Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
( Enlacemos as mãos )
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Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
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Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.
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Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
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Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quisessemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
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Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Esse momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
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Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-às de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
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E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-às suave à memória lembrando-te assim - à beira rio.
Pagã triste e com flores no regaço.
( Ricardo Reis )
6 comentários:
Enlacemos então as mãos...beijos.
Amores tranquilos, sentados junto do rio, ouvindo todas as vozes que ele tem para lhes cantar... delícia ver assim o rio a passar, mesmo sem mãos para entrelaçar!
Amo o rio, entrelaço-me nele.
Um beijo
Amigo Eduardo!
Como é bom, á beira rio sentados, de mãos enlacadas e trocar beijos e abraços,ouvindo o rio a passar!!!
Abraço
Lourenço
Muito bonito.
Beijinho*
Ao ler este poema apetece ser a Lídia de Ricardo Reis. Um abraço.
Belo e melancólico poema de Ricardo Reis, heterónimo do génio pessoano.
De mãos enlaçadas ou não, ou de mãos isoladas, finas de pouco se cansarem ou gretadas e calosas de muito duro trabalho, a vida passa, corre, sempre, como a água de um rio, a caminho de desconhecido e mais infinito mar que o mar de salsa água, infindo mar de tempo e de abstracta distância, mar de incognoscível eternidade, as pessoas lá vão sendo arrastadas, suavemente ou arrebatadamente, e tal como no rio não se lavam duas vezes as mãos na mesma água, que corre sempre, também na vida não se vive duas vezes a mesma hora, ainda que assim pareça. E enquanto a vida corre e nos vai levando, é preciso amar, ou até só contemplar, em sossego, com tranquilidade, placidamente, e se, de dois seres que se amam ou se admiram, um paga ao sombrio barqueiro o óbolo para atravessar o rio (mitológica alusão ao infernal rio Estige), o outro deverá recordá-lo com suavidade, até doçura, mas sem se ferir, sem se mortificar, sem se suicidar paulatinamente.
Além do poema, este trecho do Guadiana é inesquecível de suavidade, bravura, invernal furor até, margens abruptas, partes de margens planas e ervosas ou arenosas, até cascalhentas, de azenhas ao fundo a norte, eternas, indestrutíveis pela fúria de milhares e milhares de enxurradas.
Um abraço, Eduardo, e as melhoras.
Mírtilo
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