segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Poema sobre a vida e a morte...

Mergulho no mar do sol que a vida tem, na espuma da alegria derramada sobre a terra, no amor festejado sobre as dunas
em frente do mar de Agosto... - De olhos regalados para o sol, estendo-me na erva verde, ao som dos insectos quentes, que o crepúsculo não tarda, a noite não tarda, as sombras não tardam!... E quando o crepúsculo vier, a noite chegar, e as sombras caírem... mergulharei todo nesta bênção, que funde os astros com as casas... De rosto salpicado pelo vento, ou arenoso no deserto da noite, bendigo então o que não sei à porta do silêncio!... - Tudo é magnífico na misteriosa estrada que liga as estrelas às paredes que adormecem!
E quando o medo me faz tremer,
como os vendavais furiosos os ramos débeis das árvores,
bendigo santamente a minha humanidade por não ter palavras disponivelmente fáceis para soletrar o que me espanta, e que secretamente procuro, mas de que fujo, como criança, inexplicavelmente envergonhada!.... - Só não percebo... o porquê deste olhar tão sereno face à morte ,
fingimento de calma, revolta envergonhada com calmas de aparência, tentando não ouvir o veredicto inatacável do fraterno que não houve em plena vida, e que a morte já reclama, ou que desdenha... - Mas eis que... debaixo do sol... , enquanto a maioria fala do comércio dos borregos e dos assuntos triviais recomendavelmente não pensados , olhos que se desviam como tábua de salvação / distracção,
para o vermelho dos aloendros ,sempre lindos, mas sem utilidade à beira do caminho, alguns pensam e meditam, e ,
de cabeças baixas, olham então, pela primeira vez, para os sapatos,
o ruído dos sapatos sobre a terra,
e sentem a consciência da inutilidade
do corpo irremediavelmente imóvel na terra quente de xisto...
-
É preciso - a gente sabe! - preparar o inevitável esquecimento
que há-de vir...
É preciso - a gente sabe! - desembaraçarmo-nos depressa daquele corpo inútil, que, mesmo inútil, se torna altamente perturbador...
Eis o que pensa a maioria , os que olham para os sapatos sobre a terra, mas falam apenas dos borregos...
-
Estranho!... como se fosse sádico ( não o sendo...), este meu eu de fora,
a congeminar, com o coração na gaveta, o poema do funeral!
Mas... sem isso...,
como escrever sobre o tempo abastardado, masturbado,dos que estão no funeral como coisa alienada...
Mas...sem isso...,
como escrever sobre o rosto vivo, destroçado, o único que sente,
que soluça,
e olha apavorado o espectáculo do morto bem amado e tão íntimo na vida... Enfim... sem isso... não seria possível registar, no poema, a maioria distraída,
do morto que somos nós em projecção, sem vida,
a quem tudo está acontecendo
no rio previsionado do universo, que corre, está correndo: -Um dia... a tua foz desaguará como um rio- o nosso rio - junto dos aloendros,
estes mesmos aloendros, para onde ninguém olha, vermelhos, mas inúteis, à beira do caminho, onde apenas se ouve o pisar litúrgico dos sapatos, e alguém sábio dirá,... por exemplo um artista bêbado, ou um vagabundo rindo loucamente nas valetas - que nunca ninguém olha os aloendros com o carinho que merecem,
e quando quiserem olhar os aloendros...
os olhos estarão fechados para sempre debaixo do sol d0 amor...
Eduardo Aleixo

20 comentários:

Anônimo disse...

Eduardo

Magnífica visão da felicidade, de um caminho sereno para o infinito...poeticamente sentido.
Tudo faz sentido aqui...!
Adorei! Parabéns!

Um beijo, amigo

Anônimo disse...

Eduardo, muito bom e profundíssimo poema para a maioria das pessoas, mas quase só superficial, isto é, natural e realista, para ti. A vida encarada para além da frialdade materialista das rotinas civilizacionais é realmente algo teórica mas sublime e transcendente. Afinal, temos sempre à nossa frente um jardim que nos suaviza, quer seja de rudes, mas lindos, loendros, ou de urbanas e pomposas outras plantas, jardim que em geral não vemos ou pouco ou nada apreciamos, embebidos de objectivos rotineiros de materialismo em geral associado a dinheiro. E o espírito, a aprisionada e calada alma, apenas se expande, e não em toda a gente, infelizmente, em voos sedentos de libertação e de amor, mas quase sempre de regresso triste e sem esperança, tanto mais quanto mais se aproxima a lassidão da velhice, tiradora de forças e ânimos, e o negro manto da inelutável e incognoscível Morte.

........................
A vida é circo sem porta
onde os homens apodrecem
representando espíritos cegos,
sem intervalos
- e nunca a febre de suas ânsias,
nem o gládio de seus ódios
nem o desprezo de suas indiferenças
lhes mudarão o mísero pó.
Não há estrelas,
nem amor nem justiça
que se álcancem,
e as políticas são falsas
- apenas instintos e riquezas
imperam
e consciências se assustam
e choram.
.........................
E varre-os no grande circo
o vento,
diluídos no passado
- cobardes,
arrependidos,
infelizes,
em tumbas sem calor.
E condoem-nos,
choramo-los,
choramos sua cárnea roxidão,
sua cerosa palidez,
arrepiantes,
choramos seu mistério de nada,
mistério sem rasto,
incognoscível,
sem nunca afinal sabermos
se é por eles que estremecemos
ou se é por nós que tememos
até ao mais fundo de nós,
funereamente,
horrivelmente...

