quinta-feira, 28 de agosto de 2008

poeta convidado da semana - Luíza Neto Jorge

( Foto do Google )
Difícil poema de amor
Separo-me de ti nos solstícios de Verão, diante da mesa
do juiz supremo dos amantes. Para que os juízes me possam
julgar, conhecerão primeiro o amor desonesto infinito feito
de marés ambulantes de espinhos nas pálpebras onde as ruas
são os pontos únicos do furor erótico e onde todos os pontos
únicos do amor são ruas estreitíssimas velocíssimas que se
percorrem como um fio de prumo sem oscilação.
Ontem antes de ontem antes de amanhã antes de hoje antes
deste número-tempo deste número-espaço uma boca feita de
lábios alheios beijou.
Precipício aberto: ele nada revela que tu já não saibas.
Porque este contágio de precipícios foste tu que mo
comunicaste maléfico como um pássaro sem bico.
Num silêncio breve vestiu-se a cidade. Muito bom-dia
querido moribundo. Sozinho declaraste a terceira grande
paz mundial quando abrindo os olhos me deste de comer
cronometricamente às mil e tantas horas da manhã de hoje.
Deito-me cedo contigo o meu sono é leve para a liberdade
acordas-me só de pensares nela. As casas e os bichos
apoiam-se em ti. Não fujas não te mexas: vou fixar-te para
sempre nessa posição.
Que há? Abrem-se fendas no ar que respiro vejo-lhes o
fundo. Tens os olhos vasados. Qual de nós os dois " quero-te " gritou?
Bebe-me espaçadamente encostada aos muros. Se és poeta
que fazes tu? Comes crianças jogas ases sentado és uma
estátua de pé a cauda de um cometa.
Mães entretanto vão parindo. Os filhos morrerão ainda?
Entregas-te a cálculos. Amas-me demais.
Confesso: não sei se sou amada por ti.
Virás
quando houver uma fala indestrutível devolvida à boca dos
mais vivos. Então virás
vivo também. Sempre esperei ver-te ressuscitado.
Desiludiste-me.
E iremos com o plural de nós nos leitos menores onde o
riso, onde o leito do rio é um filho entre os dois. Que farei de
teus braços de meus cabelos benignos que faremos?
Nasci-te da minha pele com algumas fêmeas te deitei por
vezes. Conheces-me. Não me tens amor.
Grave esta corda cortada agudo seixo me ataste aos olhos
para me afundar.
Só por grande angústia me condenas à morte se de mim te
veio a cidade e os minúsculos objectos que já amaste ou que
irás amar um dia espero.
Ah a cratera o abismo eléctrico!
Por isso o teu novo amor será comigo mais perigoso que
este imaculado com mais visco de amor cópula mortal.
Calo-me.
Reparei de repente que não estavas aqui. Pus-me a falar a
falar. Coisas de mulher desabitada. Sei que um dia desviarei
sem ti os passeios rectos esvaziarei os gordos manequins
falantes. A razão é uma chapa de ferro ao rubro: se acredito
na tua morte começo o suicídio.
Enquanto penetrantemente te espero a luz coalhou. Os
pássaros coalharam enquanto te espero. O leite enquanto te
espero coalhou. Haverá outro verbo?
Submersa, muito distante de qualquer inferno de um paraíso
qualquer existo eu. Existirão tais palavras?
É a altura de escrever sobre a pedra. A espera tem unhas
de fome, bico calado, pernas para que as quer. Senta-se de
frente e de lado em qualquer assento. Descai com o sono a
cabeça de animal exótico enquanto os olhos se fixam sobre a
ponta do meu pé e principiam um movimento de rotação em
volta de mim em volta de mim de ti.
Nunca te conheci - assim explico o teu desaparecimento.
Ou antes: separei-me de ti no solstício de um verão
ultrapassado. As mulheres viajavam pela cidade
completamente nuas de corpo e espírito. Os homens
mordiam-se com cio. Imperturbável pertenceste-me. Assim
nos separámos.
Não calhasse morrer um de nós primeiro que o outro
porque ambos ao mesmo tempo será impossível enquanto não
houver relógios que meçam este tempo e as horas fielmente
se adiantarem e atrasarem.
Alguma vez pretendi dizer-te o que quer que fosse? Falava
por paixão por tibieza por desgosto por claridade por frio por
cansaço
nunca por pretender dizer o que quer que fosse.
Não me desculpo. Se já me cai o cabelo se já não sinto
os ombros é porque o amor é difícil ou a minha cabeça uma
pedra escura que carrego sobre o corpo a horas e desoras
ostentando-a como objecto público sagrado purulento. O
odor que as pedras têm quando corpos. O apocalipse de tudo
quando amamos.O nosso sangue em pó tornado entornado.
O teu amor espreita o meu corpo de longe. De longe por
gestos lhe respondo. Tenho raízes nos vulcões ternuras
íntimas medos reclusos beijos nos dentes.
A pobreza surge dentro de nós embora cautelosos deitados
de manhã e de tarde ou simplesmente de noite despertos.
Ambos meu amigo estamos sentados neste momento
perfeitamente incautos já. Contemplamos um país e sentamo-
-nos e vestimo-nos e comemos e admiramos os monumentos e
morremos.
Inventei a nossa morte em toda a possível extensão das
palavras. Aterrorizei-me segundos a fio enquanto em corpo
nu ouvindo-me adormecias devagar.
Com a precaução de quem tem flores fechadas no peito
passeei de noite pela casa. Um fantasma forçou uma portas
atrás de mim. Gemendo como um animal estrangulado
acordei-te.
Enterro o meu temor como um alfange na terra. Porque
é preciso ter medo bastante para correr bastante toda a casa
celebrar bastantes missas negras atravessar bastante todas as
ruas com demónios privados nas esquinas.
Só o amor tem uma voz e um gesto mesmo no rosto da
ideia que me impus da morte.
És tu tão único como a noite é um astro.
Sobre a poeira que te cobre o peito deixo o meu cartão de
visita o meu nome profissão morada telefone.
Disse-te: Eis-me.
E decepei-te a cabeça de um só golpe.
Não queria matar-te. Choro. Eis-me! Eis-me!.
( Luíza Neto Jorge )
Lisboa, 1939 - 1989

