quinta-feira, 31 de julho de 2008

Pensamento

Eu admiro a mulher que um dia me disse no café: "Não me arrependo de nada do que fiz e faço até hoje. Amo, quando sinto em mim o amor brotar, e eu não quero deixar de espalhar esse amor pelos que me rodeiam... Choro, quando sinto o meu coração apertado e triste e eu não posso deixar que os meus olhos contenham as lágrimas que o exprimem... Os outros? O que eles pensam não interessa! Impaciento-me quando as coisas que me rodeiam não correm como desejo, e tenho medo, mas esse também o mostro com coragem. E rio, e olho para o mundo como uma criança, quando é a parte de mim mais autêntica que fala, e eu não quero apagar essa pureza, por muito que caia mal aos "olhos" de quem me vê... E o tempo passa, apesar de todos o quererem conter, E eu não me quero nunca arrepender da vida que não tive e do que ficou para trás por Ser..." Beijos Rita

A Banca, grande diminuição de lucros!

Vem hoje nos jornais: os lucros dos 4 maiores bancos, neste semestre, atingiram um valor conjunto de 647,9 milhões de euros, menos 43% do que os 1139,2 milhões do mesmo período do ano passado.
Estes números mostram bem os valores enormes dos lucros atingidos pela Banca em comparação com a escassez financeira da esmagadora maioria das famílias portuguesas.
Houve uma diminuição de lucros, que passaram, no entanto, para um valor ainda astronómico: 647,9 milhões de euros, astronómico para um país de gente pobre como é o nosso.
O BES lucrou menos 28%, nos 264,1 milhões de lucros que teve. Quer dizer que o BES deixou de ganhar aquela importância, que fica, pelos vistos, a fazer-lhe falta, muita falta, habituado como está a ganhar muito mais!

O mesmo se diga dos restantes bancos.

Ricardo Salgado apareceu no telejornal da noite de ontem, com um ar naturalmente preocupadíssimo. Mas já trazia a receita na ponta da língua: necessidade de redução de pessoal ( parece que através de reformas antecipadas ) como forma de compensação daquela perda de lucros!.

Sim, porque não se trata de prejuízos, mas de diminuição de lucros!
Está-se mesmo a ver: mais um pretexto para a redução de pessoal e quanto muito para a admissão de gente jovem, mas com contratos precários e recibos verdes.

É o que está a dar. O que seria se em vez de diminuição de ganhos fossem mesmo prejuízos? Eduardo Aleixo

Poeta convidado da semana : Paul Éluard

Casa do poeta
Ela surge...
Ela surge - mas só à meia-noite, quando todos os pássaros brancos fecham as suas asas sobre a ignorância das trevas , quando a irmã das miríades de pérolas oculta as mãos na sua cabeleira morta, quando o triunfador se compraz na volúpia dos soluços, cansado das suas devoções à curiosidade, máscula e esplêndida armadura de luxúria. Ela é tão meiga que o meu coração se transforma. Eu temia as grandes sombras que tecem os tapetes do jogo e os vestidos, tinha medo das contorções do sol ao cair da noite, dos inquebráveis ramos que purificam as janelas de todos os confessionários onde as mulheres adormecidas nos esperam.
Ó busto de memória, erro de formas, linhas ausentes, chamas extintas dos meus olhos cerrados, estou perante a tua graça como uma criança na água, como um ramalhete de flores num grande bosque. Nocturno, o universo move-se no teu calor e as cidades de ontem têm gestos de rua mais delicados do que a flor do espinheiro, mais impressionantes do que a hora. A terra ao longe multiplica-se em sorrisos imóveis, o céu envolve a vida: um novo astro do amor desponta em todos os horizontes, e eis que os últimos sinais da noite se desvanecem.
( Capital de la Douleur, 1926 )
- Algumas das palavras - de Paul Éluard

quarta-feira, 30 de julho de 2008

O remorso mal emendado

Da autoria de Baptista - Bastos, escritor que admiro muito, com o título em epígrafe, transcrevo, para o blogue, o seguinte artigo, publicado no Diário de Notícias de hoje, por me parecer importante. O escritor em apreço não se importará que proceda à divulgação das suas palavras:

