- de Raul de Carvalho
( Alvito, 1920- 1984 )
Leva-me!, ó moreno
peito da beleza,
ó curva silvestre,
soluço selvagem,
macio leito,
quente mão no ombro,
passos silenciosos e miúdos
pela casa abandonada que somos,
aqui onde estamos,
aqui onde esperamos
por ti.
-
Por tuas mãos longas e prometidas,
teus cabelos de orvalho,
tua camisa de dormir feita de luar,
renda de estrelas que os meus olhos cobiçam,
seda que envolve e acalma os músculos,
meu frágil e cintilante corpo da noite.
-
Ó inquieta voz
que me chamas,
ó luz
que me cegas e guias,
ó cuidado maternal comigo,
ó minha miséria e glória,
meu entusiasmo sem motivo,
meu riso sem alegria,
meu amor sem pecado,
ó sangue que segues dormindo confuso,
pequenas gotas brilhantes,
ó vívida e santa e impudica forma de possuir-te,
ó solidão temperada só pela solidão,
ó recurso vão
à seca flâmula,
à morta madeira,
ao álcool esmagado
nas veias,
ó misericórdia
da claridade
abrindo as fechadas
janelas
do nosso abrigo,
-
ó palavra, nua,
deitada, nua,
na areia, nua,
da praia.
ó palavra encostada
no colo das águas,
-
ó aproximação
da confluente
população dos símbolos.
-
ó união
com o miolo das
espécies,
com o alvéolo
leve
das andorinhas,
com o poderoso e louco
porte das águias,
com a altura que geme
na loucura que teme
na nossa ambição de dormir
sobre a terra lavrada e molhada.
-
Ó bênção que me acolhes,
tecto que me cobres,
mão que me conheces,
razão que me compreendes,
olhos que me choram,
saudade que tens, por min,
de um encontro.
-
Ó anjo posto
no pilar da torre,
no túmulo, na estrela,
no lume da fronte humana,
lápide, perfume,
lâmpada e sândalo,
sandália que calças
uns pés nus de virgem.
-
Ó conciliante e conciliadora,
ó irradiante e reveladora,
ó cura completa
da palavra na boca
do poeta
8 comentários:
Boa escolha de um grande poeta da nossa 'Pátria Alentejana' condenado ao silêncio pela lei do 'best seller'.
Um abraço,
PM
Um fabuloso poema...beijos.
Um poema genial. Não sabia que o poeta era alentejano! Gostei imenso de o ler!
"...a altura que geme
na loucura que teme
na nossa ambição de dormir
sobre a terra lavrada e molhada."
Beijo
Cum catano, Zé... nunca mais acababa o poema. É preciso bere qu'eu só sei soletrare!
Gostei munto, inté parece uma declaraçon d'amore! E como este sinhore é alentejano, demora munto a dezê-la... e assinhe bai embalando a gente.
Zé, diz a esse poeta que já le dei a resposta certa.
Arrecebe uma palmada nas costas, por causa de ninguém falar male de nós.
Pedro
É de facto um grande poeta da nossa Pátria Alentejana!
Cada vez acho mais que foi um erro estratégico não termos reiindicado a Independência!
Todos os que quisessem ir para o Algarve teriam de pagar portagem.
Abraço
Ausenda
Vocês, algarvios, sempre nos menosprezaram! E entre vocês, os do litoral eram os bons, e os da serra, os sertanejos, eram sem classificação. Tu és do litoral. és da boa cepa...
Maria da Fonte
Estou-me nas tintas para que digam mal... Nós, alentejanos, estamos habituados. Somos de peito aberto.
Gosti de te ouvire.Foi declaração damori, foi, que é o que nã nos falta na planura.
O Zé do Telhado também é filho de Deus. Nã sabe ler um livro, mas ouve a voz da Natureza. E vive feliz na sua cabana.
Uma bela escolha, Eduardo!
E já agora, viva o Alentejo !
Beijinhos
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