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Romance

( Foto do Google )
Ora pois: foi tal qual como vos digo:
minha Mãe, certo dia, pôs a questão assim:
- ou Ela, ou eu!
E ficou resolvido que no dia doze
minha mãe parisse,
e pariu!
-------------------------
Pariu e ninguém se opôs! Ninguém!
Como se fosse um feito glorioso
parir assim alguém, tão nu, tão desgraçado!
Por mim,
ainda disse que não!
Mas o seu Anjo da Guarda
era forte e tenebroso...
E aquele frágil cordão
deixou de ser o meu Pão,
o meu Vinho
e a paz eterna do meu coração
mesquinho!...
-------------------------------
Deixou de ser o silêncio
delicado e agradecido
dos meus instintos menores...
Deixou de ser o Norte daquele lago
onde boiava o meu corpo
sem alegria e sem dores...
---------------------------------
Deixou ser aquela verdadeira
e sagrada ignorância do meu nome,
que Satanaz me disse, quando disse:
- Respira e come,
respira e come,
Animal!
( A voz de Satanás já nesse tempo
era humana e natural!... )
------------------------------------
Deixou de ser um mundo e foi um outro!
Foi a inocência perdida
e a minha voz acordada...
Foi a fome, a peste e aguerra!
Foi a terra
sem mais nada!
------------------------------
Depois,
sem dó nem piedade a Vida começou...
Minha Mãe, a tremer, analisou-me o sexo,
e, ao ver que eu era um homem,
córou...
Miguel Torga
( O outro livro de Job )

Momento...

Gaivotas de asas abertas
por cima da espuma do mar...
A nuvem liberta o sol:
só há prata para olhar!
Eduardo Aleixo
( Foto Google )

terça-feira, 26 de agosto de 2008

É do amor que falo

( foto do autor: Mértola - Guadiana )
A dádiva total dos corpos às águas
que desabam das montanhas,
a vitória dos peixes sobre as pedras,
o riso do sol face ao espanto
do corvo hierático sobre as rochas.
Canto a placidez das cegonhas
sobre as calmas enseadas,
o rumorejar dos barcos,
o farfalhar dos choupos,
a correria infantil dos cães
sobre as areias inclinadas dos rios.
É do amor que falo.
Do riso contra a bruma,
do teu corpo liberto
dançando violento sobre o verde
onde os insectos enlouquecidos
incomodam a casa que arde
nas veias do centro da terra descoberta.
Beijo líquido e resinoso à sombra do mês de Abril
que aspira o aroma do rosmano, das estevas e das urzes,
nudez agreste e calma.
Canto contra a morte
que nem lembro.
Renasço, pleno, babado de raízes.
Admiro o céu,
as águas sobre o corpo.

Ainda há pouco chorava como um ramo

em orvalho de manhã

o sonho de ser água.

Criança sem mais nada que o riso numa taça.

A eloquente solidão,

a festa que dança com teu corpo nu e vitorioso

sobre as dunas...

Quão difícil foi chegarmos à dança com que danças,

sem tempo sobre o tempo!

Difícil, sim, difícil, foi crescermos e nascermos para o riso

e para a espuma

espantada com a leveza das palavras

e o regresso ao vento aberto,

às ânsias do sol-posto,

aos dedos

loucos de inocência,

descobrindo as grutas sobre a pele.

A noite já chegou

e eu não tenho mais palavras, meu amor,

senão conchas em repouso sobre as rosas do regresso.

Ajuda-me a escrever este poema de amoras mansas, livres,

com gestos de silêncio,

com cansaços de quem merece as madrugadas!...

Eduardo Aleixo

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

O amor também é dor

( Foto do autor )
O amor também é dor./
Somos como a terra, / rasgada, / ferida, / molhada, / ressequida,/ mas em cada primavera renascida. / Somos como a terra! / Por isso, o amor/ também é dor,/ florida!... / Eduardo Aleixo

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Poema de amor

( Foto do autor )
O encontro festejamos
necessário
livre
adulto.
O caminho que trilhamos é belo,
sem exigências,
nem prisões forçadas.
É como um rio.
E nós somos dois meninos
que se beijam
e cantam.
É um bosque construído,
um prado merecido,
um fruto dividido
que aos céus agradecemos.
Companheira das estrelas,
dos caminhos,
dos risos claros,
dos silêncios partilhados com o mar.
Cantemos,
cantemos os oásis dos eleitos,
as manhãs que nunca morrem
nos desertos destruídos.
Cantemos
lado a lado
a comunhão possível
da infância permanente,
escondida no dia-a-dia descontente,
de cada rosto tão distante!...
Que música brota dos teus lábios,
que viagem tão longa
fazem as palavras que dizemos,
que harmonia,
que encanto!...
Até custa acreditar
esta maneira sem nome
de soletrar o verbo amar!...
Eduardo Aleixo

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Nelson Évora - medalha de ouro

