Um poema cresce inseguramente /
na confusão da carne. /
Sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto, /
talvez como sangue /
ou sombra de sangue, pelos canais do ser. /
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência /
ou os bagos de uva de onde nascem /
as raízes minúsculas do sol. /
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis /
do nosso amor, /
os rios, a grande paz exterior das coisas, /
as folhas dormindo o silêncio, /
- a hora teatral da posse. /
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço. /
E já nenhum poder destrói o poema. /
Insustentável, único, /
invade as órbitas, a face amorfa das paredes, /
e a miséria dos minutos, /
e a força sustida das coisas, /
e a redonda e livre harmonia do mundo. /
- Em baixo, o instrumento preplexo ignora /
a espinha do mistério. /
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne. /
Herberto Helder
( Livro: Ofício Cantante )
4 comentários:
Eu adoro Herberto Helder!! Uma magnífica escolha a deste poema! Beijos.
A "a esplêndida violência" da poesia de Herberto Helder.
Um abraço.
A força de um poema, aqui...
Beijinho*
À Paula, à Graça Pires, à Maria P., :
- parece que escolhi bem. Há sintonia sobre a intensidade poética deste autor, que nos toca.
Abraços.
Eduardo
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