Parou de chover. Através das vidraças do telheiro vejo três pássaros pousados nos ramos do damasqueiro; não tardarão a fugir, pois o tempo não está de feição. Não vejo só o damasqueiro despido de folhas, com os dedos finos apontados para o céu. Também a figueira - de figos pingos de mel- estende para o alto os braços grossos, lisos e retorcidos. Nu, também, o pessegueiro, que se estreou este ano, para surpresa nossa , a dar pêssegos, com fartura, sendo tão jovem! E as ameixeiras, que ano tão difícil tiveram, sempre adoentadas! E a nogueira, e a cerejeira, que só por serem tão novas, não deram ainda frutos. Pouso o olhar nas gotinhas de chuva poisadas nos vidros das janelas. O meu cão esgaravata com as patas a terra molhada e vai, claro está, sujar a casa daqui a bocado. « Seu burro, diz-lhe a dona », mas ele faz ouvidos de mercador. O dia está escuro.
É quase Inverno. Com poucas folhas, de um amarelo agonizante no corpo, está o marmeleiro, a quem dou os parabéns pelos seis grandes marmelos com que vaidosamente e pela primeira vez nos mimoseou. Também com poucas folhinhas, e muito débeis, está a macieira bravo de esmolfe, que trouxe da Beira, e que mostra muitas dificuldades em adaptar-se ao clima do Oeste. A tangerineira, carregada de filhinhos vermelhuscos. O limoeiro, verde pálido, com doença, há que cuidar dele...Parou de chover. O Gwyn ladra. Os pássaros desapareceram. Ouve-se o mar ao longe. Chegámos de Lisboa, há pouco. A casa está fria. Estas casas do campo, rústicas, bonitas, isoladas, são frias. E, coladas à natureza, são como a natureza. Por isso, a primeira coisa que fazemos, quando aqui chegamos, vindos de Lisboa, é pôr cepos na lareira. Quem teve uma infância , como eu tive, na província, e se lembra das noites passadas com os pais e avós junto da lareira, vê sempre na lareira algo de mágico. Se me derem a escolher entre uma lareira das que falo e uma moderna a que chamam recuperadores de calor, como a que tenho, na minha casa de Lisboa, prefiro a lareira tradicional. A lareira é uma fonte indescritível de magia, de silêncio, de ligação suave e doce ao universo. .Voltando ao que vejo através das vidraças do telheiro, vejo as couves, altas, as nespereiras que voltaram a entristecer-me este ano porque se recusam a dar flores, e a oliveirinha frágil, que já me suplicou para atar o seu corpinho cansado a um suporte, para que possa resistir à força do vento norte. É outono, sim. Quase no seu fim. As árvores sabem-no melhor do que eu. São sábias. Estão ligadas à energia calma e segura da terra. Mas também à energia dinâmica do céu. Por isso estão preparadas para o inverno. Eu amo-as .
Eduardo Aleixo
10 comentários:
Um belíssimo texto pleno de sensibilidade!! Gostei muito. Beijos.
Terra boa essa de fim de semana, lá para o Oeste (que também é meu...)
Um beijo
Poeticamente, bem escrito. Lindo!
... e é quase Inverno!
Um beijo
Já tinha saudades das tuas descrições, Eduardo!
Beijinhos
O portallisboa (www.portallisboa.net) anuncia que estão abertas as inscrições para a participação na obra “Entre o Sono e o Sonho “, Antologia de Poetas Contemporâneos, a ser editada pela Chiado Editora Consulte o regulamento em: http://www.portallisboa.net/modules.php?name=sonosonho
Eduardo
Texto óptimo.
Bom Natal e melhor 2009, apesar da crise
Abs
Olá querido Eduardo, maravilhoso texto... com muita magia e sensibilidade!... Já me via aí!... Beijinhos de muito carinho,
Fernandinha
Olá, boa noite!
Sim, este é mais um blog k vale a pena!
Gosto (também) das tuas crónicas, mas deixo aqui um pequeno reparo à dona do camarada Gwyn: chamar-lhe 'burro' não ajudará à recuperação dos seus desvios comportamentais e pode, até, fazer alastrar ao 'Oeste' a revolta iniciada na Grécia.
Os cães anarquistas são perigosos!
Um abraço,
Pedro Martins
:))
Gostei muito de ler...
quase senti o cheio da madeira arder na lareira...
A casa dos meus avós,tinha sempre na lareira a panela de ferro preto com agua para o café...quem chegava tinha sempre um cafézinho para aconchegar....
Lembranças...que aquecem a alma
brisas doces para si
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