17,67 metros no triplo salto, em Pequim...
PARABÉNS

Poeta convidado da semana: Nuno Júdice

POEMA
As coisas mais simples, ouço-as no intervalo
do vento, quando um simples bater de chuva nos
vidros rompe o silêncio da noite, e o seu ritmo
se sobrepõe ao das palavras. Por vezes, é uma
voz cansada que repete incansavelmente
o que a noite ensina a quem a vive; de outras
vezes, corre, apressada, atropelando sentidos
e frases como se quisesse chegar ao fim, mais
depressa do que a madrugada. São coisas simples
como a areia que se apanha, e escorre por
entre os dedos enquanto os olhos procuram
uma linha nítida no horizonte; ou são as
coisas que subitamente lembramos, quando
o sol emerge num breve rasgão de nuvem.
Estas são as coisas que passam, quando o vento
fica; e são elas que tentamos lembrar,
como se as tivéssemos ouvido, e o ruído da chuva nos
vidros não tivesse apagado a sua voz.
Revelação perdida
O que encontramos num período de decadência é o
sentimento de que nada nos irá sobreviver. Ficamos
imobilizados perante ele; tudo nos impede de criar algo
de novo, e as próprias palavras parecem gastas, servindo
apenas para dizer as coisas que já sabemos. Tentamos
fugir a essa impressão; e sentamo-nos em frente do mar,
ou olhamos o crepúsculo , com o sol a cair para detrás
das grandes falésias varridas pelas ondas do Outono. E
tudo o que vemos é um bilhete postal, como se a própria
natureza não passasse de um lugar comum, ao qual dese-
jamos fugir para que não nos contamine com a sua
banalidade. Então, pego na máquina fotográfica e fixo
esse instante. Mas sei que não irei revelar o rolo, porque
não se trata aqui de uma revelação plena, que me irá
trazer a verdade originária, que só os deuses conheciam;
pelo contrário, sei que deitarei o rolo para o lixo, e
não lamentarei a perda dessas imagens que hão-de ficar
apenas na minha memória, para que um dia as revele de
outra forma. No entanto, penso, deitei o crepúsculo
para o lixo; e ao remexer no saco, para ver se recupero
esse rolo, como o velho que todas as noites passa pela
minha rua e abre os caixotes em busca de comida,
sinto-me como se fosse um descobridor, ignorando
que terras, que litorais, que ilhas longínquas irão
sair de dentro das fotografias. Mas não é isso que
importa, pelo contrário, todas as imagens que me
poderiam aparecer, já as conheço, e nenhuma viagem
me restituirá o que vi no instante em que olhei
pela objectiva e escolhi o enquadramento para o
disparo. O que procuro é o rosto que se cruzou com
o ângulo da imagem e não tive tempo de evitar;
e o sorriso vago que surgiu do ruído da máquina,
quando ela se apercebeu de que iria entrar na foto-
grafia, perturbando o crepúsculo com a realidade
do seu corpo. Pude então pôr em causa o conceito
de decadência; e descobri que a novidade pode surgir
de dentro de um rolo que se deitou fora e no qual
se perdeu para sempre o olhar que procurávamos.
( Nuno Júdice, no livro " As coisas mais simples " )

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Parabéns, Rita Margarida

Um dia feliz, Rita.
Goza bem os teus 25 anos!
Muitos beijinhos de parabéns dos teus pais, do Gwyn, do Novelo e da Lai-si.
Ilhéu das Rolas - Junho 2008 S. Tomé - Junho 2008
E... lembras-te desta?
Tinhas 7 anos...
Tailândia - 1990
Eduardo Aleixo

Novas canções?!...

Inevitáveis
( previstos? !)
são os encontros
desencontros
separações!...
Berços das mesmas águas
com outras entoações
( novas canções ?!) ...
Eduardo Aleixo

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Ode propiciatória

Abrir o pulso das árvores, alcançar espaço,
caminhar desprendendo, concentrando abrir,
ordenar os campos, demarcar as fronteiras.
Ainda não sabemos, ainda não saímos, ainda não começámos.
Vamos para o cerne, para a raíz do dia.
Olhar agora para a nascente branca. Olhar
para ver sem olhar. Receber a pura força
da força, irrigar os campos,
acariciar o sopro, respirar pelos olhos.
Ó deuses vivos e amados, ó configurações
que só esperam o reconhecimento da palavra!
Ó brancura aérea, ó âmbito contemplado!
Que o exercício desperte a lucidez dos lábios
e os animais do corpo ondulem soltos e transparentes.
Abrir os vasos do tempo, libertar as essências subtis,
rodar, rodar a esfera, abrir a terra,
acender a rotação, pousar na aura com os nomes,
limpar, limpar as raízes da lua,
penetrar na espessura onde o mundo se arredonda,
mover os opacos membros da deusa da montanha,
estar, estar no indolente ofício da sabedoria,
ir até ao fundo mais íntimo da pedra,
avivar os veios das máquinas vegetais,
gravar a ascensão dos grãos na gravidez silenciosa,
consagrar a lentidão que culmina nas abóbadas,
manter a herança no fogo da deriva,
contemplar o fulgor do sono na penumbra dos arbustos
e regressar ao desejo, à coroa do repouso.
Agora sustentar a trave, alargar a esfera,
contemplar o estremecimento dos volumes,
aderir à superfície densa, purificar as águas,
estar atento à distracção da transparência,
pesar as formas inteiras nos músculos repousados,
crescer animalmente na liberdade do espaço.
António Ramos Rosa
( Faro, 1924 )

Índia - Pobres irão comer ratos

" Uma instituição indiana quer levar os pobres do estado de Bihar a comer carne de rato para combater a crise de alimentos na região. Para o secretário do Departamento Estadual de Bem-Estar Social, Vijav Prakush, há duas vantagens: « Podemos salvar pelo menos metade dos stocks de grão e melhorar as condições da comunidade de Musahar ».
( Diário de Notícias, de 14/08/2008, última página ).

