


( Obrigado, Arlindo, pelo envio destas lindas modas da nossa terra )
E evoco, então, as crónicas navais:
mouros, baixeis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!
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E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
e em terra num tinir de louças e talheres
flamejam ao jantar alguns hotéis da moda.
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Num trem de praça arengam dois dentistas;
um trôpego arlequim braceja numas andas;
os querubins do lar flutuam nas varandas;
às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!.
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Vazam-se os arsenais e as oficinas;
reluz, viscoso, o rio; apressam-se as obreiras;
e num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
correndo com firmeza, assomam as varinas.
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Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
e algumas, à cabeça, embalam nas canastras
os filhos que depois naufragam nas tormentas.
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Descalças! Nas descargas de carvão,
desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
e apinham-se num bairro aonde miam gatas,
e o peixe podre gera os focos de infecção!
(Cesário Verde: o Livro de Cesário Verde)
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Depoimento ( poema ) de Alberto Caeiro sobre Cesário Verde: Ao entardecer, debruçado pela janela,e sabendo de soslaio que há campos em frente,
leio até me arderem os olhos
o livro de Cesário Verde.
Que pena que tenho dele! Ele era um camponês
que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
e o modo como reparava nas ruas,
e a maneira como dava pelas cousas,
é o de quem olha para árvores,
e de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
e anda a reparar nas flores que há pelos campos...
Por isso ele tinha aquela grande tristeza
que ele nunca disse bem que tinha,
mas andava na cidade como quem anda no campo
e triste como esmagar flores em livros
e pôr plantas em jarros...
( Alberto Caeiro : " O Guardador de Rebanhos - poema III )
Tudo se calou fora e dentro de mim! O que está a acontecer? O que está mudando? O que está crescendo? Pergunto ao vento. Pergunto ao silêncio. Fico sem resposta. Aguardo no tempo!… Eduardo Aleixo
Era depois dentro de uma outra noite .
Irresolvido olhar, inteira a mágoa. Desejar uma luz
reconstruindo os rios. As duas rochas: quase igual
beleza, as duas margens: de uma sombra igual.
E assim, ao estar em espaço de entre-
-margens, entrever outro tempo,
outro lugar.
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Só quando o coração percebe, em
sobressalto, que é possível amar entre
dois rios, amar ambos os rios, esses que vão.
E ficam. Quando a chegada pode ser a mesma,
simultânea e idêntica. É quando estar na noite pode ser
saber estas verdades
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Podia terminar, dizer agora:
não usava Odisseu fotografia
para lembrar a face recordada.
Ao viver entre as noites da memória,
saber que saber tudo: igual a saber nada,
que o fim igual à génese de tudo.
De calcário ou granito enfeitar coração.
E ficar entre amar.
Ana Luísa Amaral
( Entre dois rios e outras noites )
O homem é macio e frágil quando nasce
Na hora da morte torna-se hirto e rijo
Plantas e árvores são débeis quando crescem
Ficam murchas e secas na hora de morrer
Assim
A dureza e a robustez são próprias da morte
Enquanto a macieza e a fragilidade
são próprias da vida
Portanto
Os fortes exércitos acabam destroçados
As árvores que crescem robustas
não resistem aos golpes do machado
O que é forte e rígido
Situa-se num plano inferior
O que é macio e frágil
Ficará num plano superior.
Mas é do interior da roda
Que o uso da carruagem depende
Usa-se argila para moldar um vaso
Mas é do seu oco interior
Que o vaso se torna útil
Portas e janelas são recortadas
Para embelezarem uma sala
Mas é do espaço vazio do seu interior
Que a utilidade da sala depende
Portanto
Embora o Ser pareça importante
É o Não-Ser que se torna realmente
Valioso.
( Foto Google )
( Poemas retirados da obra acima ilustrada )