Fui colher uma romã
Estava madura no ramo
Fui encontrar no jardim
Aquela mulher que eu amo
Aquela mulher que eu amo
Deu-me um aperto de mão
Estava madura no ramo
E o ramo caiu ao chão.
( Cantiga do Baixo-Alentejo )
Nota: cantiga muito antiga. A gente cantava-a, na adolescência, nas noites quentes do Alentejo ..."pra elas ouvirem". Ainda apanhei o tempo de se namorar à janela. De se "pedir namoro": ritual chato, às vezes dramático, ter de decorar as frases: um dia, de tanto decorar, cheguei ao pé dela, que estava a apanhar a "camioneta da carreira" , e tinha pressa, e estava à espera "que eu me declarasse", e eu fiquei nervoso que sei lá, e só saiu: está uma tarde quente, não está? E foi assim que começámos o namoro, após o sorriso sábio dela... De se escreverem cartinhas e bilhetinhos que eram entregues a amigas intermediárias, que, "maganas", os liam, e de tudo sabiam, e nós, ingénuos, novinhos no amor,sem sabermos que essas nos amavam, ou vinham a aprender a amar-nos. Era o tempo em que os padres, do altar para baixo, sabendo dos namoricos, com os dedos espetados, na direcção dos interessados, ou dos pais dos interessados, faziam alusão a maus comportamentos que havia nos jovens, já influenciados, tão novos, pelo poder do demónio. Era o tempo dos pecados, mortais e veniais. Mas isso mais prazer nos dava para cantarmos para elas, debruçadas à janela, e a sonhar, tal como nós tínhamos visto no cinema, com o primeiro beijo.
Na cantiga fala-se em aperto de mão. É belo poeticamente. Mas também de certo modo corresponde à mentalidade da época. A romã simboliza a fertilidade. Vocês já viram a quantidade de bagos dentro dela? Mas também, a meu ver, o mistério: quem sabe o que está dentro da romã? E o prazer de comer os seus bagos depois do labor paciente de descascar a pele grossa, de retirar com cuidado a pele delicada, que protege os alvéolos, onde o tesouro se esconde...
Sim, é uma cantiga bonita. Que a gente cantava nas noites quentes do Alentejo...
Eduardo Aleixo
12 comentários:
Que post mais ternurento...
Sorri ao lê-lo, com a dos padres nas missas apontarem os dedos e falarem aquelas baboseiras da época. Que falarão eles hoje?
E que dizer da ternura com que falas do prazer de comer os bagos da romã, depois de tanto trabalho?
Ah, as noites quentes do Alentejo.....
Beijos
Corresponde mesmo aos velhos tempos.
O Alentejo é terra de romãs.
O meu, do Baixo, junto do Guadiana, Mértola.
É bom a gente ir repescar cenas de inocência e de ternura.
Beijos, Maria e bom fim de semana.
Descansa que a militância tem sido grande, pelos vistos.
Eduardo
Mais do que cantiga...adorei as suas palavras feitas de memórias tão belas e doces...e ficou-me ainda o encanto da romã: doce e misterioso fruto onde os bagos são sumo...
beijos
Carla
Seja bem vinda, ainda por cima com um comentário feito de palavras tão lindas.
Bom fim de semana.
Beijo.
Eduardo
Eduardo, este post devia ser emoldurado! Lá continuam as descrições quase antropológicas do teu Alentejo. Mas este está especialmente ternurento. E cheio de observações interessantíssimas.
Beijinhos e bom fim de semana.
Sabes, Lúcia, " as palavras vividas são as que correspondem a situações vividas " , como está escrito, mais ou menos, num livro do Urbano Tavares Rodrigues.
De vez em quando lembro-me destas coisas. E escrevo-as.
Sim, com o coração.
Obrigado.
Um beijo.
Pensava que tinhas ido não sei para que país dos loendros.
Um beijo.
Eduardo
Eduardo - andei a cuidar de outras plantas,andei:)
Mas bom filho à casa torna.
Beijinhos
Lúcia
Beijinhos.
Bom fim de semana.
Eduardo
Não sabia desta cantiga. Como sou uma romã eu adorei este post! E a minha avó paterna é do Alentejo que eu também adoro!! Fiquei mesmo contente ao ler-te!! Beijos.
Vou roubar-te a foto das romãs. Posso?
Paula
Claro que podes roubar a foto das romãs.
Eu também a roubei ao Google.
Bj
Eduardo
Então eu roubei hoje. Está lá o post. Beijos. Obrigada.
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