De tarde

Naquele pic-nic de burguesas,
houve uma coisa simplesmente bela,
e que, sem ter histórias nem grandezas,
em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
foste colher, sem imposturas tolas,
a um granzoal azul de grão-de-bico
um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
nós acampámos, inda o sol se via;
e houve talhadas de melão, damascos,
e pão-de-ló molhado de malvasia.
Mas, todo púrpuro a sair da renda
dos teus seios como duas rolas,
era o supremo encanto da merenda
o ramalhete rubro das papoulas!
Cesário Verde, Lisboa, 1855- 1886 )

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Irmãs de Guadalupe

No domingo, a cidade de São Tomé fica vazia. As pessoas saiem para as roças, vão passear ou para a praia em grande camiões cheios de gente, música e cerveja. Desta vez, optei por algo diferente e fui conhecer o trabalho das irmãs que vivem na vila de Guadalupe, na zona norte de STP. Aproveitei o facto de ter um saco cheio de roupa de bébé para dar, deixado por colegas que vieram de passagem, e rumei á tarde para o local onde estas mulheres trabalham. Fizeram-nos um lanche e tivémos um momento de convívio muito agradável. A irmã que eu já conhecia chama-se Felismina e é um doce de energia e dedicação aos outros, sobretudo às suas meninas que vivem com elas e a quem apoiam nos estudos. São meninas das roças mais afastadas e com dificuldades, a quem elas oferecem abrigo para que possam prosseguir os estudos. Caso contrário, ficariam em casa a cuidar dos irmãos, muitas teriam filhos muito cedo e viveriam dos campos. Estas irmãs são exemplo do que são os verdadeiros missionários no mundo. Não são conhecidos, mas têm um trabalho exemplar nas comunidades, conhecendo toda a gente e ajudando quem mais precisa. Fiquei admirada com a genica e andamento destas pessoas, que com pouco fazem muito, nos quatro cantos do mundo, sem procurar visibilidade ou reconhecimento. Apenas apoio para quem mais precisa. Boa semana para todos, Rita

PARABÉNS, VANESSA FERNANDES

De noite, deitei-me aborrecido. De manhã... troxeste a alegria. Foi de prata, mas é muito bom. Beijo, Vanessa. Eduardo Aleixo

Jogos olímpicos de Pequim - considerações

Simpatizo com o " Golfinho ", eufemismo presenteado a Michael Phelps, que ultrapassou já o recorde mundial das sete medalhas de Mark Spitz, ganhas em 1972, em Munique, limite que muitos consideravam inultrapassável! E simpatizo, porque aos invejosos que já deram a entender, usando a linguagem dos invejosos, que ele é um anormal sob o ponto de vista físico, e aos que também já insinuaram que haverá doping no caso, ele, Michael, serenamente, disse: « qualquer um pode dizer o que entender. Mas eu sei que estou limpo» ! E esclareceu: « Participei num projecto com a Usada ( Agência Americana Antidoping ) , na qual me propunha a fazer mais testes para provar isso. As pessoas podem questionar o que quiserem, mas factos são factos e eu tenho resultados ( de exames anti doping) para prová-lo» . Mas do que mais gostei foi ele ter afirmado: « Não se consegue isso só com talento. É preciso muito trabalho pesado, muita dedicação. Tem sido uma combinação de tudo ». É assim mesmo, simpático " Golfinho". Embora eu intimamente pense que os invejosos mereceriam ouvir que há estrelas, planetas, cometas, meteoros, etc. E tu és uma estrela. ( Os meus poucos leitores não fiquem admirados com o meu discurso, pois eu, quando invoco a inveja, falando nos jogos olímpicos, de que não sou, nem de perto, nem de longe, especialista - eu gosto é do meu Benfica, e mesmo asim já rasguei o cartão de sócio! - no que estou a pensar é na vida, é nos empregos, é no dia-a-dia, em que a competição campeia e os milhares de luso- golfinhos que não vão a Pequim são vistos como anormais, só porque têm talento e dão o melhor de si, e quantos deles são " lixados", só porque ainda pensam que é possível subir na vida e ganhar a medalha sem ser subserviente e vender a alma ao diabo!...)
Outra estrela foi Usain Bolt, do Panamá. Que baixou o recorde mundial dos 100 metros para os 9,69 segundos. Só que não gostei do modo, que me pareceu arrogante, como o fez, dando o ar de quem espezinhava os seus adversários! Há estrelas assim! Não são do meu agrado. Fez-me lembrar o público de futebol que mimoseia ferozmente os jogadores do clube adversário com " olés", como se aquilo fosse uma tourada e os jogadores, a perder, fossem touros!
Quanto ao nosso querido Obikwelu... fiquei deveras triste! Paciência! Mas saiu de forma honesta, pela maneira como falou. Pelos fundamentos que apresentou. Desejo apenas que a Fundação a que se vai dedicar seja útil aos pobres de África, fim a que a mesma se propõe, se bem percebi!.
Mas...acho estranho que tão novo abandone uma actividade de que tanto gosta e pela qual tantos sacrifícios fez na vida!. E também acho estranho que tão novo já tenha uma Fundação!. E também acho estranho - porque sempre achei - que em Portugal haja tantas Fundações!
Por aqui me fico, porque estamos imbuídos, o mais possível, do espírito olímpico!
Eduardo Aleixo

O activismo em férias

" Engraçado. A Rússia invadiu a Geórgia e as ruas do Ocidente continuam limpas de pacifistas. Não tenho conhecimento da existência de uma manifestação, uma vigília, um reles minuto de silêncio pelas vítimas do sr. Putin. À primeira vista, a culpa é da época estival, que atirou os habituais activistas destas coisas para o descanso balnear ou, em Portugal, para o acampamento do BE. Os activistas são incansáveis, mas com limites. Um dos limites é Agosto. Outro, se calhar mais decisivo, é a desagradável circunstância de a nação invasora não ser os EUA ( nem Israel ) e de a nação invadida ser, para cúmulo, simpática aos americanos. Se não fosse, suspeito que não haveria mar tépido nem praia morna que impedisse uma romaria a Tblissi de escudos humanos, espíritos livres, pensadores " radicais", ONG, actores de Hollywood e figuras folclóricas do género, numa vasta demonstração de que a guerra nunca é a solução e o imperialismo nunca pode passar impune, embora tudo dependa da guerra e do imperialismo."
( Diário de Notícias, 17 de Agosto. Autor: Alberto Gonçalves, em " Dias contados". )

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

As palavras e o ódio...