" Ouvi, atentamente, as declarações de João Cravinho sobre a corrupção infrene em Portugal, complementadas pelas gravíssimas acusações à legislação, que ele entende pejada de " factos anómalos". Tenho consideração pelo ex-deputado do PS, que nunca fora homem de tagarelices. A sua história está associada à da minha geração, levemente ingénua e um pouco tonta, iluminada pela contemplação de uma finalidade, que entendia o fascismo como monstruosa simulação e o futuro como a correcção de todos os males.Extraíamos, da nossa consciência, a fidelidade a um projecto político que recuperasse as verdades entrevistas nas nossas leituras comuns. Éramos novos e não nos desconcertávamos com os revezes que a História, deusa cega, nos infligia. Entre os poucos livros honestos, até hoje publicados, sobre essa geração, avulta um: Os Anos Decisivos - Portugal 1962-1985: Um testemunho, de César Oliveira, Editorial Presença, 1993. Nele se poderá aferir das traições aos testamentos legados, dos poucos que permaneceram no cumprimento de uma certa condição e dos muitos que desistiram e rodam em outros carris.
A lista dos nomes que personificavam um sonho de reabilitação colectiva e se opunham à violência da " ordem" salazarista é o dramático retrato de muitos que foram e deixaram de o ser. Recordei esta fraternidade altiva depois das declarações de Cravinho , personagem do livro de César Oliveira. E reconheço que pecam por tardias e inexistem como significado, porque o carácter do documento era já conhecido. Ele aceitou as regras do jogo , cedeu à pressão e acedeu a um cargo ( indicado pelo PS ) na direcção do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento ( ??? ), mora em Londres e libertou-se do ofício de ser português em Portugal. Foi o que foi: hoje, é o que é. Este fardo não é meu. Cravinho pode aludir à ausência de independência dos outros, quando a sua não será tão virtuosa quanto seria desejável? É claro que nunca proclamou ser um homem justo; todavia, sempre o aparentou: eis porque a ida para Londres configura o abandono sem perdão de um combate e uma forma fácil de governar a vida. Vou a Camus: " Pode, realmente, pregar a justiça aquele que não consegue sequer fazê-la reinar na sua vida? "
Fica, desta história, a sensação de um remorso mal emendado. Há uma patética procura do equilíbrio perdido e uma fuga ao real, ilustradas por alguém que precisa de se justificar. Escrevo estas palavras isento de qualquer exaltação inútil. Mas a natureza dos factos recentes leva-me a considerar que os sonhos de Abril têm resultado na demonstração revoltante da cupidez de muitos daqueles que, afinal, estavam a investir no futuro pessoal.
Quanto à resposta de Alberto Martins, não passa de uma desgraça sentada em cómoda poltrona. "
Baptista-Bastos

Acordaste.

Bastou uma palavra.
Nem isso:
Um simples gesto de amor!
Acordaste,
Abriste a janela,
Sorriste:
A vida tem outra côr!
Eduardo Aleixo

terça-feira, 29 de julho de 2008

Dois poetas para lembrar sempre

Pedro Correia publicou no Diário de Notícias, do dia 26 de Julho, este artigo, em memória de Jorge de Sena e de Ruy Belo e não se importa, certamente, que eu o transcreva no " À Beira de Água".
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Dois poetas. Dois espíritos superiores que andam escandalosamente esquecidos.Morreram faz agora 30 anos: Jorge de Sena ( 1919-78 ) e Ruy Belo ( 1933-78). Inconformistas, ambos exilados - um no exterior, outro no interior. Sem grupos ou capelinhas, habituados a arremeter contra ventos e marés. E acima de tudo dois excelentes poetas - do melhor que tivemos, não apenas no século XX, mas em toda a história da literatura portuguesa.
Partiram ambos demasiado cedo, ainda com muitos livros por escrever. Primeiro, Sena, um dos mais corajosos resistentes à ditadura salazarista, com a qual não transigiu em circunstância alguma - ele que era um adversário acérrimo de toda a espécie de ditaduras. Exilado no Brasil, por decisão própria, Viria igualmente a abandonar este país quando a ditadura militar se instalou em Brasília, acabando por fixar-se em Santa Bárbara, Califórnia, onde ainda hoje residem a sua viúva, Mécia de Sena, e vários dos seus nove filhos.
Sena distinguiu-se como tradutor ( de Malraux a Hemingway, por exemplo ), crítico literário, antologiador, ficcionista e dramaturgo. Mas sobretudo como admirável poeta - uma das mais originais vozes portuguesas das últimas décadas.Dele é por exemplo este fabuloso Camões dirige-se aos seus contemporâneos :

