quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O silêncio das gaivotas contado pela estrela do mar - continuação (2)

«As gaivotas andam recolhidas - começou ela , após um momento de silêncio. A coisa já dura desde o ano passado, mas o silêncio das gaivotas só aparece com a ordem dada pelas autoridades de despedirem o faroleiro. Ora elas só obedecem ao faroleiro.»
« Tu estás bem?! Com a tua cultura, os teus conhecimentos ... continuas a querer viver nesta poça, neste isolamento? », perguntei.Mas sem resposta.
« As gaivotas nasceram para voar, pescar e serem livres. Agora, querem dar-lhes outras funções! »

À medida que falava, os mexilhões aproximavam-se com respeito e os ouriços deslocavam-se imperceptivelmente na direcção da estrela , que, no seu cantinho, apenas movia a boca no centro do seu corpo . A água na poça era transparente, reflectia o azul do céu e tremia de modo permanente devido aos movimentos dançantes dos filamentos da planta marinha.

« Mas que outra funções»?, perguntei, intrigado.
« É preciso conhecer a história destes bichos, que são livres, e não domesticáveis. Não são bichos fáceis. Nunca foram. Só há coisa de uma centena de anos é que existe paz na costa , e em concreto nesta costa, oeste. São bichos de culturas diferentes. De saberes diferentes. Uma gaivota de Peniche é diferente de uma gaivota de Santa Cruz...»

« Pois sim, mas... falaste em funções , falaste em faroleiro...»
« Falei em faroleiro porque elas só obedecem aos faroleiros. Foram os faroleiros da costa que pacificaram o mundo das gaivotas. Só eles, aliás, o poderiam ter feito, porque receberam o conhecimento das gaivotas como herança dos seus antepassados. E elas sabem. E elas amam os faroleiros, mesmo que com eles discutam. Acabaram as guerras a partir do momento em que lhes foram distribuídas praias e rochedos, isto é, zonas para elas morarem. Onde têm morado e vivido, felizes, até ao dia em que foram chamadas ao faroleiro e este lhes disse ter recebido ordens superiores de que o mundo das gaivotas devia mudar radicalmente...»

« Mas quem manda no faroleiro, e qual o motivo da mudança? », perguntei, confuso.

« Quem manda no faroleiro é o chamado Ministério da Onda , que antes nunca se meteu nestes assuntos do mar, mas que agora vem dizer que com a globalização , não sei que mais, das questões marinhas e dos requisitos da excelência, coisas assim... as regras passaram a ser universais e a abranger drasticamente o mundo das gaivotas...
A bicharada na poça dizia que sim com as cabeças, os mexilhões abriam e fechavam as suas conchas de cor escarlate, os ouriços tinham os espinhos mais eriçados, as lapas descolaram levemente as suas conchas , mostrando os olhos aquiescentes, e os peixinhos navegavam parados, com a atenção suspensa...

« Desculpa lá, mas qual o motivo invocado pelo faroleiro para não cumprir a ordem?
« O faroleiro não cumpre essa ordem, e não cumprindo, pode ser afastado », esclareceu a estrela.
« Mas que ordem é essa e a que funções te referes? E qual o motivo por que as gaivotas estão escondidas e não aparecem nas praias? »
Aqui ela fez silêncio. O silêncio dela foi acompanhado por ligeira crispação dos corpos dos bichos em redor e reparei na paragem súbita da dança dos filamentos da planta marinha. Senti que o assunto era delicado e que a estrela precisava de medir as palavras. Seguindo o seu olhar, vi, no cimo das arribas, duas gaivotas adultas, que nos olhavam, denunciando que estavam ali desde o princípio atentas à nossa conversa.
- É melhor continuarmos a conversa noutro dia... - sibilou a estrela, olhando-me com aquele ar conspirativo, que herdou dos tempos antigos, quando militou no MRPP...
- Mas..
-É por causa da maré. - esclareceu - Está a subir. Podes ficar isolado e não teres tempo para saltares dos rochedos para o areal
- Ate manhã - despedi-me eu.
- Até.... - acenou-me ela, levantando a pontinha de uma das suas hastes de estrela, que logo se recolheu, para se proteger das primeiras águas trazidas por uma onda da enchente.
NOTA: A continuação, ou não, desta estória, depende da natureza, confidencial ou não , do que tenha para ouvir da parte da estrela do mar...)
Eduardo Aleixo

10 comentários:

Carla disse...

linda esta história...de uma triste realidade que se pode aplicar a tantas outras profissões...aguardo outras confissões
beijos

Graça Pires disse...

Uma sábia estrela do mar que sabe que a liberdade e o maior dos bens.
Fico ansiosa a aguardar o resto da história.
Um abraço.

Paula Raposo disse...

Não pode ser confidencial e por isso a história tem que ter continuação...beijos. Gostei.

Poemas de amor e dor disse...

Muito bonito! Já escutei uma história semelhante às bonitas sereias... que param na minha praia do Meco.
Um abraço
Rogério

Maria disse...

Com que então militou nos tempos antigos no MRPP... tinhas mesmo que meter isto aqui?
:))))
Olha, a confidencialidade agora vale ouro! Que o digam os banqueiros e governantes e amigos deles....

:))))
Um beijo

FERNANDINHA & POEMAS disse...

Olá querido Eduardo, bela história... Também espero a continuação... A tua criatividade está em maré alta... Beijinhos de carinho e ternura,
Fernandinha

Unknown disse...

Maria

Como acho te vou conhecendo! Se fosses alentejana, dir-te-ia: que grande magana!
Bj.
EA

Unknown disse...

POemas de amor e dor

Que boa a sua visita. Tb o visitei, mas não vi lugar para deixar o meu " dizer". Sou um inapto tecnológico.
EA

Unknown disse...

Carla
Graça
Paula
Fernanda

Obrigado pelo acompanhamento da história. Graça, tens razão: a estrela é mesmo uma amante da liberdade.
EA

poetaeusou . . . disse...

*
o MRPP,
gostei . . .
será o durão barroso ?
,
abraço,
,
*