As palavras são palavras. / Nuvens. / Instrumentos na mão do vento. / O vento somos nós! / Se o vento entoar a canção do amor, / as palavras serão de amor. / Se o vento entoar a canção do ódio, / as palavras serão de ódio. / As palavras de amor são visitas habituais / na morada do meu coração. / As outras... / não entram nele, / nem permito que se aproximem! / Limito-me a vêlas,/ bichos rastejantes, / na viagem de regresso! / Apenas isso. / Eduardo Aleixo

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

OBIKWELU

Vai dar-nos a alegria, esta madrugada, de receber a medalha de ouro. Força, Francis, que até tens a camisola da cor da águia... Eduardo Aleixo

Diário de Miguel Torga

Coimbra, 3 de Janeiro de 1932
Santo e Senha
Deixem passar quem vai na sua estrada.
Deixem passar
quem vai cheio de noite e de luar.
Deixem passar e não lhe digam nada.
Deixem, que vai apenas
beber água de Sonho a qualquer fonte;
ou colher açucenas
a um jardim que ele lá sabe, ali defronte.
Vem da terra de todos, onde mora
e onde volta depois de amanhecer.
Deixem-no pois passar, agora
que vai cheio de noite e solidão.
Que vai ser
uma estrela no chão.
Miguel Torga, Diário, I, 4ª edção revista,
Coimbra, 1957

Balanço

Que fica de quem passa? Um eco de mágoa
ao ouvido da tarde? Uma pausa de palavras
na frase do instante? Uma interrupção de passos
a caminho da porta? Um sal de sentimento
no coração da amada? A vida esfarelada
numa dissipação de rumos? Ou um peso
de esquecimento na sombra da memória?
Mas quem passa não pensa no que fica,
se os passos o levam para onde espera
ficar; e se o seu destino é a passagem,
onde ficar é sair de onde não chegou a
habitar, é o tempo que o obriga a não olhar
para onde não há-de voltar, mesmo que aí
tenha deixado o que pensou consigo levar.
Náufrago sem ilha nem barco, ou
marinheiro preso ao porto, é ele o seu próprio
fim, como se a cada momento não soubesse
que não é dele o que leva, e só é dele o
que perde, como se o não quisesse guardar,
para que chegue mais depressa, ao cair da noite,
a esse cáis onde ninguém o irá esperar.
E repete então o que não devia fazer, para tudo
fazer de novo, como se tivesse de o fazer.
( Nuno Júdice - in " As Coisas mais simples )

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Poeta convidado da semana: Herberto Helder

Um poema cresce inseguramente / na confusão da carne. / Sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto, / talvez como sangue / ou sombra de sangue, pelos canais do ser. / Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência / ou os bagos de uva de onde nascem / as raízes minúsculas do sol. / Fora, os corpos genuínos e inalteráveis / do nosso amor, / os rios, a grande paz exterior das coisas, / as folhas dormindo o silêncio, / - a hora teatral da posse. / E o poema cresce tomando tudo em seu regaço. / E já nenhum poder destrói o poema. / Insustentável, único, / invade as órbitas, a face amorfa das paredes, / e a miséria dos minutos, / e a força sustida das coisas, / e a redonda e livre harmonia do mundo. / - Em baixo, o instrumento preplexo ignora / a espinha do mistério. / - E o poema faz-se contra o tempo e a carne. / Herberto Helder ( Livro: Ofício Cantante )

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Intervalo para apanhar amoras e fazer doce - para a Rita ( S. Tomé )

Nos fins de semana de Agosto, olhando para o mar tristonho, com as praias poluídas de banhistas, de toalhas, de sombrinhas, de corta-ventos, de colchões, de bóias, de bolas sem espaço para rolarem, de brinquedos , de corredores estreitíssimos por onde se passa pé- ante -pé, com receio de os pés levantarem areia que o vento levante para os olhos dos banhistas, ainda por cima sem sol, a aumentar a angústia das ondas com saudades das praias do Inverno, que é quando o mar fala com os amantes verdadeiros, com os pescadores, com os barcos, com as redes, com a liberdade do vento, com a solidão livre e cheia de quem ama a canção dos búzios , o segredo dos braços abertos e silenciosos das estrelas do mar nas poças transparentes da vazante onde o céu luminoso se espelha, as estrelas do mar, quietas, sábias, meigas,cálidas, carentes das carícias dos poucos que sabem das suas casas, onde vivem ao lado dos ouriços, dos mexilhões de cascas luzidias, das algas de cabelos castanhos, macios, dizia eu que nem sol em Agosto, mas mesmo com sol em Agosto o mar chora de angústia, está preso, como eu, que não posso ficar aqui no meio desta multidão, de gritinhos, de guinchos, de anúncios, de ruídos de avionetas, mil vezes a ventania, o grasnar das gaivotas nos areais desertos, sou um místico do mar, adoro o mar, não o posso ver junto de quem não sabe o que ele é, nos momentos sérios, onde se bebem nas conchas salgadas os beijos da intimidade, nas noites de silêncio com as estrelas brincando no regaço fresco das ondas...
...É então que me lembro do poema de Manuel da Fonseca em que um
vagabundo levava sempre com ele o sol nas algibeiras!....
Palavra: se eu pudesse... punha também o mar nas algibeiras das calças e levava-o comigo durante o mês rançoso de Agosto!
Mas infelizmente não posso: o mar não se deixa assim prender ... E foi então que me lembrei de ir apanhar amoras.
Para quando a minha filha vier de S. Tomé, ter ao menos um boião de doce para comer ao pequeno-almoço.
Como podem ver pelas imagens, falo verdade: Eduardo Aleixo

