quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Convidado da semana: José Régio

Cântico Negro
« Vem por aqui» - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: « vem por aqui »!
Eu olho-os com olhos lassos,
( Há, nos meus olhos, ironias e cansaços )
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
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A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre de minha mãe.
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Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Porque me repetis: « vem por aqui?»
Prefiro escorreger nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
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Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios passos na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
---
Como, pois, sereis vós
Que me dareis implsos, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
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Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
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Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe,
Mas eu, que nunca pricipio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
---
Ah!, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: « vem por aqui»!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí!
( José Régio, in " Poemas de Deus e do Diabo " )

9 comentários:

Maria disse...

Há uns quinze dias (mais ou menos) este poema passeou-se pelo cheiro da ilha...

é muito forte, e eu gosto.

um beijo

Unknown disse...

Maria
Eu sei.
BJ.
EA

Paula Raposo disse...

Este é dos poemas de que mais gosto da língua portuguesa. Porque é precisamente o que penso, só me falta saber escrevê-lo assim! Por isso ele é José Régio e eu sou eu. Beijos.

gaivota disse...

lindo, lindo, lindo
um dos poemas mais marcantes da minha juventude...
(também já fui uma menina)
é especial, todo o josé régio
desejo-te um santo e feliz natal, com saúde e paz, muita alegria e amor
beijinhos

Anônimo disse...

Gosto
gosto muito
e tal como ele
também a minha certeza...
"...sei que não vou por aí"

Obrigado por o trazeres aqui!
Um beijo

tulipa disse...

Olá Eduardo

Que bom que gostou de me ler...
raramente escrevo o que me vai na alma, por razões óbvias...
Mas, desta vez, ignorei as tais razões óbvias e escrevi o que sinto, estou farta da hipocrisia que transborda dos rostos das pessoas, das suas acções neste mês de Natal, todos os anos é a mesma coisa!!!

Como diz e bem:
Sermos nós próprios é repudiarmos a hipocrisia.
É andarmos de mãos dadas com a verdade.
É chorarmos com tanta espontaneidade como rirmos.
É sermos.
Sabermos dar.
Mas também receber.

ADORO A SUA ESCRITA.
ADOREI o poema de Natal.

Beijinhos.
EA

**Viver a Alma** disse...

Eduardo...
Também não vou por aí...por aquilo que onde as multidões de todo o mundo se manifestam.
E sei que vc também não!
Feliz Natal.Vá buscar o seu presente
Mariz

Maria P. disse...

Um convidado, um poema que dispensa palavras...


Beijinho*

Parapeito disse...

:)) lembro me no liceu da polémica que causou este poema...
Não sei por onde vou
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
arre quen era teimoso :))
brisas doces***