" Podereis roubar-me tudo:/ as ideias, as palavras, as imagens,/e também as metáforas, os temas, os motivos/os símbolos, e a primazia/nas dores sofridas de uma língua nova/no entendimento de outros, na coragem/de combater, julgar,de penetrar/em recessos de amor para que sois castrados./E podereis depois não me citar,/suprimir-me, ignorar-me,aclamar até/outros ladrões mais felizes./Não importa nada: que o castigo/ será terrível. Não só quando/vossos netos não souberem já quem sois/terão de me saber melhor ainda/do que fingis que não sabeis,/como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,/reverterá para o meu nome.E mesmo será meu,/tido por meu,contado como meu,/até mesmo aquele pouco e miserável/que, só por vós, sem roubo,haveríeis feito./Nada tereis, mas nada: nem os ossos,/que um vosso esqueleto há-de ser buscado,/para passar por meu.E para outros ladrões,/iguais a vós, de joelhos,porem flores no túmulo."

Ou a célebre Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya:

" Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes/aquele instante que não viveram,aquele objecto/que não fruíram, aquele gesto/de amor, que fariam "amanhã"./E,por isso,o mesmo mundo que criemos/nos cumpre tê-lo com cuidado,como coisa/que não é nossa,que nos é cedida,/para a guardarmos respeitosamente/em memória do sangue que nos corre nas veias,/da nossa carne que foi outra,do amor que/outros não amaram porque lho roubaram."

Ruy Belo foi igualmente um dos mais singulares nomes da poesia portuguesa. Ribatejano, de Rio Maior, celebrou em verso o campo e a cidade, o seu tempo e todos os tempos, o passado e o futuro, o corpo e a alma, o rincão natal e o universo sem fronteiras. Profundamente cristão, tal como Sena, mas descrente das várias igrejas, sem jamais deixar e confiar no Homem.É também o poeta da luz solar- em permanente rebelião contra o tempo crepuscular em que viveu.E foi afinal num Verão bem quente que o seu coração desistiu de bater, quando ainda havia tanto a esperar do seu talento.

Ruy Belo tem inúmeros poemas de uma qualidade ímpar- quase todos os de Homem de Palavra(s), por exemplo. Mas o de que mais gosto é do longo poema A Margem da Alegria, dedicado aos amores de Pedro e Inês - o mais belo e trágico romance de todos os tempos em Portugal:

" O mistério dos mares tenebrosos tem ali silêncios rasos/navegantes de pé entre o dossel do céu e a cama da maré/jazem serenos hoje nessa lousa onde o tempo apenas pousa/e só com a minha lâmina de aço língua de toledo os ameaço/no túmulo deitada Inês parece a própria placidez/ela que em vida ouvindo alguém chamar/julgava respirar esse cheiro envolvente português/dos laranjais e jamais a nave donde nunca mais/havia de sair não já para criança inaugurar/o dia a dia o vasto espaço onde cada folha/dos plátanos e até canas e oliveiras/valem humildemente mais do que a melhor palavra minha."

Dois grandes autores desaparecidos há três décadas.Façamos tudo para que a obra de ambos não sucumba à pior das mortes literárias: a do esquecimento premeditado. Fartos de figuras menores andamos todos nós."

Pedro Correia

( In Diário de Notícias, 26/7/2008 )

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O " À Beira de Água " concorda com Pedro Correia e com este "post" o que pretende é lembrar estes dois grandes poetas. Que eles nunca sejam esquecidos na voragem do tempo...

Eduardo Aleixo

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Cantiga - e BOM FIM DE SEMANA