China e os jogos olímpicos

Confesso que não me surpreenderam a grandiosidade e a beleza do espectáculo da abertura dos jogos olímpicos de Pequim. Conheço da China o suficiente para saber que, se em condições normais, ela não costuma deixar os créditos por mãos alheias; sente-se humilhada só em pensar que vai "perder a face"; põe ao serviço de uma grande capacidade de organização a inesgotável e barata quantidade de braços de trabalho do seu povo, que vê a obediência e a hierarquia como Confúcio deixou ensinado desde há muitos séculos; muito menos iria perder esta oportunidade, ainda por cima na data quase sagrada, de 8/8/08, de mostrar-se, e ao seu poder, no centro do palco, a toda a comunidade internacional, mormente aos outros dragões do pacífico, para esclarecer aqueles que ainda não sabiam - e há muitos que ainda não sabem - que a China de hoje não é mais a China da tigela de arroz de Mao, mas sim a China de Deng Xiaoping, o homem que abriu o país ao capital estrangeiro, que liberalizou o sistema, que criou no mundo esta coisa original, chamada " um país, dois sistemas", isto é, um país comunista, que se diz comunista, mas que também tem o outro sistema , o capitalista, o que existe nas chamadas " Regiões Económicas Especiais"... Daí, a designação!....É assim que funciona a China desde o início da década de 80. Capitalismo de Estado. Nunca vi, no entanto, capitalismo mais ostensivo do que o de Hongkong, ou de Macau, por exemplo. E tenho a certeza que é aquele que vigora na nova Changai ( zona de Pudong ).
A China não perderá assim esta oportunidade para lembrar que é uma potência. Que não fica a dever nada às restantes.
Claro que a China não é só isso. É um país conhecido pelo desrespeito constante dos direitos humanos. Que devem ser denunciados. Cada vez mais. Não o sendo pelos Chefes de Estado que visitam a China e se calam por questões de protocolo ou de realismo político ( e aí a esmagadora maioria, para não dizer a quase totalidade deles, democrática e respeitosamente , nada dizem ), a verdade é que não faltam outros espaços, e meios, para que se abram portas e mais consciências e um dia naquele país - e em muitos outros - também o sistema do respeito pelos direitos humanos se abrirá e a liberdade passará também a ganhar medalhas. Levará o tempo que a gente não sabe, mas esse tempo chegará.
Tenho para mim que não serão estes jogos olímpicos que farão de Pequim o que os da Coreia fizeram por aquele país. São países diferentes. Com culturas diferentes. A cultura chinesa é muito forte nestas coisas em que o povo põe a grandeza da Pátria sobre todos os outros problemas. Será a abertura, ela própria, que está acontecendo há duas décadas que há-de abrir as portas das consciências individuais e da sociedade. A sociedade da Informação , a abertura do sistema ao capitalismo, tem feito muito mais pela democratização do sistema da China do que outras acções a despeito das suas boas intenções. Claro que ambas as coisas serão indispensáveis.
Quanto às ausências do nosso primeiro ministro ou do nosso presidente nas cerimónias, todo o país foi informado: tratou-se de uma questão de agendas. Sobrecarregadas.
Quanto à RTP 1, nosso canal público, estar a dar a fotonovela àquela hora, são opções!
Valeu a RTP 2. Que prefiro, aliás.
Eduardo Aleixo

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Nasceu há 99 anos...

Miguel Torga
LIBERDADE
- Liberdade, que estais no céu...
Razava o padre nosso que sabia,
a pedir-te, humildemente,
o pão de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
nem me ouvia.
- Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
de emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
a fé que ressumava
da oração.
Até que um dia, corajosamente,
olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
saborear, enfim,
o pão da minha fome.
- Liberdade, que estais em mim,
santificado seja o vosso nome.
( Albufeira, 28 de Agosto de 1975 )
Miguel Torga
Diário XII

