Perto de Ponte da Baleia - cais de desembarque para quem vem do ilheu das rolas para a ilha de S. Tomé - fica a vila de Malanza, com o rio do mesmo nome. Neste rio e em todos os outros da ilha, as mulheres lavam as roupas sobre as lajes. As roupas são estendidas nas margens dos rios e também à beira das estradas. Lembrei-me do Portugal de há cinquenta anos: também as mulheres iam lavar a roupa à ribeira e traziam as canastras à cabeça. Vinham carregadas como estas mulheres vêm. Estas trazem as crianças atadas com panos à cintura. Outras transportam canas de açúcar e bananas. Ou sacos cheios de casca de coco para fazerem lenha e assarem a fruta-pão. Homens transportam madeiras ou trabalham na limpeza das palmeiras. Crianças mais crescidas acompanham os adultos como se fossem rebanhos. As estradas, no meio das populações, estão cheias de crianças, de galinhas , de cabras, de porcos. É preciso guiar com cuidado.
Porto Alegre
Antigas explorações de cacau e de café em ruínas. Também velhas fábricas de sabão, abandonadas. Muitas crianças no átrio da escola. A professora, sentada, sob uma árvore frondosa, lê, e diz-nos adeus, quando passamos.Ao lado da estrada grandes árvores de fruta-pão. Uma quitanda: loja-bar, estilo nossa tasca. Muitas bananeiras. Ao lado esquerdo, um trilho que dá acesso à Casa do Patrão. Todas as antigas explorações tinham a Casa do Patrão. Hoje, é a casa de férias do Sr. Presidente. Homens transportam aos ombros garrafões com vinho de palma retirado, de madrugada, das palmeiras. É assim que deve ser bebido. À medida que o tempo passa fermenta e é menos fresco. Mas os angolares - descendentes de angolanos - preferem bebê-lo fermentado.
Praia Jalé
De areia dourada. Aqui existe um método de protecção das tartarugas e dos seus ovos.
Vila de Monte Mário
Nesta zona há cobras mortais. São as cobras negras. Chegam a atingir 3 metros. Há um proprietário português que paga 20.000 dobras ( não chega a 1 euro ) a quem lhe levar a cabeça de uma cobra, como prova de que a matou, para evitar que apareçam vacas mortas na sua propriedade. A propósito de cobras não resisto à conversa que tive com Márcio, guia local:
- Márcio: como as casas são de madeira e muito rente ao chão, as cobras podem entrar nas casas...
- Podem- responde-me.
- E se a gente as pisa?
- Não faz mal, se não for com intenção...
- Como sabem elas a intenção?
- Sabem. Sabem ver se é por mal...
Podem não acreditar, mas eu acredito algo neles. Eles estão perto da natureza. Claro que exageram. Mas nós também, com o nosso medo piegas. Sabe-se que a esmagadora maioria das cobras não faz mal. Se fogem é por medo de nós. Aproveito para dizer que há outras cobras em S. Tomé. Por exemplo, na travessia da ilha das rolas - que já consta da minha reportagem anterior - encontrámos um grupo de jovens que filmou uma cobra gordinha e já grande. Pegaram nela. Colocaram-na na posição ideal para a foto. E ela, meiga. Doce. Como se quisesse aparecer em directo na TV. Deixou-se fotografar. Esta cobra, eu vi-a na foto, tem o nome de gita. Há ainda outra, de cor verde, inofensiva, que não cheguei a ver, e que se chama sassoá. Enfim, fiquei a gostar das cobras.
Continuamos a viagem. Mais roupa branca estendida no alcatrão da estrada, junto da valeta. A estrada por onde vamos é estreita, mas boa. Não tarda que entremos na que tem crateras e onde os carros ligeiros não entram. Será assim até perto da cidade de S. Tomé. Não há dinheiro para pagar o arranjo das estradas. As histórias sobre corrupção abundam. Dizem que os governos não podem durar muito para que se perpetue a irresponsabilidade. Porcos brancos atravessam a estrada perto de Vila de Monte Mário. No lado esquerdo pode ver-se o Pico de Cão Grande, com 632 metros.
