poética...beijos.
só para ouvir vivaldi e as suas quatro estações... já é bom! mas chegou um outono quentinho, com cheirinho a praia!
beijinhos
Soube-me/fez-me tão bem ler esta prosa; este poema...
Bjs.
Laide
Laide
( Respondo aqui porque não tens blogue ):
- Quiça por seres escorpião tenhas sentido de modo especial: nasceste no mesmo dia que eu!
Bj
OUTONO-ME TB eu por aqui. nesta prosa tão "eduardina"...:)
abraço.
(piano)
... e que este Outono seja, de facto, a ponte para o Inverno.
Texto bem sentido, de um recolhimento de alma... de quem sabe o que são travessias...
Uma boa noite para ti, meu amigo!
Lucy
Quanta beleza encerras dentro de ti quando tão real e poéticamente te entregas assim à natureza!
Majestoso, brilhante, terno...o Outono que li em ti...ouvindo Vivaldi! Belo momento, poeta!
Beijos
Outono para mim é a estação que embala o corpo em nostalgia, que faz escorrer lágrimas em tardes enubladas onde as folhas esvoaçam lentamente, humedecidas pala chuva miuda.
Um texto lindo, numa exposição bela da estação que faz essa ponte para o Inverno.
Lidas as quatro estações de Vivaldi
Bom resto de semana
bjito da gota
Obrigada por este momento lindíssimo com Vivaldi, com palavras de fascínio "Vem, Outono, preciso das outras cores que tu trazes, e que me acalmam, me equilibram com o universo", com imagens em tons de mel.
Um beijo.
Isabel: gostei da expressão: outono-me!
Já tinah lido e até achei que tinah deixado comentário. pelos vistos não, ou não ficou guardado!
O Outono merece estas tuas palavras. São tb. as minhas.
Beijinhos
Também sou filha do Outono.
Irrepreensivelmente bela esta tua prosa poética.Parabéns!
Um abraço,
Clo
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