Um emblema da liberdade

" Alexander Isaeievitch Soljenitsine , agora falecido, aos 89 anos, foi um dos grandes escritores políticos do século XX - ao nível de um George Orwell e de um Arthur Koestler. Basta reparar que criou um substantivo comum: gulag. Palavra que deriva de um dos mais sinistros acrónimos de todos os tempos: Glavnoie Upravlenie Laguerei. O nome da direcção-geral que estendia os tentáculos pelo território soviético , transformando o maior país do globo num gigantesco campo de concentração. Antes dele, existia o medo - nada mais do que o medo cego. Depois dele, o mundo abriu os olhos: estava ali, plasmada naquelas mil páginas documentais, a autópsia de um dois regimes mais criminosos da História.
« Soljenitsine não considerava a sua literatura um assunto privado, uma diversão, um exercício literário ou uma forma de se sentir realizado, mas algo com um sentido mais profundo. Melhor que ninguém, ele foi um dos que no século XX confirmaram a tradição de que um escritor na Rússia é mais que um escritor. Ele planeou - e cumpriu - a missão de devolver a memória à Rússia». Palavras de Ludmila Saraskina, talvez a sua melhor biógrafa, na edição de terça-feira do diário El País.
Foi " um dos últimos escritores heróicos", - como lhe chamou, no mesmo jornal, José Maria Guelbenzú. Seguindo uma notável linhagem, de Tolstoi a Pasternak, Soljenitsine " estava convencido de que a sua missão na Terra era deixar testemunho do horror" que afectou todas as vítimas do Estalinismo , esse sistema concentracionário que esmagava o homem enquanto dizia libertá-lo, pervertendo o significado de todas as palavras, como Orwell tão bem nos ensinou.
Mas podemos também retirar o rótulo " político" a Soljenitsine e continuamos com um grande romancista. Foi ele o melhor cronista, em admiráveis páginas de ficção, dos anos de chumbo do totalitarismo - o dos campos de concentração, o do quotidiano cinzento e desesperado dos presídios hospitalares, o dos horizontes sem esperança de uma revolução que tudo prometeu e todos traiu.
Foi ainda o criador de uma vasta galeria de personagens literárias que jamais nos desaparecem da memória. Ivan Denisovitch Shukhov, encarcerado por um crime que não cometeu, alguém que vegeta no limiar da sobrevivência no campo de internamento onde deixou de ter um nome para passar a ser um número: acompanhamo-lo em Um Dia na Vida de Ivan Denisovitch ( 1962 ) - " um dia vulgar, sem sombras, um dia quase feliz" - . Matriona Vasilevna, a camponesa idosa que " era como o justo sem o qual, como diz o provérbio, não existe aldeia. Nem cidade. Nem toda a nossa terra " . Travamos conhecimento com ela em A Casa de Matriona ( 1963 ). Oleg Filimenovitch , protagonista dessa imensa parábola do sistema soviético, que é o " Pavilhão dos Cancerosos" ( 1968 ), : " um homem solitário pode dormir sobre tábuas ou no chão, enquanto o peito lhe albergar fé ou ambição."
Exilado no Cazaquistão com Estaline, expulso da Rússia durante o consulado de Bresnev, desapossado da nacionalidade, regressou já na era democrática: as barbas e o porte de profeta ajudavam a compor-lhe uma iniludível imagem de ícone cultural. Foi um dos raros galardoados com o Nobel da Literatura ( 1970 ) a merecer tal distinção na segunda metade do século XX - " pela força moral com que prosseguiu a tradição da literatura russa", segundo justificou a Academia de Estocolmo.
Mas não era só um homem de letras; foi também um homem de acção. Ofereceu-se para combater os nazis da II Guerra Mundial , ascendeu à patente de capitão, foi duas vezes condecorado. Em 1945, uma carta escrita a um amigo, interceptada pela censura militar, traçou-lhe o destino: nela fazia uma crítica jocosa aos bigodes de Estaline que lhe valeu onze anos de cativeiro.
Num fabuloso livro de memórias, o Carvalho e o Bezerro ( 1975 ), Soljenitsine recorda o momento em que foi detido e transportado por dois agentes à sede da sinistra Lubianka, em Moscovo; na estação de metro de Belaruskaia, esteve para gritar, pedindo socorro. Mas conteve-se: " Pressentia vagamente que um dia poderia gritar para 200 milhões de pessoas."
Assim fez. Como sublinhou Raúl Rivero , " ele desafiou um império que parecia eterno, convertendo-se num emblema da liberdade."
Pedro Correia, in Diário de Notícias, de 9 de Agosto de 2008

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Poema do velho de barbas brancas - e desejos de um bom fim de semana

Havia um velho de barbas brancas
que vivia numa cabana
à beira de um ribeiro
debaixo de um eucalipto.
Como eu gostava dele,
da sua voz calma,
do seu olhar sereno,
do seu sorriso claro!
Passaram muitos anos...
O ribeiro já não existe: foi atolado.
O eucalipto já não existe: foi abatido.
Só o velho de barbas brancas
permanece bem vivo
dentro do meu coração!
Eduardo Aleixo

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Poeta convidado da semana: António Ramos Rosa

Campo e corpo

Não houve antes nem haverá depois/ Quando inicia, se sopra a sombra, é uma/ absoluta rosa que principia sempre. / À mesa de trabalho, a página é vazia./ A luz banha a brancura e um campo emerge ténue. / O sangue tumultua, respira o mar suave./ Um corpo, quem o sabe, onde começa o sangue? / Um corpo está no campo, corpo e campo se envolvem/ na paz mútua que nasce, de dentro e fora, una./ Troncos, membros, olhar circundam campo e corpo. / O campo que se alarga e que respira é corpo./ O corpo que ondula e se prolonga é campo. / O olhar alarga o campo, o campo estende o corpo./ Pernas, braços, tronco estendem-se à extensa terra. / Um corpo intenso cresce em campo vivo ao sol./ Nudez de campo e corpo. Um ar só comunica / sem dentro e fora. Uma cadência solta / percorre uma área una.O sangue está no campo. / As árvores banham-se na limpidez do corpo./ Os animais saltam lúcidos e delicados/ entre as ervas do sangue. Pastam os sonhos / entre pedras.Nudez de corpo e campo. / A língua pousa no prado. O sexo penetra a terra. / Campo e corpo uno.A mão pousa no monte./ Respiro e danço com todo o corpo e campo. / Lanço-me com todo o corpo em pleno campo/ e danço tranquilamente a absoluta rosa única / que formo pétala a pétala, rodando no seu centro./ O campo que desdobro e rodopio é um corpo / que do meu corpo nasce, que do meu campo solto. / António Ramos Rosa ( in " A construção do corpo ")

Poemas de BAI JUYI

1. Colhendo flores de lótus
As folhas de castanhas de água agitadas pelo vento,
uma barca vogando entre cálices de lótus.
Meus olhos encontram a beldade entre as flores,
tímida, baixa a cabeça, o pente de jade cai nas águas.
2. Bela e frágil.
Falo de uma menina,
os olhos como folhinhas de salgueiro,
as maçãs do rosto cor de rosa,
na cabeça as tranças como flores perfumando a brisa.
Há dois anos mirou-se ao espelho pela primeira vez,
há um ano começou a aprender a bordar.
Aos treze anos menina e mulher
ao sabor da sorte e da fortuna.
Mas a geada cai sobre ameixas e pêssegos,
tocou-a, ela murchou para sempre.
Os pais choram a filha morta.
Não nascera para noiva de mortais,
era um anjo tombado dos céus,
condenado a alguns anos de vida na terra.
As coisas mais belas, sempre as mais frágeis,
quebram como vidro, desaparecem como nuvens.
3. Pensamento.
Quando rebenta a corda do alaúde
há sempre forma de a consertar.
Quando se despedaça um coração
não há modo de o reparar.
( Do livro Poemas de BAI JUYI )

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Casa com orelhas grandes

Como gosto da minha casa
pequena,
com orelhas grandes,
para escutar
a sinfonia
do mar!...
Eduardo Aleixo
(Brejenjas - 2/8/2008 )

Simplesmente... são!