Fui colher uma romã
Estava madura no ramo
Fui encontrar no jardim
Aquela mulher que eu amo
Aquela mulher que eu amo
Deu-me um aperto de mão
Estava madura no ramo
E o ramo caiu ao chão.
( Cantiga do Baixo-Alentejo )
Nota: cantiga muito antiga. A gente cantava-a, na adolescência, nas noites quentes do Alentejo ..."pra elas ouvirem". Ainda apanhei o tempo de se namorar à janela. De se "pedir namoro": ritual chato, às vezes dramático, ter de decorar as frases: um dia, de tanto decorar, cheguei ao pé dela, que estava a apanhar a "camioneta da carreira" , e tinha pressa, e estava à espera "que eu me declarasse", e eu fiquei nervoso que sei lá, e só saiu: está uma tarde quente, não está? E foi assim que começámos o namoro, após o sorriso sábio dela... De se escreverem cartinhas e bilhetinhos que eram entregues a amigas intermediárias, que, "maganas", os liam, e de tudo sabiam, e nós, ingénuos, novinhos no amor,sem sabermos que essas nos amavam, ou vinham a aprender a amar-nos. Era o tempo em que os padres, do altar para baixo, sabendo dos namoricos, com os dedos espetados, na direcção dos interessados, ou dos pais dos interessados, faziam alusão a maus comportamentos que havia nos jovens, já influenciados, tão novos, pelo poder do demónio. Era o tempo dos pecados, mortais e veniais. Mas isso mais prazer nos dava para cantarmos para elas, debruçadas à janela, e a sonhar, tal como nós tínhamos visto no cinema, com o primeiro beijo.
Na cantiga fala-se em aperto de mão. É belo poeticamente. Mas também de certo modo corresponde à mentalidade da época. A romã simboliza a fertilidade. Vocês já viram a quantidade de bagos dentro dela? Mas também, a meu ver, o mistério: quem sabe o que está dentro da romã? E o prazer de comer os seus bagos depois do labor paciente de descascar a pele grossa, de retirar com cuidado a pele delicada, que protege os alvéolos, onde o tesouro se esconde...
Sim, é uma cantiga bonita. Que a gente cantava nas noites quentes do Alentejo...
Eduardo Aleixo

Onde estão as minhas vestes?

Um meteorito caiu
Montado nele vim eu
Que notícias de Infinito
Que anos perdidos de ceu !
Foi ilusão pretender
Ser dono do paraíso
Contar histórias encantadas
De noites sem voz e sem riso ...
Um meteorito caiu
Montado nele vim eu
Onde estão as minhas vestes?
Nem na terra nem no ceu!
Eduardo Aleixo

Poeta convidado: José Gomes Ferreira

1. ( Num carro para Campolide. Dia sexual )
Uma mulher de carne azul,
Semeadora de luzes e de transes,
Atravessou o vidro
E veio, voadora,
Sentar-se ao meu colo
Na nudez reclinada
Dum desdém de espelhos.
( Mas que bom! Nimguém suspeita
Que levo uma mulher nua nos joelhos.)
2. ( Arte poética )
Liberdade
É também vontade.
Benditas roseiras
Que em vez de rosas
Dão nuvens e bandeiras.
José Gomes Ferreira - Poesia III

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Palavras belas: que sejam úteis!

Palavras belas:
Que sejam úteis!...
Os passos que dê :
Sejam como arados
Na terra grata,
De grãos pesados.
Diga casa,
Com mãos quentes
De amor
E de suor.
E diga amada:
O vento trema de emoção,
E 0 sol fique cheio de inveja!...
Eduardo Aleixo

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Lavaste as mágoas

Vives leve
Como se voasses
Fio de luz
Uniu em ti
O céu
Ao ventre da mãe terra.
Aí,
Nas águas puras do ser
Lavaste as mágoas
Que de volta
Já são asas.
Eduardo Aleixo

terça-feira, 22 de julho de 2008

Longe de ser eu.

Longe de ser eu
As águas não são claras
Mesmo que o poema seja belo
E o beijo seja ardente.
Longe de ser eu
Estou longe da Nascente.
Eduardo Aleixo

segunda-feira, 21 de julho de 2008

O PICO ( escrito de S. Tomé, pela Rita )

