1. falta por aqui uma grande razão
uma razão que não seja só uma palavra
ou um coração
ou um meneio de cabeças após o regozijo
ou um risco na mão
ou um cão
ou um braço para a história
da imaginação
-
podemos pois está claro
transferir-nos
imaginar durante um quarto de hora
os séculos que virão
- os séculos um
e dois
da colonização -
depois
depois é este cair na madrugada ardente
na madrugada de constantemente
sem sol
e sem arpão
-
faltas tu faltas tu
falta que te completem
ou destruam
não da maneira rilkeana vigilante mortal solícita e obrigada
- não, de nenhuma maneira resultante!
nem mesmo o amor
não é o amor que falta
-
falta uma grande realmente razão
apenas entrevista durante as negociações
oclusa na operação do fuzilamento cantante
rodoviária na chama dos esforços hercúleos
morta no corpo a corpo do ismo contra ismo
-
falta uma flor
mas antes de arrancada
-
falta, ó Lautréamont, não só que todo o figo coma o seu burro
mas que todos os burros se comam a si mesmos
que todos os amores palavras propensões sistemas de palavras e
de propensões
se comam a si mesmos
muitas horas por dia até de manhã cedo
até que só reste o a o b e o c das coisas
para o espanto dos parvos
que aliás não estão a mais
-
isso eu o espero
e o faço
junto à imagem da
criança morta
depois que Pablo Picasso devorou o seu figo
sobre o cadáver dela
e longas filas de bandeiras esperam
devorar Picasso
que é perto da criança, ao lado da boca minha
2. no país no país no país onde os homens
são só até ao joelho
e o joelho que bom é só até à ilharga
conto os meus dias tangerinas brancas
e vejo a noite Cadillac obsceno
a rodar os meus dias tangerinas brancas
para um passeio na estrada Cadillac obsceno
-
e no país no país e no país país
onde as lindas lindas raparigas são só até ao pescoço
e o pescoço que bom é só até ao artelho
ao passo que o artelho, de proporções mais nobres,
chega atingir o cérebro e as flores da cabeça,
recordo os meus amores liames indestrutíveis
e vejo uma panóplia cidadã do mundo
a dormir nos meus braços liames imdestrutíveis
para que eu escreva com ela, só até à ilharga,
a grande história do amor só até ao pescoço
-
e no país no país que engraçado no país
onde o poeta o poeta é só até à plume
e a plume que bom é só até ao fantasma
ao passo que o fantasma - ora aí está -
não é outro senão a divina criança ( prometida )
uso os meus olhos grandes bons e abertos
e vejo a noite ( on ne passe pas )
dia que grandeza de alma. Honestos porque.
Calafetagem por motivo de obras.
É relativamente queda de água
e já agora hã muito não é doutra maneira
no país onde os homens são só até ao joelho
e o joelho que bom está tão barato
3. poema podendo servir de posfácio
ruas onde o perigo é evidente
braços verdes de práticas ocultas
cadáveres à tona de água
girassóis
e um corpo
um corpo para cortar as lâmpadas do dia
um corpo para descer uma paisagem de aves
para ir de manhã cedo e votar muito tarde
rodeado de anões e de campos de lilases
um corpo para cobrir a tua ausência
como uma colcha
um talher
um perfume
-
isto ou o seu contrário, mas de certa meneira hiante
e com muita gente à volta a ver o que é
isto ou uma população de sessenta mil almas devorando almofadas
escarlates a caminho do mar
e que chegam, ao crepúsculo,
encostadas aos submarinos
-
isto ou um torso desalojado de um verso
e cuja morte é o orgulho de todos
ó pálida cidade construída
como uma febre entre dois patamares!
vamos distribuir ao domicílio
terra para encher candelabros
leitos de fumo para amantes erectos
tabuinhas com palavras interditas
- uma mulher para este que está quase a perder o gosto à vida -
tome lá -
dois netos para essa velha aí no fim da fila - não temos mais -
saquear o museu dar um diadema ao mundo e depois obrigar a
repor no mesmo sítiio
e para ti e para mim, assentes num espaço útil,
veneno para entornar nos olhos do gigante
isto ou um rosto solitário como barco em demanda de
vento calmo para a noite
se nós somos areia que se filtre
a um vento débil entre arbustos pintados
se um propósito deve atingir as suas margens como as correntes
da terra náufragos e tempestade
se o homem das pensões e das hospedarias levanta a sua fronte
da cratera molhada
se na rua o sol brilha como nunca
se por um minuto
vale a pena
esperar
isto ou a alegria igual à simples forma de um pulso
aceso entre a folhagem das mais altas lâmpadas
isto ou a alegria dita o avião de cartas
entrada pela janela saída pelo telhado
ah mas então a pirâmide diz coisas?
então a pirâmide é o segredo de cada um com o mundo?
sim meu amor a pirâmide existe
a pirâmide diz muitíssimas coisas
a pirâmide é a arte de bailar em silêncio
-
e em todo o caso
-
há praças onde esculpir um lírio
zonas subtis de propagação do azul
gestos sem dono barcos sob as flores
uma canção para ouvir-te chegar
( Cesariny, in " UMA GRANDE RAZÃO - Os poemas maiores " )
10 comentários:
É um bom convidado.
Quem gostaria de o ler aqui seria o seu amigo de estimação, e meu amigo, Luiz Pacheco...
Obrigada por esta partilha de Cesariny.
Um beijo
Muito bonito o que você postou aqui! Ele foi realmente um grande escritor...
Gostei, gostei muito!
Beijos de luz e o meu especial carinho...
Olá querido Amigo, um belíssimo convidado, adoro a sua escrita...
O teu post, está mágnifico... Beijinhos de carinho,
Fernandinha
Boa escolha. Curioso, amanhã estarei num Curso de Leitura do Texto Literário onde também será ele o "convidado".
Bom fim-de-semana, beijinho*
Não falta nada a estes poemas de Cesariny. O 1º poema é magnífico. É dos poemas deste poeta que eu mais gosto. Obrigada pela partilha. Um abraço.
Olá querido Eduardo, um bom convidado e uma belíssima postagem... Bom Sábado... Beijinhos de carinho,
Fernandinha
Foi bom encontrar Cesariny e tão bem acompanhado...
Bom fim de semana.
Não há nada mais fascinante e cativante do que conhecer in loco novas culturas.
Assim o fiz mais uma vez.
Sou uma privilegiada, Deus tem sido meu Amigo por me proporcionar momentos tão magníficos.
Consegui realizar mais um sonho na minha vida.
Noutras áreas a coisa não corre muito bem, mas a Esperança é a última a morrer, continuo diariamente na luta por aquilo que quero, hei-de conseguir.
Beijinhos.
Boa semana.
Também regresso HOJE depois de 12 dias ausente.
MUITO OBRIGADO PELA PARTILHA DE MÁRIO CESARINY.
Eduardo!
Bem escolhido! Os versos falam por si e portanto não tenho sequer que tecer qualquer comentário.
Ah! O Award não é do blog Mariz, mas sim do blog "Sou Pó e Luz"...
fizo reparo porque o nome tem mais força...
E...já li tambem... que não me "anda a seguir"! - ao blog, claro!
Abraço
ESPAVO!
*
Há palavras de vida há palavras de morte
Há palavras imensas,que esperam por nós,
,
in-mário cesariny
,
abraço,
,
*
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