Um abraço, as melhoras e boa semana, Eduardo.

Mírtilo

Paula Raposo disse...

Extremamente poético! Gostei muito. beijos.

gaivota disse...

é isto que temos perante a vida e a morte, só e apenas
muito bonito o teu texto
beijinhos

Graça Pires disse...

Um poema que é uma reflexão sobre a vida e sobre o caminho inevitável que todos percorremos. Excelente! Um abraço.

Maria disse...

Belíssimo texto!
Fiquei sem palavras para e comentar...

Um beijo

AnaMar (pseudónimo) disse...

Magnífico texto. Quase sinto o aroma das flores dos (a)loendros.

Lucília Benvinda disse...

Ai, Edurado...

quem me dera dar esse mergulho no mar do sol que a vida tem...
manter essa serenidade perante o esquecimento... enfrentar a morte depois de tudo observado, sem perdas de tempo em assuntos triviais, mas aproveitando cada minuto da vida para aspirar a natureza...

Neste dia de chuva, fazes-me ver os raios de sol que trarão os arcos todos (deram-lhes tantos nomes!?)

Transmites paz!...
É assim que eu quero ser quando for grande!(risos)

Um beijo enorme

FERNANDINHA & POEMAS disse...

QUERIDO EDUARDO, BELÍSSIMO TEXTO SOBRE UM TEMA QUE MUITA GENTE TEM MEDO DE ABORDAR... MAS A COISA MAIS CERTA QUE TEMOS NESTA VIDA É A MORTE... PARA MIM É TÃO NATURAL FALAR DE UMA OU DE OUTRA... ADOREI!
UM GRANDE ABRAÇO DE AMIZADE...
FERNANDINHA

LOURO disse...

Amigo Eduardo,

É uma reflexão profundissima, sobre a vida eo caminho que todos percorremos, quer queiramos ou não.
Excelente texto... Gostei!!

Abraço

Lourenço

Carla disse...

viver a vida com a intensidade que ela merece é fundamental...mas pensar na morte, por mais certa que seja ainda é bastante doloroso, principalmente quando atinge aqueles que amo
beijos amigo e parabéns pelo magnífico texto

mundo azul disse...

_____________________________


Bonito, Eduardo!

Belas imagens nesse seu texto...


Beijos de luz e o meu carinho!!!

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LuNAS. disse...

Céus, Eduardo! Quem assim escreve tem uma vivida bem vivida e bem sentida dentro de si! Intenso.
Beijinhos

Maria P. disse...

Cada palavra sentida e um sentir sentido, bonito...

Beijinho, Eduardo*

Anônimo disse...

Muito profundo, muito bem escrito, mas... gosto mais da parte que fala sobre a vida. Não gosto de falar/pensar na morte, ela é certa que venha qtº mais tarde melhor e até lá vivamos alegremente a vida!
Fizeste-me lembrar aquela do "... já bocage não sou..."
Pois, mas lá que é bonito o que escreveste isso é!
Bjs.
Laide

pico minha ilha disse...

Sem palavras!Minha presença perante a vida se manifesta no agora pois puderá ser tarde e me vejo assim a poemar com o depois.Beijinho amigo

Anônimo disse...

Eduardo,

A tua Lai-Si faz-me trocar as letras... até escrevi "Edurado" - quase era "Eldorado"! (é bom deitar as culpas para os outros, não é?)

Agradeço eu as tuas mensagens sempre tão cheias de poesia.

Hoje sempre esteve sol, como eu desejei. Dei um grande passeio.

E, já agora, um beijo (pode ser de Fevereiro...)

Lucy
(não estou no meu computador)

Anônimo disse...

Sinhore;

Nunca bi uma carta tão bem escrita! Escrebeu-a nos tempos mortos da cadeia da Ralação do Porto? Olhe que lhe agradeço munto a dedicação. O nosso amigo Camilo inté ia ficar pasmado! Ele só escrebeu por lá, o Amor da Perdição...

Ainda há bocadinho o bi, ele mandou lembranças pr'a bossemecê e também lhe quer mandar um retrato, mas bai por carta porque pesa munto.

Desta Maria, olhe, arreceba oitro beijo de mosto.

(Desculpe eu ser anarfabeta nas letras, mas de sachola... ninguém me bate.)

Elaine Siderlí disse...

Ainda hoje, querido Edu. ouvi de um amigo a seguinte frase : "Se quiseres morrer, é preciso apenas nascer, mas se quiseres viver é preciso que o faço com o coração, caso contrário apenas terá passado pela vida(quem sabe em vão)"
Seu poema me encanta, é profundo, intenso, real, e vejo a poesia na luz do dia e nos olhos do amor.

Parabéns!

anareis disse...

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