Este fim-de-semana fui ao Pico de São Tomé e Príncipe, cuja altura é de sencivelmente 2000 metros. Depois de uma semana de trabalho extenuante, com a cabeça a latejar, e numa ilha onde não se pode fugir para muito longe, decidi partir para o cume mais alto, para daí poder abstrair-me de tudo e conhecer o mais interior desta ilha encantada. Parti bem cedo, ás 5h, com uma amiga portuguesa, dois franceses, um santomente, mais o guia e o carregador. Fomos de taxi até ao Jardim Botânico e daí partimos a pé para o interior montanhoso. Essa travessia teve início ás 8h da manhã e só terminou ás 4.30 da tarde...Que posso dizer? Foi realmente um desafio físico e psicológico brutal. Pois para além de ser uma caminhada dura, tivemos que enfrentar um dia de chuva e névoa, em caminhos no meio de uma vegetação intensa, com passagens a trepar, a subir e a descer constantemente. Mas valeu o esforço. Não pelo que se podia observar lá de cima, pois estava um nevoeiro intenso (dizem que tem uma vista fantástica, pois pode-se ver os dois lados da ilha, desde as Rolas até Neves), mas pelo desafio em si mesmo, de esforçar as nossas capacidades até ao limite. Acampámos lá em cima, fizemos uma fogueira e pareciamos estar numa acampamento de ciganos, com mantas, roupa, panelas, tudo à volta para nos aquecermos da humidade e frio que se fazia sentir à noitinha. Aí tivemos o privilégio de ter a lua cheia por companhia com o céu estrelado em cima de nós - no meio de mais nada senão a natureza. No outro dia bem cedo - ás 7h - começámos a descida pelo outro lado das montanhas. Foi um desafio ainda mais duro, pois os músculos já estavam cansados e a descida era sempre íngreme (não recomendável para quem tem vertigens e problemas cardiacos). No final já tudo me doía e cada passo era um esforço assinalável. Só chegámos a Neves, onde um taxi nos esperava, por volta das 3.30h...Eu nem queria acreditar! Quando vi pessoas, quase foi um choque, pois vinha do total isolamento montanhoso e secular da Natureza. Maravilhoso! Nem dá para acreditar que existe tanta beleza escondida e por explorar num espaço tão reduzido... Bom início de semana para todos...!

Poeta convidado: Miguel Torga

Aceno
Longe,
Seu coração bate por mim;
E a sua mão desenha aquele afago
Que me sossega inteiro...
Longe,
A verdade serena do seu rosto
É que faz este dia verdadeiro...
( Miguel Torga )

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Alentejo - memórias ao sabor das teclas...( em memória do Serrão Martins e dedicado ao Pedro Martins, ao Casimiro , ao Belard e ao Arlindo )

Trigo já ceifado e debulhado mecânicamente. Campos cor do ouro. Lembro-me destes campos, há cinquenta anos. Eram mondados e ceifados por homens e mulheres. A ceifa era tarefa árdua. Elas, com espigas de trigo presas como enfeites nas fitas em redor dos chapéus de palha. Eles, com lenços ao pescoço por causa do calor tórrido. O trabalho era de sol a sol. Pequeno intervalo para a comida debaixo das azinheiras. Vigias por perto. Infusas de barro com água.

Atravesso a planície entre Ferreira do Alentejo e Beja e canto:

Resolvi ir até Lisboa

Resolvi ir até lá

Em busca duma vida boa

Que eu procuro

E não encontro cá.

Abalei

Embarquei

No comboio

Que assobiava pela linha

Às vezes

Penso comigo

E digo

Não sei que sorte

É a minha.

E depois que cheguei ao Barreiro

No barco que atravessa o Tejo

Chora por mim

Que eu choro por ti

Já deixei o Alentejo

Chora por mim

Que eu choro por ti

Já deixei o Alentejo...

Poema que se fosse ordenado consoante o modo de cantar teria ordenação completamente diferente das letras e das palavras. Cantiga, de qualquer modo, difícil de cantar, esta... Há outras ainda mais complicadas, que têm muitos volteios, arabescos, arrebitos e tempos de folga respiratória, só conhecidos por quem lá nasceu e muito viu e muito ouviu e muito cantou. As tabernas eram coliseus de cântico polifónico. Sem maestro. O canto alentejano não precisa dele. Depois de um dia de ceifa os corpos estavam cansados, mas para o canto não. Era através do canto que os camponeses falavam, iam pensando, iam ruminando as alternativas difíceis que se punham ao modelo atávico dos sons. Desabafavam. De tão lentamente que cantavam parecia que rezavam, até podia ser, e era também, mas era mais um desabafo, uma libertação possível dentro da impossilidade da porra da vida. As vozes que havia e que já morreram!...Que vozes magníficas havia!...Começava o Joaquim Caixinha, no silêncio das mágoas. À luz do petróleo, ou depois do petromax. No silêncio de quantos séculos de escravidão? Voz enrolada. Os homens figuras sombras encostadas ao balcão sombrio da tasca. Sempre foi assim desde os tempos mais antigos: quando a quadra introdutória ficar completa...levanta-se do chão da garganta da terra da dor de que memórias de sangue levanta-se a voz vibrante do Manel Matias, que é um introito para o coro que aí vem, e que enche a noite, com o "alto" a sobressair, mas com harmonia, como se estivesse por detrás do canto, mãos de seara e espiga nas mãos do povo, a maestrar, e todas as vozes sabendo como se tivessem estudado, todos os tons casando, enchendo a noite, pondo em sentido o seu silêncio, não há mais nada para os homens senão o canto, o calor do canto, não vale a pena ir chamá-los à taberna, as mulheres sabem, sabem que eles cantam e enquanto cantarem vão serenando e suavizando a dor que todos sentem...Assim se cantavam as cantigas. Vozes que já não há. Há apenas os que como eu ainda sabem. E se lembram...

