sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Convidado da semana: Luís de Camões

1. Descalça vai para a fonte
Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura;
vai fermosa e não segura.
-
Leva na cabeça o pote,
o testo nas mãos de prata,
cinta de fina escarlata,
sainho de chamalote;
traz a vasquinha de cote,
mais branca que a neve pura;
vai fermosa e não segura.
-
Descobre a touca a garganta,
cabelos de ouro o trançado,
fita de cor de encarnado,
tão linda que o mundo espanta;
chove nela graça tanta
que dá graça à fermosura;
Vai fermosa e não segura.
2. Aquela triste e leda madrugada
Aquela triste e leda madrugada,
cheia toda de mágoa e de piedade,
enquanto houver no mundo saudade
quero que seja sempre celebrada.
Ela só, quando amena e marchetada
saía, dando ao mundo claridade,
viu apartar-se de ûa outra vontade,
que nunca poderá ver-se apartada.
-
Ela só viu as lágrimas em fio,
que de uns e de outros olhos derivadas
se acrescentaram em grande e largo rio.
-
Ela viu as palavras magoadas
que puderam tornar o fogo frio,
e dar descanso às almas condenadas.
3. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.
-
Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem ( se algum houver ), as saudades.
-
O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria,
e, em mim, converte em choro o doce canto.
-
E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía.
4. Fala do velho do Restelo - de os "Lusíadas"
( extracto )
Mas um velho, d'aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
Cum saber só d'experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:
-
" Ó glória de mandar, ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
Cûa aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles exp'rimentas!
-
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Deixas criar às portas o inimigo,
Por ires buscar outro de tão longe,
Por quem se despovoe o Reino Antigo,
Se enfraqueça e se vá deitando a longe;
Buscas o incerto e incógnito perigo
Por que a Fama te exalte e te lisonje
Chamando-te senhor, com larga cópia,
Da Índia, Pérsia, Arábia e de Etiópia!
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5. Amor é um fogo que arde sem se ver
Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
-
É um querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre as gentes;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
-
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
-
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo amor?
( Luís de Camões, 1524 ? - 1580 )

9 comentários:

Maria disse...

Pois, o nosso Luís Vaz...
E agora? Quase todos acertaram, hehehehe

Um beijo

vieira calado disse...

Obrigado por nos trazer o grande épico.

Há aí coisas que eu não lia há séculos.

Um abraço

Paula Raposo disse...

Tão evidente que seria Luís de Camões que pensei mas não disse...tudo isto fez parte das leituras da minha adolescência. Beijos.

gaivota disse...

luís vaz de camões, descalça vai para a fonte,
muito bem!
só por graça (?) a rua onde moro chama-se.........
Rua Luís de Camões!!!
e esta hein?!?!?!?!?!?
beijinhos

FERNANDINHA & POEMAS disse...

Olá querido Eduardo, o teu convidado desta semana, é o nosso Poeta Maior... Desde pequena, que me foi imposto eu ter que estudar os Lusíadas de uma ponta para a outra... Assim fim crecendo e tornei-me Mulher e o nosso Poeta-Mor, faz ainda hoje parte da minha leitura obrigatória como se da Bíblia se trata-se... Obrigada Amigo!
Beijinhos de carinho e ternura,
Fernandinha

Anônimo disse...

Pois é... Camões, o adolescente sem data de nascimento, o estudante algo libertino mas culto, o jovem lírico e ávido de amor, o expedicionário patriótico em África de olho direito perdido por uma espadeirada mourisca, homem de duelos e rixas e com pena de prisão, expedicionário militar valente na Índia, depois em Macau, náufrago na costa do Camboja e salvador, a nado, da sua obra-prima, também obra-prima da lusa poesia, e até do mundo, «Os Lusíadas», que escreveu durante muitos anos, acusado e caluniado por uns e absolvido por outros, homem sofredor de tantas adversidades, por fim a acabar em miserável leito, doente e com fome, e não tanta porque seu fiel companheiro (normalmente dito criado ou escravo) esmolava para ele. Os homens insignes por vezes morrem assim em Portugal.
Um abraço, Eduardo.

poetaeusou . . . disse...

*
Quando me quer enganar
A minha bela perjura,
Pera mais me confirmar
O que quer certificar,
Pelos seus olhos mo jura.
Como meu contentamento
Todo se rege por eles,
Imagina o pensamento
Que se faz agravo a eles
Não crer tão grão juramento.
,
in-vaz de camões
,
um abraço,
,
*

Graça Pires disse...

É de facto o nosso maior poeta. Obrigada e um abraço.

Graça Pires disse...

Camões é o nosso poeta maior. A sua poesia continua actual. Nos nos cansemos de o ler! Obrigada por partilhá-lo com os que gostam de poesia. Um abraço.