terça-feira, 2 de setembro de 2008

Entre dois rios e muitas noites

I do not know much about gods. But I think that the river
Is a strong brown god.
T. S. Eliot, " Four quartets"
Era de noite. A chuva sem doçura. A estrada tão diferente das estradas a sul deste outro rio. A saudade parada durante muito tempo, nas noites sem doçura, como a chuva. Era de noite e eu não sabia nada. --------------------------------------- Entre as duas paisagens, entre os dois rios mais físicos que tudo, partiram, as gaivotas, eu perdi-me. Sem pertencer jamais a uma paisagem própria. Mas o olhar que fala, fala de um ponto outro. E sabe perspectivas de tempos menos planos, tem sempre cores diversas, muitos fios, basta Odisseu para as desconjuntar. ------------------------------------------------------ Era depois mais tarde. O cheiro da cidade na viagem, antecipando o Sul, o outro rio. Chegar de noite. Os cheiros da cidade. E aportar depois na doçura das coisas. Assim me parecia ----------------------------------------------- Se me sento a jusante, as outras margens soam-me mais caras, de maior arvoredo do que aquelas que piso: e o mesmo quando troco de visão: mais bela a outra margem aquela onde não estou -------------------------------------------------

Era depois dentro de uma outra noite .

Irresolvido olhar, inteira a mágoa. Desejar uma luz

reconstruindo os rios. As duas rochas: quase igual

beleza, as duas margens: de uma sombra igual.

E assim, ao estar em espaço de entre-

-margens, entrever outro tempo,

outro lugar.

--------------------------------------------------------

Só quando o coração percebe, em

sobressalto, que é possível amar entre

dois rios, amar ambos os rios, esses que vão.

E ficam. Quando a chegada pode ser a mesma,

simultânea e idêntica. É quando estar na noite pode ser

saber estas verdades

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Podia terminar, dizer agora:

não usava Odisseu fotografia

para lembrar a face recordada.

Ao viver entre as noites da memória,

saber que saber tudo: igual a saber nada,

que o fim igual à génese de tudo.

De calcário ou granito enfeitar coração.

E ficar entre amar.

Ana Luísa Amaral

( Entre dois rios e outras noites )

9 comentários:

Graça Pires disse...

Tenho andado a ler e a reler este livro de Ana Luísa Amaral. Acho-o muito belo, como belos são os poemas aqui encontrados.
Um abraço.

Unknown disse...

Graça

Um abraço. Parece que estou a acertar com os seus gostos.

EA

Evasões disse...

Uma poetisa genial. Uma obra fabulosa.
Beijinhos

Unknown disse...

Mia


De acordo.
Grato pela visita.
Beijinhos.
Eduardo

Maria P. disse...

Creio que estás mesmo a acertar nas escolhas...

Beijinho*

Unknown disse...

Maria P.

Ainda bem.
Beijo.
EA

poetaeusou . . . disse...

*
não dá para inventar,
se não dizer boa escolha,
,
saudações
,
*

Unknown disse...

Poetaeusou

Não dá, não.
Dou eu...um abraço.
EA

Paula Raposo disse...

Adorei!! Dá para sentir a escrita...