Era a praça dos ceifeiros. A vila de Mértola sabe. Mas não só. Falo de Mértola porque foi lá que vi as coisas que conto.Na sua sua praça principal é que acontecia a praça dos ceifeiros:
Era o largo da vila. Era o centro. Era onde paravam as camionetas. Era onde havia o barbeiro. Era onde havia o engraxador. Era onde se compravam os jornais. Era onde a GNR não deixava que houvesse ajuntamentos de mais do que uma pessoa. Era onde havia o comércio. O mercado. Era onde os que queriam ir a salto eram detectados pela GNR, caras novas acabadas de chegar e já se sabia que ficavam ali o dia à espera da camioneta das oito para a Mina de S. Domingos, junto da fronteira, onde eram presos por denúncia da Guarda de Mértola. Era o centro da vila. Hoje já não. Mas era. Era aí que nós, jovens, falávamos sobre a vida. Sonhávamos a vida. Queríamos outra vida que não aquela. Mas não sabíamos nada de política. Líamos muito. Sabíamos de uma coisa que os livros diziam que era justa e que se chamava comunismo. E era coisa que parecia óbvia. Mais tarde é que passámos a conhecer as coisas mais de perto. Do que tem de bom.E do que tem de mal. Do que foi bem feito. E do que foi mal feito. Mas vamos lá àquilo que quero contar. A praça dos ceifeiros... Sim, era em Julho. Eu vou agora entre Ferreira e Beja e vou cantando a moda que mostra como o povo partiu para Lisboa. Mas outros partiram para a Alemanha. A maioria para Paris. O Alentejo viu partir dois terços da sua mão de obra, e olhando para os campos de restolho doirado, para os molhos rectangulares de trigo, vejo chegar ao largo da vila carrinhas carregadas de homens e mulheres, começam a chegar ao por do sol, não param de chegar, vêm do Algarve e da Beira, a estes chamam-lhe de "ratinhos," são cada vez mais, enchem o largo, a GNR não se importa, não lhes vai dizer que é proibido haver ajuntamentos de mais do que uma pessoa no alcatrão ( o cabo da GNR que disse isso ficou com a alcunha de cabo alcatrão), só na manhã seguinte se poderia perceber o motivo, se poderia perceber para quem andasse afastado destas coisas, na manhã seguinte chegavam os automóveis e outros transportes pertencentes aos lavradores, aos donos das terras, àqueles que mais tarde, no 25 de Abril, passaram a chamar-se de latifundiários, então o que aconteceu era simples, diz-se em poucas palavras : os donos das terras escolhiam os camponeses, como se escolhessem gado: em primeiro lugar os mais musculosos, que uma vez escolhidos subiam para as camionetas, depois os outros, e assim sucessivamente, e sempre com a supervisão da GNR... Era este povo que fazia a ceifa. De sol a sol. Muito mal pago. Numa época de muita fome. Se não fosse a fome o povo alentejano, que nunca foi de largar a terra e rumar para outros países, de lá não saía com certeza... Foi disso que me lembrei e me lembro sempre em todos os Julhos quando vou para Mértola, a cantar, e passo pela planície, nos campos de Beja, onde hoje se podem ver também lindos girassóis... Eduardo Aleixo

O mar, o meu cão ( gwyn) e eu...

O meu gwyn ficou com ciúmes de ver o veado do poema do Manuel Bandeira na Net e ele, não. De modo que lhe faço a vontade. Não é lindo o meu cão?.
Claro que o mar é mais importante.
E mais ainda a sua canção. Que não se ouve aqui.Mas vocês imaginam.
Eduardo Aleixo

Poeta convidado: Manuel Bandeira

Lenda Brasileira
A MOITA BULIU.
Bentinho Jararaca levou a arma à cara:
O que saíu do mato foi o veado branco!
Bentinho ficou pregado no chão.
Quis puxar o gatilho e não pôde.
- Deus me perdoe!
Mas o Cussaruim veio vindo, veio vindo,
Parou junto do caçador
E começou a comer devagarinho
O cano da espingarda.
Manuel Bandeira

quarta-feira, 16 de julho de 2008

De um dia para o outro...