Aqui ao lado
mas longe
da nossa inquietação
as flores
simplesmente...
são!
Eduardo Aleixo
( Brejenjas, 2/8/2008)

terça-feira, 5 de agosto de 2008

A violência sobre os idosos

« Durante os primeiros seis meses do ano registou-se uma média de dois idosos por semana, vítimas de violência, de acordo com dados oficiais do Ministério Público, divulgados pela Procuradoria Geral Distrital de Lisboa. Ao longo do primeiro semestre, foram abertos 51 inquéritos relativos à violência contra idosos, um número muito próximo dos 57 casos de violência registados no meio escolar. Dois fenómenos considerados de investigação prioritária pela Lei de Política Criminal e para os quais o procurador geral da República, Pinto Monteiro, chamou a atenção em Janeiro. Dos 51 casos de violência contra idosos registados, 22 aconteceram no primeiro trimestre e os outros 29 no segundo.
Entre as 12 comarcas do distrito judicial de Lisboa, Almada é a que apresenta o maior número de queixas: 11. Torres Vedras, com 9 , e Lisboa com 7, fecham o grupo dos três concelhos com maior número de casos. Do lado oposto, sem casos de violência contra idosos, estão Cascais, Angra do Heroísmo e Oeiras.......
O cônjuge ou companheiro é o agressor mais frequente dos idosos, segundo os dados de 2007 da Associação de Apoio à Vítima ( APAV), somando um total de 29,1%. No entanto, um grande número, 26,4%, é vítima dos próprios filhos.No ano passado, a APAV registou 656 casos de violência contra idosos.
A residência partilhada com o agressor é o espaço em que mais ocorrem agressões ( 59,7% ), logo seguida da casa da vítima ( 25,6% ). No total, apenas 12 casos , ou seja, 2,3%, tiveram lugar em lares ou instituições de acolhimento. Números que não surpreendem o vice-presidente da APAV, João Lázaro. « A família é um espaço de amor, mas também de grande violência», alerta.
O dirigente da associação frisa que « a violência sobre os idosos é muito escondida e calada».Embora não existam ainda dados de 2008, João Lázaro acredita que a tendência é para um aumento sustentado. A violência financeira é outra face dos atentados contra este grupo etário. Paula Guimarães, da APAV, explica ao DN que « em Portugal existe a ideia de que o património do idoso é da família e partir de uma certa idade esta faz tudo para administrar os seus bens, atropelando a lei."
( Reprodução de artigo publicado hoje, no Diário de Notícias, com o título " Dois idosos vítimas de violência por semana , da autoria de Ana Bela Ferreira, em virtude de o "À beira de Água" o achar de grande interesse ).
Eduardo Aleixo

Funeral Santomense

Hoje assisti pela primeira vez aos rituais de um funeral santomense. A mãe de dois colegas meus de trabalho faleceu, e toda a equipa foi solidária em acompanhá-los. Apenas comento isto no blog porque me parece interessante a forma como cada cultura expressa estes ritos profundos da vida. Aqui, quando alguém morre, toda a família e amigos se junta na casa da pessoa falecida, para daí partir em camiões do exército, carrinhas, motas, carros, o que houver, em direcção ao cemitério, passando pelos sitios importantes para o falecido, como o trabalho ou a casa de familiares. Junta-se assim uma grande fila em excursão, que vai lentamente pela estrada a 10km/h, com uma carrinha com uma banda a tocar, mais outra carrinha com colunas de música Kizomba, ou se for rico, mesmo um cantor ao vivo. Neste caso particular, foi dispensada a parte musical, mas o resto aconteceu mesmo, e percorremos cerca de 1h de caminho até ao cemitério. Depois do enterro, regressa-se novamente para casa da pessoa falecida e aí se fica a comer e ouvir musica. Esta parte, a que aqui se chama a fase do "nojo" (luto nosso talvez) dura uma semana, com a casa sempre inundada de pessoas e familiares. Com este ritual grande parte das familias se endividam para suportar estes custos que estão fora do alcance da maioria das pessoas. Não deixa de ser, como é óbvio, um momento triste e tenso, mesmo sendo diferente do nosso, daí querer partilhá-lo convosco... Beijos, Rita

Tremoços

Às vezes come-se
não tremoços
mas o tempo
que nos come...
Eduardo Aleixo

Depois de te amar...

Depois de te amar
contente
descanso o rosto
no teu colo
quente.
Eduardo Aleixo
( Brejenjas, 2/8/2008 )

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Sempre o mar sempre ...

Fui ver o mar
Onde me sentei
No lugar cativo
Que herdei
Muito antes de ter nascido
E ali fiquei
Como sempre
Embevecido!
Eduardo Aleixo
( Santa Cruz, 1/8/2008 )

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Bom fim de semana

Alegria interior
Esta manhã, uma taça de vinho.
Pensas que encheu meu coração de alegria?
Há outra alegria brotando de uma fonte interior.
Essa o mundo nunca entende.
Na janela, olhando os bambús
Porquê cortar e fazer uma flauta?
Porquê aparar para uma cana de pesca?
Murcharão ervas e flores.
Eles, bonitos, baloiçando sob flocos de neve.
A vida dos animais
Quem diz que a vida dos animais não tem valor?
Sua carne, sua pele, seus ossos semelhantes aos nossos.
Não matem os pássaros nos ramos das árvores.
No ninho, os filhotes aguadam o regresso dos pais.
( Bai Juyi - in Poemas de Bai Juyi )