





Chamo-me Novelo. Gosto de dormir juntinho da Lai-si. Nasci em Macau, onde a minha dona, Rita, me encontrou, muito maltratado, na rua, para onde fui atirado de um andar muito alto. Mas não desejo falar nisso.Já sou muito velhote. Mas agradeço ter sido recebido por esta família.
Já o sabia: as árvores já mo tinham dito, e o vento, lembrado.
Já o sabia antes pelo escorregar dolente do sangue nas estradas ansiosas do meu corpo, pelo roçar lasso e ronronante com que as palavras se deitavam no colo do poema, pela ânsia de imitar as árvores ficando como elas languidamente recolhido, mesmo face ao desejo: um torpor, um adormecimento, uma aceitação de placidez, uma preferência suave e leitosa pela criança em detrimento do ser amante fogoso...
Vem, Outono, preciso das outras cores que tu trazes, e que me acalmam, me equilibram com o universo, dá-me o teu castanho claro, o teu amarelo torrado, o teu laranja de sol macio, dá-me a suavidade que se respira nas tardes breves, a moderação e a sapiência que dão a força às árvores para as tempestades do inverno, a maturação da uva que fica à espera da hora adequada para o vinho ser bebido em copos merecidos...
Preciso da tua concha, Outono! Não é hibernação, não! É o ritual adequado ao ritmo d0 meu corpo humanamente grandioso, como se fosse ( e é ) divinamente consagrado...
É o regresso anual às nascentes do ser, ao tempo da criatividade maior, em que mais novo sou, seja qual for a idade que tiver, tempo em que me aproximo do momento em que nasci, em que vou rever a minha estrela, encher-me da seiva do universo de onde vim, esperma de amor, baba de orvalho, carícias de átomos e de tudo o que é germinação latente no ventre da terra.
Assim me fazes renascer, Outono, e me preparas para o inverno, para todos os Invernos, violentos, sim, mas belos, e eu fico munido então com as armas do amor pleno...
Eduardo Aleixo
( In Prosas Poéticas )