À esquerda, a roça de Vila Irene. Abandonada. No entanto, os campos são ricos de cafezais, de ananases, de laranjas e de gado. Estamos no distrito de Cané, o maior, mas o menos populoso do país.
À direita, voltamos. Vamos ver a cascata da praia sequeira e a pequena aldeia, onde as seguintes fotos foram tiradas.
Quando paramos, somos rodeados, de imediato , por crianças, que nos pedem " Migo... doce ".
Já sabendo disso levámos rebuçados e outras coisas, como esferográficas e canetas. Mas é difícil gerir esta situação. Muitas vezes há que
pô-las em fila para evitar que umas recebam e outras não.
Estas: as casas onde vivem. De madeira. Quase todas são
construídas sobre estacas, ficando a parte debaixo, junto do solo, para arrecadação de coisas e de animais.
Nas fotos em baixo chamaram-me para os ver a trabalhar e para os fotografar e depois mostravam uma alegria intensa ao olharem-se na foto. Nesta, o homem esmaga a mandioca :
A mulher mostra a sua colheita de búzios.
Carregamento de vinho de palma.
Trepando o coqueiro e apanhando cocos.
A partida da nossa camioneta...
De novo, a caminho. Outra roça, abandonada: a de D. Augusta. Atravessamos o Rio
Grande, o maior de S. Tomé. S. Tomé, terra de montanhas e de rios. Com muita água. E um mar com muito peixe. A natureza dá lições aos humanos e dentro destes,aos políticos.É muito mais generosa. À beira da estrada, muito cacau.
Outra roça, esta do Estado, mas que dela nada aproveita nem deixa os privados aproveitarem, diz o nosso guia. Refere-se à roça da fraternidade.
S. João de Angolares
Os antepassados vieram de Angola e naufragaram ali perto, na ilha das sete pedras. Como essa ilha não tem condições fundaram S. João de Angolares. Na praça principal encontra-se o Centro de Saúde, que serve toda a zona sul. De destacar também a estátua do célebre Rei Amador, morto ao serviço da causa da liberdade do seu povo. Chegou a dominar grande parte da ilha de S. Tomé.
Estátua do Rei Amador
Roça de João Carlos Silva
É a mais mediática de S. Tomé uma vez que o seu proprietário é uma pessoa muito conhecida através dos programas de culinária que realiza na televisão. É também uma pessoa muito importante em S. Tomé, tendo sido nomeado embaixador itinerante dos países de expressão portuguesa. Por isso é raro vê-lo na roça. Esta encontra-se em bom estado e é procurada pelos turistas que lá encontram instalações condignas. Come-se bem, mas caro.
Sala de refeições
Mulheres transportando peixe para o restaurante
Trabalhadoras da roça
Os miúdos pedem fotos...
No regresso, garças,falcões e rolas cruzavam permanentemente a estrada. Fomos cantando canções de S.Tomé. Quando chegámos à ilha das Rolas era quase noite.
Eduardo Aleixo
( S. Tomé e Príncipe, 19/6/2008)
(19/06/2008)
8 comentários:
É de ficar sem palavras, tenho pena de não conhecer...
Beijinho*
É bonito, sim.Muito bonito.
Eduardo
É uma das viagens que quero fazer. Não sei quando, mas quero fazer.
Este post tem cheiro.....
Beijo
Não perca, Maria. Beijo.
Eduardo
A reportagem está perfeita... mas o que eu gostei mesmo foi daquelas benditas conchas. Que maravilha!!! Que coisas tão lindas que a natureza nos dá. Devemos estar gratos por isso. E ainda há quem diga que só acredita no homem...
Mas... porque será que a natureza tão bonita às vezes também é traiçoeira??
Olha lá escorpião a gostar de cobras hum!...
Laide
Fantásticoooooooooo!!! Adorei mais esta tua reportagem!! Beijos.
O escorpião, gosta. Desde as estrelas à terra. Passando pelo mar. Sê bem vinda, Laide.
Eduardo
Também gosto muito do que escrevi. Beijos, Paula.
Eduardo
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