De um dia para o outro
A flor abriu!
- Quem foi que te sorriu?
Eduardo Aleixo

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Poema idealista (1)

É como tocar... sem ver,
E mesmo assim... conhecer!
Como dizer?
Se calhar não temos só dois olhos
Para ver!
Certamente que não...
Se não...
Eu não diria aquilo
Que há muito sabe o coração!
(1) Escrito com a lucidez de quem sabe, no entanto, que usado como estilo de vida ,tem uma elevada percentagem de fracasso. Mas também sabe que a pequena percentagem é o oásis dos eleitos!
Eduardo Aleixo

Porque não há equilíbrio

Só o equilíbrio
Entre a praia dos pescadores,
Onde os barcos
Vão buscar o pão ao mar,
E a praia
Dos "résorts"
E das "massagens",
Secará
Um dia
A lágrima suja
Do rosto da criança
Que entra descalça
Na indiferença
Da cidade...

Eduardo Aleixo

domingo, 13 de julho de 2008

Poeta convidado: Fernando Pessoa

Antes o voo da ave, que passa e não deixa rasto,
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão,
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não está, e por isso de nada serve,
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.
A recordação é uma traição à Natureza.
Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.
Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!
( Poemas completos de A. Caeiro )

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Da ilha das rolas ao sul da ilha de S. Tomé - 3ª reportagem

Perto de Ponte da Baleia - cais de desembarque para quem vem do ilheu das rolas para a ilha de S. Tomé - fica a vila de Malanza, com o rio do mesmo nome. Neste rio e em todos os outros da ilha, as mulheres lavam as roupas sobre as lajes. As roupas são estendidas nas margens dos rios e também à beira das estradas. Lembrei-me do Portugal de há cinquenta anos: também as mulheres iam lavar a roupa à ribeira e traziam as canastras à cabeça. Vinham carregadas como estas mulheres vêm. Estas trazem as crianças atadas com panos à cintura. Outras transportam canas de açúcar e bananas. Ou sacos cheios de casca de coco para fazerem lenha e assarem a fruta-pão. Homens transportam madeiras ou trabalham na limpeza das palmeiras. Crianças mais crescidas acompanham os adultos como se fossem rebanhos. As estradas, no meio das populações, estão cheias de crianças, de galinhas , de cabras, de porcos. É preciso guiar com cuidado.

Porto Alegre

Antigas explorações de cacau e de café em ruínas. Também velhas fábricas de sabão, abandonadas. Muitas crianças no átrio da escola. A professora, sentada, sob uma árvore frondosa, lê, e diz-nos adeus, quando passamos.Ao lado da estrada grandes árvores de fruta-pão. Uma quitanda: loja-bar, estilo nossa tasca. Muitas bananeiras. Ao lado esquerdo, um trilho que dá acesso à Casa do Patrão. Todas as antigas explorações tinham a Casa do Patrão. Hoje, é a casa de férias do Sr. Presidente. Homens transportam aos ombros garrafões com vinho de palma retirado, de madrugada, das palmeiras. É assim que deve ser bebido. À medida que o tempo passa fermenta e é menos fresco. Mas os angolares - descendentes de angolanos - preferem bebê-lo fermentado.

Praia Jalé

De areia dourada. Aqui existe um método de protecção das tartarugas e dos seus ovos.
Vila de Monte Mário
Nesta zona há cobras mortais. São as cobras negras. Chegam a atingir 3 metros. Há um proprietário português que paga 20.000 dobras ( não chega a 1 euro ) a quem lhe levar a cabeça de uma cobra, como prova de que a matou, para evitar que apareçam vacas mortas na sua propriedade. A propósito de cobras não resisto à conversa que tive com Márcio, guia local:
- Márcio: como as casas são de madeira e muito rente ao chão, as cobras podem entrar nas casas...
- Podem- responde-me.
- E se a gente as pisa?
- Não faz mal, se não for com intenção... - Como sabem elas a intenção?
- Sabem. Sabem ver se é por mal...
Podem não acreditar, mas eu acredito algo neles. Eles estão perto da natureza. Claro que exageram. Mas nós também, com o nosso medo piegas. Sabe-se que a esmagadora maioria das cobras não faz mal. Se fogem é por medo de nós. Aproveito para dizer que há outras cobras em S. Tomé. Por exemplo, na travessia da ilha das rolas - que já consta da minha reportagem anterior - encontrámos um grupo de jovens que filmou uma cobra gordinha e já grande. Pegaram nela. Colocaram-na na posição ideal para a foto. E ela, meiga. Doce. Como se quisesse aparecer em directo na TV. Deixou-se fotografar. Esta cobra, eu vi-a na foto, tem o nome de gita. Há ainda outra, de cor verde, inofensiva, que não cheguei a ver, e que se chama sassoá. Enfim, fiquei a gostar das cobras.
Continuamos a viagem. Mais roupa branca estendida no alcatrão da estrada, junto da valeta. A estrada por onde vamos é estreita, mas boa. Não tarda que entremos na que tem crateras e onde os carros ligeiros não entram. Será assim até perto da cidade de S. Tomé. Não há dinheiro para pagar o arranjo das estradas. As histórias sobre corrupção abundam. Dizem que os governos não podem durar muito para que se perpetue a irresponsabilidade. Porcos brancos atravessam a estrada perto de Vila de Monte Mário. No lado esquerdo pode ver-se o Pico de Cão Grande, com 632 metros.
À esquerda, a roça de Vila Irene. Abandonada. No entanto, os campos são ricos de cafezais, de ananases, de laranjas e de gado. Estamos no distrito de Cané, o maior, mas o menos populoso do país.
À direita, voltamos. Vamos ver a cascata da praia sequeira e a pequena aldeia, onde as seguintes fotos foram tiradas.
Quando paramos, somos rodeados, de imediato , por crianças, que nos pedem " Migo... doce ". sabendo disso levámos rebuçados e outras coisas, como esferográficas e canetas. Mas é difícil gerir esta situação. Muitas vezes há que -las em fila para evitar que umas recebam e outras não. Estas: as casas onde vivem. De madeira. Quase todas são construídas sobre estacas, ficando a parte debaixo, junto do solo, para arrecadação de coisas e de animais.
Nas fotos em baixo chamaram-me para os ver a trabalhar e para os fotografar e depois mostravam uma alegria intensa ao olharem-se na foto. Nesta, o homem esmaga a mandioca : A mulher mostra a sua colheita de búzios. Carregamento de vinho de palma.

Trepando o coqueiro e apanhando cocos.

A partida da nossa camioneta... De novo, a caminho. Outra roça, abandonada: a de D. Augusta. Atravessamos o Rio Grande, o maior de S. Tomé. S. Tomé, terra de montanhas e de rios. Com muita água. E um mar com muito peixe. A natureza dá lições aos humanos e dentro destes,aos políticos.É muito mais generosa. À beira da estrada, muito cacau.

Outra roça, esta do Estado, mas que dela nada aproveita nem deixa os privados aproveitarem, diz o nosso guia. Refere-se à roça da fraternidade.

S. João de Angolares

Os antepassados vieram de Angola e naufragaram ali perto, na ilha das sete pedras. Como essa ilha não tem condições fundaram S. João de Angolares. Na praça principal encontra-se o Centro de Saúde, que serve toda a zona sul. De destacar também a estátua do célebre Rei Amador, morto ao serviço da causa da liberdade do seu povo. Chegou a dominar grande parte da ilha de S. Tomé.

Estátua do Rei Amador

Roça de João Carlos Silva

É a mais mediática de S. Tomé uma vez que o seu proprietário é uma pessoa muito conhecida através dos programas de culinária que realiza na televisão. É também uma pessoa muito importante em S. Tomé, tendo sido nomeado embaixador itinerante dos países de expressão portuguesa. Por isso é raro vê-lo na roça. Esta encontra-se em bom estado e é procurada pelos turistas que lá encontram instalações condignas. Come-se bem, mas caro.

Sala de refeições

Mulheres transportando peixe para o restaurante

Trabalhadoras da roça

Os miúdos pedem fotos...

No regresso, garças,falcões e rolas cruzavam permanentemente a estrada. Fomos cantando canções de S.Tomé. Quando chegámos à ilha das Rolas era quase noite.

Eduardo Aleixo ( S. Tomé e Príncipe, 19/6/2008)

(19/06/2008)

terça-feira, 8 de julho de 2008

Recordação de S. Tomé

Na praia das sete ondas, perto de S. Tomé, há esta delícia de conchas. Nunca tinha visto coisa assim. Se olharem com atenção conseguem ver uma estrela no centro. São raras. Lindas. Para quem gosta das coisas do mar, claro. Eduardo Aleixo